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Novo projecto combate a falta de visibilidade de espaços públicos de convívio para lésbicas

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“A socialização no espaço público faz-se maioritariamente no masculino; basta ver um guia LGBT de Lisboa ou Porto e verificar que a esmagadora maioria dos locais identificados são claramente mais inclusivos de gays do que de lésbicas”. É a partir desta premissa que nasce o projecto LesFriendly, coordenado por Eduarda Ferreira, figura incontornável ligada ao Clube Safo e à defesa dos direitos das lésbicas em Portugal. 

 

Numa curta apresentação a que o dezanove teve acesso pode ler-se: “As lésbicas têm falta de espaços de convívio diversificados e em quantidade que lhes proporcionem a socialização que lhes falta nos contextos diários”.

É assim que o desafio é lançado a quem está do outro lado do ecrã: “Conheces Lisboa? Consideras que é uma cidade friendly para lésbicas? Enquanto lésbica, já tiveste situações em que te sentiste bem em espaços públicos de Lisboa? E espaços em que te sentiste menos bem?”

A partir de agora esta e outras respostas podem ser dadas através do site www.lesfriendly.pt para que todas as lésbicas possam mais facilmente mapear e encontrar espaços em Lisboa onde se sintam bem e evitem os não recomendados.

O dezanove entrevistou Eduarda Ferreira para saber um pouco mais.

 

dezanove: Para quando está previsto o surgimento do mapa online?

Eduarda Ferreira: O mapa vai surgindo à medida que forem surgindo as partilhas de informação. Neste momento já temos alguns locais identificados, mas creio que daqui a duas ou três semanas já teremos muitos mais. O objectivo é o mapa ser algo dinâmico que acompanha as modificações que vão acontecendo na cidade de Lisboa. Por exemplo, alguns locais fecham, abrem outros, a frequência de determinada praça pode alterar-se, e o mapa pretende retratar essa realidade.

 

Há projectos semelhantes noutros países? De onde surgiu a inspiração para levar a cabo este projecto?

Esta ideia surgiu do meu projeto de investigação no doutoramento ‘Creating landscapes’. Inspirei-me no projecto Social Tapestries que explorava como a partilha de informação de pessoas de determinada comunidade através de mapas online, pode transformar essa comunidade, desenvolvendo um sentido de pertença e de potencial de transformação dos espaços que habitam. No projecto ‘Creating landscapes’ investiguei o impacto da participação pública, através de mapas colaborativos online, na promoção da qualidade de vida das lésbicas. O projecto actual ‘LES friendly’ pretende dar continuidade à utilização de mapas colaborativos em ambiente online para a promoção de um espaço público mais friendly para as lésbicas.

Não conheço nenhum projecto exactamente como este. Tive conhecimento de alguns projectos, mas que procediam à recolha de informação num determinado momento e depois partilhavam, em papel ou digital, mas não mantinham o mapa ‘vivo’ nem a partilha de informação era aberta a todas as pessoas que quisessem colaborar.

 

Em pleno ano de 2016 o que leva ainda à invisibilidade lésbica em Portugal?

Podemos falar de várias causas: falta de modelos de mulheres lésbicas com uma postura de visibilidade, poucos espaços de convívio diversificados e em quantidade que lhes proporcionem a socialização que lhes falta nos contextos diários, o sexismo nas associações/grupos LGBT, e um contexto social heterossexista que discrimina quem não se enquadra na norma.

 

Pode desenvolver estas ideias?

O isolamento social é uma das faces da violência contra as mulheres lésbicas. O isolamento das jovens que sentem estar sozinhas no mundo, sem ninguém na família ou no círculo de amigos com quem possam falar por receio de possíveis reações negativas, sem suficientes modelos de outras mulheres lésbicas com uma postura de visibilidade que as façam sentir que ser lésbica e feliz é possível, e sem espaços de convívio diversificados e em quantidade que lhes proporcionem a socialização que lhes falta nos contextos diários.

