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Esta mão que cuida é arco-íris

Enfermeiro Carlos Gustavo Martins

Fiz em Abril deste ano 24 anos de profissão… sensivelmente 22 desde que saí do armário. De forma espontânea. Hoje olho para trás e não sei se o faria da mesma forma, nem com a mesma coragem. Mas agradeço a energia da juventude que nos leva a tomar decisões e a quebrar barreiras que, se calhar, de outra forma nunca se conseguiriam quebrar.

 

Não sei quantos anos faz desde que utilizei, de forma consciente, a minha homossexualidade para ajudar os outros. Em bom da verdade, nem interessa.

Um jovem, que tentou acabar com a sua vida saltando duma ponte, fê-lo por desgosto de amor… por desgosto de ser como é. Eu ganhei coragem (lembrem-se que foi a primeira vez), pedi para que todos saíssem da ambulância e falei como nunca tinha falado. E disse-lhe que ninguém vale mais do que a nossa própria vida. E que somos todos válidos enquanto pessoas e lindos da forma como somos.

Ainda hoje falo com ele. E ainda hoje fico feliz por ter dado esse passo com ele.

Depois as situações repetiram-se. Não custou assim tanto. Já perdi a conta ao número de vezes que "sai do armário" para que o outro perceba que eu o percebo. E que sei o que é estar "do lado de lá da barreira". Se é adequado? Ou correcto? Ou mesmo ético? Não sei… mas sei que tem dado frutos. E de todas estas vezes, cujo número, felizmente, já perdi, sinto que valeu a pena, que a diferença em ser arco-íris valeu de muito.

Não sinto que seja nem mais nem menos do que os meus colegas. Apenas sou arco-íris.

Pertenço a uma equipa que me aceita como sou… e os que não aceitam têm pelo menos a educação de me respeitar enquanto estou presente. É essa validação que tento fazer chegar aos meus utentes… a todos em geral e aos LGBT em particular.

Ainda somos discriminados. Ainda somos olhados de lado. Ainda ouvimos comentários entredentes depois de passarmos e que causam dor. E não são dirigidos apenas aos utentes. Os enfermeiros também ouvem, também sofrem, também choram.

Também continuam porque o importante é cuidar. Sem discriminar. Ninguém. Nunca.

 

Nunca discriminar. E ao fim de 24 anos de profissão voltei a assustar-me. Senti, não por mim, a discriminação. Forte. Presente. Consciente. Ouvi um utente perguntar-me directa e muito conscientemente se o utente do lado era covid-19 negativo. Não o perguntou por preocupação. Mas por discriminação. Os fantasmas acordaram... esse mesmo fantasma que se chama VIH. Onde nós, os arco-íris, éramos postos de lado como se de leprosos fôssemos. E senti tudo de novo. Forte. Presente.

Assustadoramente dito de forma consciente, voluntária e sentida repito!

E novamente chorei. De raiva.

E se anos antes saí do armário por um arco-íris, desta vez saí por um não arco-íris. E defendi o direito dele à privacidade, ao sigilo e, acima de tudo, a não ser discriminado.

Andamos cá. Mais fora do armário, mais dentro dele, mas sempre presentes a lutar duas batalhas. A nossa e a vossa.

 

Da próxima vez que forem a um serviço de saúde, lembrem-se que a mão que cuida pode ser uma mão arco-íris.

Notou diferença? Só mesmo na cor.

 

Enfº Carlos Gustavo Martins

Licenciado em Enfermagem, Carlos Gustavo Martins exerce funções no Serviço de Urgência de um Hospital Central. É enfermeiro de viatura médica de emergência e reanimação. Colabora com o dezanove.pt desde Março de 2011.

 

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