Canto de Luciana e Pri: a história do Amor contra o ódio
Foram uma das maiores surpresas do “The Voice Portugal”, chegando à semi-final do concurso numa viagem que começou na cidade do Rio de Janeiro. Luciana e Priscilla provaram que o amor e a música podem ser antídotos contra o ódio numa jornada que ajudou a entender a vida dos migrantes em tempo de covid-19.
Quando chegamos ao aniversário de um amigo nosso e ouvimos ainda no patamar da escada a voz da Luciana ficamos deslumbrados. Lembro-me de ficar encantado pela beleza da Priscilla num teclado tocando cada nota com um sorriso. A troca de olhares entre Luciana e Pri são poderosos e a afirmação do amor, que carregam na bagagem, foi uma agradável surpresa do concurso de canto conhecido como “The Voice Portugal”.
Aquela noite foi mágica e não resistimos a acompanhar a trajectória destas agora amigas que transformaram o concurso num lugar de diálogo e amor. Daí o convite para uma conversa para o dezanove.pt.
Conheceram-se em 2017 na cidade do Rio de Janeiro por causa de um espectáculo musical. Nos tempos livres Luciana fazia uns bares e Priscilla, fascinada pela voz da Lu acabava indo a esses serões musicais. Levava o seu teclado e acabavam a tocar temas uma com a outra. Temos a certeza que o bar ficaria com as mesmas sensações de alegria e deslumbramento com que ficamos naquela noite em que as ouvimos pela primeira vez. Para Priscilla os bares foram fundamentais para a construção da dupla Lu e Pri: “esse foi o embrião, porque esse foi o momento de experimentar e nos conhecermos mais musicalmente e conhecendo influências de cada uma”.
A relação que todos e todas vimos no programa da RTP vem desde 2017. Priscilla conhece bem o mundo do espectáculo musical e quis o destino que Luciana fosse lá parar. Bacharel em música, Priscilla viveu sempre entre o mundo da música erudita como pianista acompanhadora de orquestras, musicais e de audições, mantendo, em paralelo, o fascínio pela música mais popular como o forró, samba e o jazz. Nesses dois mundos teve sempre um olhar privilegiado para a experimentação, a junção desses dois mundos musicais feitos de forma, mas também de conteúdo, os arranjos e melodias mais inesperadas, aquelas que não vêm nas pautas de música.
Luciana vem de um percurso que combina o património dos grandes ícones da música brasileira como Elis Regina, Maria Betânia e Chico Buarque que a sua mãe cantava preenchendo o quotidiano numa banda sonora capaz de fazer Luciana querer experimentar a voz nessas melodias. A banda filarmónica da escola foi também um lugar de práticas instrumentais como a lira, um percurso entre a erudição popular e o cancioneiro poético brasileiro. Se há país que respira música é o Brasil. E a mãe de Luciana incentivava esse canto reforçando a beleza da voz da filha, suas proezas, ao cantar músicas difíceis do cantor lírico brasileiro Edson Cordeiro, “realmente difícil de cantar e eu ficava cantando a música e minha mãe ficava mostrando para os vizinhos”, relembra na nossa conversa.
Migração para Portugal, encontros e surpresas
Quando Lu e Pri cantaram a música “Malandro” de Jorge Aragão e Jotabe e celebrizada na voz rouca de Elza Soares, viraram as quatro cadeiras, numa prova cega cheia de swing e mensagem.
A música escolhida talvez seja a melhor definição da dupla Luciana e Pri, já que a vinda para Portugal acabou por ser um desafio, duas mulheres a caminho de um país estrangeiro para mostrar a sua arte através da música e do seu amor.
Na bagagem o afecto e a palavra na música. Priscilla veio para a Universidade de Aveiro para estudar performance musical e Luciana acabou por alinhar apesar de não querer sair debaixo da “saia da mãe” e não ter fascínio por estar “fora do Brasil”. Mas a situação política tóxica e de ódio no país do samba acabou por pesar. Lu e Pri saíram por razões de estudo, mas também para desbravar novos encontros e possibilidades. E a vida é feita dessas escolhas.
O amor consegue afinal ser mais forte, ajudar a vencer os obstáculos. Apesar de tudo Portugal tem sido lugar de acolhimento de muitos estrangeiros que querem paz e estabilidade, segurança e tranquilidade. E Portugal é feito de emigração. Quantos já esqueceram daqueles e daquelas que tiveram de sair, porque não conseguiam viver livremente no nosso país?
Desta solidariedade deveríamos ser feitos.
E a mentora escolhida pela Lu e a Pri, a cantora Marisa Liz, alinhou nesse espírito de acolhimento. Priscilla refere que Marisa Liz “ajudou muito a fazer o que a gente queria, no sentido das escolhas musicais, a gente só cantou músicas, que não eram super conhecidas aqui em Portugal, isso não é comum, num programa deste formato”. E essa abertura é reforçada pela Luciana quando refere que Marisa Liz “é uma pessoa incrível cara, ela é uma pessoa acessível sabe, gente da gente”. Ambas concordam que Marisa Liz tomou uma posição muito pedagógica ao falar abertamente sobre a importância de abraçarmos a diferença.
Destacar a coragem de duas mulheres emigrantes, não brancas e com afectos fora da heteronormatividade acabou por provar que a música é a uma linguagem que pode criar pontes entre as pessoas, levá-las a serem mais unidas.
Marisa Liz repete vezes sem conta durante o programa que “juntas somos mais fortes”.
E a força da música sobressaiu na gala da semi-final quando Lu e Pri e Luís Trigacheiro e a mentora Marisa Liz subiram ao palco para cantar “Barco Negro”, numa fusão entre as batidas do samba e da fanfarra portuguesa.
Lu e Pri referem esse momento como de extrema importância e que foi uma ideia de Marisa Liz. Foi ideia dela chamar a bateria, chamar todos aqueles grupos de percussão de Portugal e Brasil e foi ideia dela que todos ficássemos em cima do palco juntos”, destaca Priscilla. Luciana acrescenta ainda que a música acabou por juntar os cantos do fado e do samba numa homenagem ao trânsito cultural entre os dois povos, não esquecendo o passado da escravatura e da violência.
Para Luciana e Priscilla foi muito importante o trabalho desenvolvido no programa de domingo à noite na RTP, a música é uma mensagem poderosa.
No final da conversa a duas grandes questões: a primeira se voltariam a participar no Programa e a outra se sempre vão lançar uma música com Marisa Liz. À primeira pergunta, a resposta é um “não” em uníssono. “Nossa estrada é trabalhar na nossa carreira, aproveitar a visibilidade do programa e fazer música” explica Luciana. Em relação à segunda, Luciana responde: “Estou a escrever uma letra e pretendo convidá-la para fazermos juntas. Se ela topar, óptimo!"
Vejam e oiçam aqui o single "Sol da Meia-Noite" de Lu e Pri:
E sigam as artistas nas redes sociais:
André Soares e Noé João