Porque as questões de género existem e fazem a diferença, porque mesmo nas comunidades/grupos LGBT a socialização no espaço público se faz maioritariamente no masculino; basta ver um guia LGBT de Lisboa ou Porto e verificar que a esmagadora maioria dos locais identificados são claramente mais inclusivos de gays do que de lésbicas. Mesmo nas associações LGBT que dão um importante contributo para quebrar o isolamento, não é igual ser homem ou ser mulher. As associações LGBT invariavelmente reproduzem os padrões do contexto social em que existem: o sexismo e o domínio masculino. As questões específicas de lésbicas raramente têm um destaque igual às questões mais relacionadas com os gays. Por exemplo, as sexualidades lésbicas são muito menos visibilizadas no contexto das associações LGBT do que as sexualidades gay. Esta realidade está em linha com as campanhas públicas de várias instituições sobre saúde sexual, que reforçam não só uma perspectiva heterossexista da sexualidade humana, mas também uma perspectiva masculinizada. As referências no contexto destas campanhas a homens que fazem sexo com homens podem não ser positivas estando geralmente associadas a aspectos negativos como as infecções sexualmente transmissíveis, mas mesmo com enviesamento e limitações, as sexualidades gay são mencionadas e ganham visibilidade enquanto as sexualidades lésbicas se mantêm invisíveis, inexistentes. Outro aspecto que reflecte o sexismo nas associações/grupos LGBT é termos tido quase sempre um maior número de homens na liderança das associações e grupos informais LGBT, com poucas excepções (uma das quais recente e significativa na ILGA Portugal), enquanto as mulheres desempenharam maioritariamente o trabalho desenvolvido nos bastidores, reproduzindo o modelo sexista existente na sociedade portuguesa. O sexismo prevalecente é ecoado na comunicação social e na opinião pública; por exemplo, o casamento homossexual em Portugal é comumente conhecido como casamento gay, e a palavra "gay" em Portugal é normalmente utilizada para referir homossexuais masculinos e não as lésbicas, o que promove a invisibilidade das mulheres quando se discute esta temática.

Todas estas realidades são simultaneamente causas e consequências da invisibilidade das mulheres lésbicas. E a invisibilidade é uma das formas mais corrosivas de violência contra as mulheres lésbicas. Num contexto de heteronormatividade nos espaços públicos, em que as/os heterossexuais não se sentem constrangidas/os na expressão pública da sua identidade sexual, as lésbicas estão permanentemente conscientes de que os seus comportamentos podem tornar visível a sua orientação sexual, levando a uma constante autovigilância e provocando a sentimentos de isolamento, desconforto e não pertença, com efeitos negativos na qualidade de vida. Uma das formas de discriminação social mais comum é a forte pressão da sociedade para confinar e esconder as sexualidades lésbicas dentro de espaços privados. Esta invisibilidade traduz-se na quase total ausência de expressões públicas de afectos e no não assumir a orientação sexual com as diversas pessoas com quem se interage diariamente. Diversos estudos e relatórios revelam que a maior parte das mulheres lésbicas não assumem uma postura de visibilidade relativamente à sua orientação sexual com a família, vizinhos/as e colegas de trabalho. Este é o retrato de uma sociedade que discrimina e oprime as sexualidades lésbicas.

As políticas que promovem a igualdade em função da orientação sexual são fundamentais para a qualidade de vida das pessoas LGBT. No entanto, estas políticas, em geral, reforçam a dicotomia heterossexual/homossexual e subestimam as assimetrias de género. A maioria das reivindicações de igualdade em função da orientação sexual e pelo direito à cidadania sexual reduzem as diversidades sexuais e de género a uma categoria generalista LGBT, que normalmente leva à invisibilidade das lésbicas. É necessário criar uma cidadania lésbica de reivindicação de participação política e reconhecimento público, que evidencie a diversidade das lésbicas e as intersecções com as necessidades e interesses de outros grupos, ao mesmo tempo que salienta os aspectos específicos do facto de serem mulheres que vivem num contexto social de discriminação em função da sua orientação sexual.

 

Onde podemos saber mais sobre este projecto?

No site www.lesfriendly.pt onde se pode encontrar toda a informação, motivação, objectivos, forma de funcionar, espaço para sugestões e o próprio mapa.

 

Entrevista de Paulo Monteiro

 

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