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10 anos de rede ex aequo: O que há para contar (com vídeo)

Dar apoio, fomentar conhecimento, justificar visibilidade e a defender a juventude LGBT em Portugal. A rede ex aequo – associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes comemora hoje oficialmente o 10º aniversário da sua fundação enquanto associação juvenil, mas uns bons meses antes já o projecto - que depois se viria a constituir legalmente em associação – fervilhava, descentralizava e democratizava a sigla LGBT e o activismo pelo país.

Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Cascais, Castelo Branco, Coimbra, Covilhã, Évora, Faro, Leiria, Lisboa, Porto, Setúbal, Vila Real e Viseu são cidades que têm, ou já tiverem, em funcionamento grupos locais , uma espécie de portos de abrigo e pontos de encontro e partilha para a juventude LGBT.

 

Embora o número de voluntários envolvidos nas actividades da última década seja difícil de contabilizar, estima-se que tenham sido mais de 1500 pessoas a dar o seu contributo em prol de outros jovens, estes sim em número bem mais elevado e bem mais difícil de quantificar.

O balanço de (mais de) uma década de trabalho é feito em formato entrevista à primeira e à actual presidentes da associação, Rita Paulos e Andreia Pereira respectivamente, e que resumem os projectos que movem a associação juvenil.

 

dezanove: Há 10 anos como foi começar com a rede ex aequo? 

Rita Paulos: A rede ex aequo não começou na realidade há 10 anos. A rede ex aequo foi imaginada em Março de 2000 e passou a existir a partir de Janeiro de 2002, há 11 anos atrás, através do Projecto Descentrar, que a cria. A partir desse período, até Abril de 2003, já existe com esse nome, mas encontra-se inserida no seio da associação ILGA Portugal, enquanto rede informal de grupos de jovens LGBT. A data que se assinala presentemente é a da transformação da rede ex aequo em associação juvenil, com estatuto jurídico próprio, um marco importantíssimo para o crescimento do seu trabalho e um passo vital para ter conseguido o impacto que teve ao longo destes anos e que espero que continue a ter.

Começar foi a concretização de um sonho e de uma visão muito concretos que tinha, que pretendia quebrar o isolamento e a solidão de jovens LGBT em Portugal, inclusive nos vários pontos do país, criando espaços seguros para apoio e aumento da autoestima, e contribuir para a mudança do ambiente social através da educação e da sensibilização.

 

Mas como surgiu a ideia de criar a associação?

RP: Surgiu-me a ideia de criar uma rede de grupos de jovens LGBT no país, que partilhassem entre si uma plataforma e uma estrutura base, recursos, ideias e conhecimentos, numa "Sessão de Estudo" da IGLYO (Organização Internacional de Jovens e Estudantes Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros), em finais de Março de 2000, em Budapeste, na Fundação Europeia da Juventude do Conselho da Europa. Durante uma semana participei numa série de actividades e workshops com jovens activistas LGBT de outros países e foi pedido a cada um de nós para no final da semana apresentar a planificação de um projecto que desse resposta a alguma necessidade no nosso país. Eu tinha muito presente a ausência de qualquer tipo de recurso ou apoio fora de Lisboa, porque enquanto co-coordenadora do Grupo Jovem da ILGA Portugal lera justamente muitos e-mails, de raparigas e rapazes, a perguntar se haveria algum grupo ou associação na sua cidade. Entristecia-me ter de responder "não". Assim, regressei a Portugal e comecei a perguntar a algumas pessoas amigas ou conhecidas se gostariam de avançar com este projecto comigo. Há duas pessoas que destaco desse período como grandes contribuintes: o Rui Viegas, que, depois de mim, foi quem mais trabalhou para o desenvolvimento do projeto, e a Laetitia Santos, que também teve um contributo bastante significativo.

 

Mas foi fácil levar avante o projecto?

