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No interior (ainda) marchamos!

Tiago Resende Marcha LGBTI Viseu opinião.png

A primeira cidade do interior a receber uma Marcha LGBTI+ foi Vila Real, em 2017, organizada pela Catarse. A segunda cidade no interior foi Bragança, em Maio de 2018, organizada pelo Movimento LGBTIQ de Bragança. No mesmo ano, em Outubro, Viseu foi a terceira cidade do interior a receber uma Marcha LGBTI+, organizada pela Plataforma Já Marchavas.

 

Há neste momento três cidades do interior com Marchas LGBTI+ a que se juntam ao Porto, Lisboa, Coimbra, Braga, Faro, Funchal, Aveiro e Barcelos (que tiveram a sua primeira edição em 2019).

Há aspectos óbvios que ajudam a compreender a importância de uma marcha LGBTI+ dar visibilidade à comunidade no interior do país. Sendo “tradicionalmente” o interior visto como conservador, fechado, e isolado, é de realçar a importância de haver já três cidades com marchas. Os desafios para o movimento LGBTI+ são sempre mais difíceis e complexos no interior. Se até nas grandes cidades do litoral a comunidade LGBTI+ sente por vezes dificuldades em expressar-se, afirmar-se e em sentir-se segura, para a comunidade que vive no interior essas dificuldades acrescem. Não há espaços seguros para que as pessoas possam estar e serem aquilo que são; a população do interior é tendencialmente mais envelhecida, mais conservadora e não tem acesso à cultura e a um tipo de vida mais aberto e dinâmico como nas grandes cidades. 

Mas se já é difícil ser-se LGBTI+ em cidades como Viseu ou Vila Real, podemos ir mais longe, para cidades como Mangualde, Nelas, ou para a vila de Castro Daire ou de Penedono. No interior do interior não há uma comunidade visível e protegida. Pelo contrário, vive fechada em “armários”. A condição social em que as pessoas se inserem, o meio em que nasceram (mais rural), muitas vezes sem acesso ao ensino superior, condiciona a sua afirmação. A mudança de mentalidades dá-se de forma lenta, a passo de formiga, mas com as Marchas a surgirem um pouco por todo o país vão deixando sementes de mudança. É preciso continuar a construir o movimento social, explicar a importância das Marchas, que são o caminho para a mudança da sociedade, e levá-las a caminhar por Castelo Branco, Guarda, Évora, e outros lugares onde ainda não existe nenhuma Marcha LGBT. 

No interior do interior não há uma comunidade visível e protegida.

No interior é preciso também desmistificar a ideia de que as Marchas são apenas folclores coloridos, com carros alegóricos e aberrações a dançar. As Marchas são tudo isto sim, mas muito mais. São manifestações políticas, reivindicativas, sem espaço para marcas e empresas gerarem lucro através das cores do arco-íris. A constante mercantilização a que assistimos nos últimos anos, que tem vindo a aumentar, tem sido uma das grandes divisões do movimento LGBTI+ e que é preciso continuar a dar importância para que as pessoas percebam a diferença entre uma marcha política e uma marcha comercial.

É preciso continuar a construir o movimento social, explicar a importância das Marchas, que são o caminho para a mudança da sociedade, e levá-las a caminhar por Castelo Branco, Guarda, Évora, e outros lugares onde ainda não existe nenhuma Marcha LGBT. 

Apesar de termos marchas políticas em Portugal, a comunidade LGBTI+, na sua generalidade, não é politizada. No entanto, foi possível dirigir um movimento social durante 20 anos, mesmo sendo minoritários. É este o caminho que se deve manter, o de formar novos activistas e sensibilizar as pessoas para a importância de um espírito crítico e político. E não apenas para a luta LGBT, mas para os vários movimentos sociais, como a greve feminista e a greve climática, por exemplo. Não é novidade nenhuma, mas é importante continuar a reforçar a ideia da interseccionalidade das lutas, que cruza várias raízes como o género, a orientação sexual, a raça, a etnia, a classe social, etc. Passar esta mensagem é fundamental para a construção de uma sociedade consciente, reivindicativa e libertadora. E a comunidade LGBTI+ é muitas vezes passiva a estas questões, ou por desinteresse ou por medo.

É preciso continuar a dar importância para que as pessoas percebam a diferença entre uma marcha política e uma marcha comercial.

A marcha de Viseu acontece quinze dias depois da extrema-direita chegar ao Parlamento Português. Apesar de assistirmos a um reforço da esquerda, à eleição de três mulheres negras e à eleição de quatro pessoas assumidamente LGBTI+, pela primeira vez na democracia portuguesa a extrema-direita passa também a ter uma voz. Passamos a ter uma voz homofóbica, xenófoba, racista e machista na casa da democracia. Ainda assim há pessoas LGBTI+ que se sentem atraídas pela visão da direita e da extrema direita, o que é uma grande contradição. Um contrassenso.

Tudo isto no ano em que se assinalam os 50 anos das Revoltas de Stonewall, 45 anos do 25 de abril e 20 anos da primeira marcha LGBTI em Portugal.

Viseu marcha pela segunda vez no dia 20 de outubro, sob o mote “que Viseu e qualquer outra cidade sejam as melhores cidades para viver (para todos)”. Como reacção aos cartazes que foram colados em 2018, antes da 1.ª Marcha, utilizando a imagem e slogan de Viseu dizendo “melhor cidade para viver (sem vocês)”, marcha-se para que Viseu seja a melhor cidade para viver para todas as pessoas. Marcha-se para que qualquer cidade do mundo seja um lugar livre de opressão, seguro e que defenda os direitos de todas as pessoas. Para que todas as cidades sejam feministas, LGBTI+, ecologistas, antifascistas, antirracistas, democráticas, inclusivas e participativas. A cidade é para ser vivida por todas e todos sem opressão e LGBTI+ fobia. Lutamos por uma cidade com direitos iguais para todos, com acesso à habitação, à saúde, à educação, à cultura e ao trabalho. A cidade é de todos!

Marcha-se para que qualquer cidade do mundo seja um lugar livre de opressão, seguro e que defenda os direitos de todas as pessoas.

Os desafios para os próximos anos das marchas do interior passam sobretudo em saber se se aguentam sozinhas, isto é, se conseguem mobilizar as suas populações locais, a comunidade LGBT local, sem precisarem de mobilização do Porto ou de outras cidades. Porque até ao momento estas cidades têm tido bons números de participação, mas também porque recebem pessoas de outras cidades/marchas. Dado os desafios que se avizinham nos próximos anos para o movimento LGBTI+ em Portugal, urge a necessidade de se criarem laços, ligações, trocas, no sentido de todas juntas darem mais força ao movimento ativista e conseguir mobilizar ainda mais pessoas para esta(s) causa(s).

Assim, no interior ainda marchamos! Marchamos por um interior livre de LGBTI+ fobia, opressão e exploração, e pelo fim de uma sociedade capitalista, machista, xenófoba e patriarcal. Marchamos por um interior que garanta direitos iguais entre homens e mulheres. Pela Liberdade de amarmos e de sermos!

 

Tiago Resende, Activista da Plataforma Já Marchavas