RP: Nessa altura existiram algumas poucas vozes externas que acharam que a missão era impossível, essa de criar vários grupos de jovens LGBT pelo país, mas felizmente a realidade e o contributo de algumas centenas de jovens, ao longo destes anos, mostrou o contrário. Não foi assim tão difícil encontrar juventude que se voluntariasse em várias cidades - mesmo com alguns receios, nomeadamente porque entre eles e elas alguns não eram assumidos - e estivesse disposta a receber formação sobre como dinamizar e facilitar um grupo destinado a jovens LGBT ou com dúvidas, usando como metodologia a educação não-formal. Para isso, no entanto, foram essenciais os cartazes do projecto que afixámos em praticamente todos os distritos do país e a criação do fórum online da rede ex aequo que foi o primeiro recurso criado, no início de Fevereiro de 2002, e que nos ajudou a dar conhecimento da rede ex aequo e dos seus objectivos, para além de servir como a primeira plataforma para aquilo que se desejava criar: um espaço seguro, anónimo (conforme o desejo de cada participante), de apoio e aprendizagem entre pares.

 

É em 2003 que a rede ex aequo se torna formalmente associação. Como era este trabalho nessa altura?

RP: Em Abril de 2003, quando a rede ex aequo finalmente se torna associação, contamos com uma presença mais forte de outras pessoas, que chegam à rede ex aequo já por via do seu fórum online, como a Sara Martinho, o Pedro Alexandre e a Cristina Nunes. Nessa altura a rede ex aequo já tinha uma série de grupos a funcionar desde 2002, já tinha organizado o seu primeiro ciclo de cinema, tinha o fórum a tornar-se o seu recurso mais popular, sempre a crescer no número de participantes, e começava a dar os primeiros passos tímidos de idas as escolas, por convite, para efectuar sessões de esclarecimento. Foi um período de enorme alegria e de uma sensação que estávamos a garantir à rede ex aequo maiores e melhores oportunidades de trabalho, porque teríamos acesso a uma quantidade significativa de programas de financiamento enquanto entidade juvenil, que até ali não era possível recorrer, e creio que os anos que se seguiram provaram isso, porque seguem-se uma série de projectos vitais, hoje imagem de marca e estruturais na associação, como o Acampamento de Verão, o Projecto Educação, o Observatório de Educação, os Prémios Média, o Projecto Inclusão e uma série de materiais impressos, como brochuras e folhetos que foram produzidos e continuam a ser reeditados. Mais, sem financiamento não nos era possível continuar a fornecer os dois dias de formação obrigatória para os jovens coordenadores e facilitadores dos grupos locais da associação, que são elementos cruciais no desenvolvimento do trabalho de apoio à juventude e cuja qualidade se reflete naquilo que a associação consegue alcançar de forma bem sucedida. Mas tendo-se falado do início, importa falar também do entretanto e são muitos também os nomes que poderia referir - e essas pessoas sabem quem são -, que contribuíram ao longo destes anos, a quem agradeço profundamente por terem mantido vivo e melhorado este projecto de igualdade e inclusão que é a rede ex aequo.

 

Tiveram e têm grupos de apoio em várias cidades do país. Em 2013, Portugal ainda precisa de grupos de apoio para jovens LGBT? 

Andreia Pereira: Sim, precisa. Os grupos locais foram criados com o objectivo de diminuir o isolamento da juventude LGBT independentemente da sua localização geográfica e os motivos que fundamentaram a criação deste projecto mantêm-se. Vários estudos recentes, entre eles um estudo  realizado pela rede ex aequo, em parceria com o CIES-IUL, demonstram que o bullying homofóbico é uma realidade bem presente nas escolas, com 42% dos jovens a afirmar ter sido vítimas de bullying homofóbico e 67% já terem visto colegas serem vítimas deste fenómeno. Também os resultados mais recentes do Observatório de Educação LGBT apontam neste sentido (o último relatório do Observatório de Educação LGBT, lançado em Março, pode ser consultado em: http://www.rea.pt/imgs/uploads/doc-observatorio-educacao-2012.pdf).

Por fim e como forma de dar resposta aos jovens de cidades onde não existe grupo local da rede ex aequo, foi pensado em 2009 um projecto relançado esta semana com uma nova imagem - os Grupos Itinerantes. Este projecto pretende reforçar por todo o país o apoio dado pelos Grupos Locais. Destina-se a jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes entre os 16 e os 30 anos. O objectivo é levar actividades que são habitualmente realizadas nas cidades com grupos locais activos a cidades que não têm estes espaços, proporcionando apoio e convívio a um maior número de jovens.

 

Conseguem destacar uma boa história, das muitas que vos chegaram graças ao trabalho da rede ex aequo?

RP: Há muitas, muitas mesmo. E entre muita da juventude que é ou foi voluntária ou participante na associação poderia destacar algumas, mas prefiro que sejam eles e elas a fazerem-no. Quem quiser saber algumas, pode sempre pesquisar o fórum da rede ex aequo (www.rea.pt/forum) ou ver o vídeo que a rede ex aequo está a produzir para assinalar o 10º aniversário enquanto associação. Sabia, ainda antes do início da rede ex aequo, de um estudo no Canadá que demonstrou que a taxa de ideação e tentativa de suicídio de jovens LGBT que participaram num grupo de jovens LGBT diminuira drasticamente, aliás para zero, depois desses jovens começarem a frequentá-lo. Esse dado sempre me inspirou e tenho a certeza que a associação e o trabalho dos seus voluntários e das suas voluntárias também conseguiram alcançar isso em muitos casos e contribuir para a existência de gente jovem - e mais tarde adulta - com a sua orientação sexual, identidade ou expressão de género bem integradas, com boa auto-estima (apesar da discriminação) e vivendo a sua vida de forma aberta e feliz, como as demais pessoas. Da minha parte, recordo-me da particular felicidade que senti quando descobri que a rede ex aequo e a participação nela era recomendada por alguns psicólogos e psicólogas, como complemento à psicoterapia que desenvolviam com jovens seus pacientes, que estavam em processos de se assumir a si próprios ou de lidar com o receio de se assumir para pessoas terceiras. Senti o trabalho da associação validado e reconhecido. Por outro lado, não poderia deixar de assinalar o contributo tão importante que a rede ex aequo teve para que a Lei de Educação Sexual, em 2009, incluísse o tema da orientação sexual como tópico obrigatório, inclusive para combate à discriminação em sua função. Para tal foi importante a já existência na altura do Observatório de Educação LGBT e o podermos apresentar dois relatórios com queixas de homofobia e transfobia nos estabelecimentos escolares em Portugal, onde se incluía uma série de dados e dezenas de testemunhos, e a existência de uma brochura de sessenta e quatro páginas chamada "Educar para a Diversidade: Um Guia para Professores sobre Orientação Sexual e Identidade de Género" que explicava q.b. quais as problemáticas da juventude LGBT e a necessidade de intervenção sobre estes temas nos espaços educativos.

Para mim, o sinal que a entrega destes materiais, em mãos próprias, ao grupo multipartidário que iria redigir a versão final da lei e que a audição parlamentar, onde a rede ex aequo também foi ouvida, foram um ponto de viragem importante é que a lei em vigor é mais completa e foi mais longe que qualquer um dos projectos-lei que estavam na mesa, apesar de ter deixado a identidade de género fora, infelizmente. Por outro lado, assinalo também a iniciativa da rede ex aequo - que foi, logo de seguida, apoiada e reforçada pela AMPLOS, a associação de mães e pais de pessoas LGBT - de propor ao Ministério da Educação e Ciência para incluir a proibição da discriminação em função da orientação sexual e da identidade de género na nova lei do "Estatuto do Aluno e Ética Escolar".

 

Como foi acolhido esse pedido?

RP: Foi felizmente bem recebido e viu-se refletido no texto final da lei aprovado em Setembro de 2012. Neste tópico, aproveito para agradecer às Direcções da rede ex aequo destes períodos, por mesmo já não sendo eu dirigente, terem escutado e seguido as minhas sugestões, apelos e alertas de que era necessário intervir no que dizia respeito a estas duas leis, me terem permitido fazer esse trabalho com eles e elas e, assim, fazer parte destas mudanças. Agora, com o suporte da lei, é continuar a trabalhar para garantir que estes princípios se aplicam no dia-a-dia e proporcionam um ambiente mais positivo, que permita a toda a juventude (e restante população) LGBT ser livremente quem é, sem receios, agora e no futuro.

 

A juventude LGBT continua a ser o vosso foco de trabalho enquanto associação juvenil. Que problemas continuam a vivenciar os jovens LGBT portugueses?

Andreia Pereira: A juventude no geral tem as suas especificidades muito próprias. Nesta transição desenvolvimental as relações com os pares ganham outro relevo, é muitas vezes quando se dá a alteração da relação com os pais e ganho de autonomia, embora esteja presente nas crianças mais jovens, é geralmente na fase da adolescência que a orientação sexual se torna um assunto premente. Nesta altura e durante os anos seguintes, muitos são os jovens que se deparam com a inexistência, na maioria dos locais, sejam eles escolares, laborais e/ou institucionais, de políticas activas contra a homofobia e transfobia que promovam, à priori, um ambiente social positivo, inclusivo e de aceitação. Para os jovens LGBT ou com dúvidas pode ser um período particularmente difícil, principalmente para aqueles que vivem situações de homofobia e/ou transfobia praticadas ou com a conivência dos seus pares ou familiares mais próximos. Há uma grande falta de informação correcta e clara sobre orientação sexual e expressão e identidade de género, questões que ainda são muito baseadas em estereótipos e mitos presentes na nossa sociedade. Muitas escolas ainda não garantem o acesso a apoio e informação, fazem assunções baseadas na heteronormatividade e heterossexismo e não integram estas temáticas no currículo, apesar da lei de educação sexual existente que a Rita referiu. Estes são alguns dos motivos por que a associação está há 10 anos a incentivar a visibilidade pelos jovens LGBT em Portugal.

 

A inclusão da menção da não discriminação dos alunos LGBT no Estatuto do Aluno; as inúmeras idas às escolas do país através do Projecto Educação, são marcos conquistados. Que outras vitórias destacam nos últimos 10 anos para a juventude LGBT? 

AP: A descentralização e a existência de grupos locais, ao longo destes 10 anos, em 14 distritos do país; a idealização e concretização anualmente de uma miríade de projectos como por exemplo os Prémios MédiaCiclo de Cinema LGBTAcampamento de VerãoObservatório de Educação LGBT, Abraços Grátis no 17 de Maio, Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia e Transfobia; a concretização do Projecto Inclusão e com ele o lançamento de uma campanha contra o bullying homofóbico e transfóbico com distribuição de 120.000 postais, centenas de cartazes e mupis; a adesão ao Conselho Nacional de Juventude e as inúmeras pontes estabelecidas com outras associações juvenis; as conquistas legais e audições parlamentares em que a rede ex aequo esteve envolvida; as cerca de 300 sessões de esclarecimento feitas em Portugal Continental e Ilhas no âmbito do Projecto Educação LGBT e... com certeza estou a esquecer-me de algumas (risos). O crescimento e alcance da própria rede ex aequo é, no fundo, uma grande vitória para a juventude LGBT.



Quais são os projectos a curto e médio prazo da rede ex aequo?

AP: O nosso principal objectivo passa por chegar a cada vez mais jovens pelo que pretendemos continuar a apostar no desenvolvimento dos diversos projectos da associação já mencionados. Esperamos ter a presença dos Grupos Itinerantes no maior número de cidades do país e, quiçá em breve, um projeto específico na área do transgenerismo. Para Maio, dia 17, estão planeados alguns eventos inseridos no Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia e Transfobia: à semelhança dos anos anteriores, iremos realizar uma acção de rua onde distribuiremos Abraços Grátis, material informativo e brindes aos transeuntes, uma Campanha de Cartazes Contra a Homofobia e Transfobia e uma Conferência sobre os Direitos dos Jovens LGBT, em parceria com o Conselho Nacional de Juventude (CNJ).

 

 

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