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O Gentil, o Ronaldo e os Gays

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Primeiro vamos rever a nossa biologia escolar:

 

1-Um óvulo não é uma criança. Um óvulo é uma célula sexual feminina que, no Homo Sapiens Sapiens pode, depois de fecundado por um espermatozóide dar origem a uma criança.

2-Um espermatozóide não é uma criança. Um espermatozóide é uma célula sexual masculina que pode, depois de fecundar um óvulo, estar na origem de uma criança.

3-Um óvulo fecundado não é uma criança. Um óvulo diz-se fecundado quando é fertilizado por um espermatozóide e pode, nas circunstâncias certas, transformar-se num embrião, depois num feto, e depois uma criança.

4-Por fim uma criança é, segundo convenções internacionais, todo o ser humano entre o nascimento e os 18 anos de idade, salvo se o estatuto legal do país onde vive lhe atribuir a maioridade antes dessa idade.

 

Revista a biologia, vamos por um momento tentar definir o conceito mais difícil de todos: A Família.

A melhor definição que já li deriva de um texto da Organização Mundial de Saúde que define família como, um grupo social primário cujas relações sejam baseadas na confiança, suporte mútuo, um destino comum e onde exista uma história de preocupação e cuidado bem como o potencial para um compromisso duradouro de cuidar e formar outros seres humanos.

Um dos melhores atletas do mundo, Cristiano Ronaldo decidiu assumir a responsabilidade ter uma família da forma não tradicional e o resultado foi um chorrilho de insultos desde a ex-Miss Universo, Alícia Machado ao Médico Gentil Martins que apelidou de Bola de Ouro de "Estupor Moral".

Ao contrário do que alguns querem fazer pensar, o CR7 não foi a um qualquer mercado do submundo onde se vendem bebés em bancas improvisadas arrancadas do colo de mães chorosas, e nem agentes do jogador procuraram pelo mundo inteiro espécimes genéticos da mais elevada qualidade para serem cruzadas com o bola de ouro e ter filhos perfeitos.

Cristiano também não escolheu num catálogo a cor dos olhos e cabelo dos filhos, isso ainda não é bem uma possibilidade.

O Ronaldo pura e simplesmente recorreu a uma prática médica simples, que ajuda casais com problemas de fertilidade a ter filhos há quase três décadas, e que também é uma possibilidade em Portugal apesar de ter algumas nuances legais que não permitiriam ao CR7 ter os filhos desta forma no nosso país. O processo é chamado popularmente de "barriga de aluguer" mas trata-se apenas de "procriação medicamente assistida".

Funciona da seguinte forma - e agora lembre-se da revisão da biologia no início -:

Uma mulher que Ronaldo provavelmente nunca viu e com quem provavelmente nunca falou, vendeu ou doou uma das suas células sexuais a uma clínica especializada em reprodução medicamente assistida, no laboratório dessa clínica esta foi fecundada pela célula sexual do espécime alfa madeirense mais conhecido no planeta, e o embrião resultante foi introduzido no útero de uma outra mulher saudável a quem foram pagos centenas de milhares de dólares pela gestação do feto até ao nascimento das crianças, que dão pelo nome de Eva e Mateo.

Na verdade a pessoa que "deu à luz" (um termo popular que é muito parvo) não é a mãe biológica nem afectiva destas crianças, e na verdade segundo alguns conceitos a chamada mãe biológica também não é na verdade a Mãe de Eva e Mateo, é apenas a dadora de uma célula sexual.

A Mãe de Eva, Mateo e Cristiano Ronaldo júnior, não é nenhumas das mulheres envolvidas no seu nascimento é aquela que milhões de pessoas já sabem, mas que as investigadoras Lorraine M. Wright e Maureen Leahey definem da forma mais simplista mas mais exacta de sempre, a Mãe é aquela que as crianças definem como tal.

Eva, Mateo e Cristiano Júnior vão crescer numa casa recheada de homens e de mulheres que os vão proteger, amar e cuidar e que ao contrário de milhões de crianças em todo o mundo, concebidas da "maneira tradicional", têm todas as hipóteses de crescer para serem o que bem entenderem ser, cabendo-lhes a eles e apenas a eles, a análise e julgamento acerca da forma como o seu pai decidiu dar-lhes vida.

Ronaldo não "comprou" os seus filhos, recorreu apenas a um método médico para os gerar que não o obriga a estabelecer um relacionamento amoroso ou romântico com uma mulher para esse efeito, e está no seu direito de o fazer.

É incompreensível ver um médico apelidar de "estupor moral" um homem que tem filhos porque os deseja e os pretende amar e cuidar, ao mesmo tempo que normaliza outros que tendo filhos os abandonam ou negligenciam desde que os conceberam, simplesmente porque considera que o método de procriação dos segundos é moralmente mais aceitável e dentro das normas sociais.

Os insultos de Gentil Martins não são apenas estúpidos, são graves porque são baseadas em preconceitos assentes na ignorância científica, que ele como clínico deveria ser o primeiro a combater.

Gentil Martins até pode ter sido um grande cirurgião mas o que disse desqualifica-o totalmente como médico.

Cristiano cumpriu todos os requisitos legais requeridos nos Estados Unidos, não magoou ninguém no processo e na verdade terá até feito algumas pessoas financeiramente muito felizes.

Então qual é o problema de Gentil Martins com os filhos de Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro?

O problema, é que o problema de Gentil Martins não é com Ronaldo...
... é com os gays.

O problema de Gentil Martins, Marinho Pinto e Alicia Machado a quem se junta uma multidão enorme de grunhos, resume-se a uma simples palavra, HO-MO-FO-BIA.

O problema de Gentil Martins, Marinho Pinto e Alicia Machado a quem se junta uma multidão enorme de grunhos, resume-se a uma simples palavra, HO-MO-FO-BIA.

O problema é com o casal de lésbicas do 3º esquerdo que afaga carinhosamente o seu filho recém nascido.

O problema é com o gay a passear o carrinho de bébé no supermercado do bairro.

O problema é a possibilidade de ver os filhos a brincar com os filhos "deles" no parque infantil borrifando-se para o número de pais e mães que o outro miúdo tem, porque isso passou a ser normal.

O problema é que quando o maior atleta português de sempre e ídolo global exerce em pleno os seus direitos reprodutivos acaba por normalizar uma outra visão do que constitui afinal uma família, destruindo na prática o último reduto exclusivo da heterossexualidade que, até podia tolerar a homossexualidade mas que continuava até agora a justificar - quanto mais não fosse para si mesmo em surdina - a verdade bíblica da homofobia, o facto dos gays não poderem "procriar".

"Eles até podem ser visíveis, namorar e casar, mas uma família só pode ser constituída por um homem e uma mulher, porque só nós é podemos "fazer filhos"...
...como deus ordenou."

E assim a família tradicional e heterossexual, mesmo aceitando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teria sempre o ascendente moral sobre todas as outras famílias, porque afinal uma criança tem direito a ter uma Mãe.

É assim que pensam Gentil Martins e Marinho Pinto, por exemplo.

Não deixa de ser curioso que o uso da ausência de uma Mãe para justificar a homofobia é a única altura nas sociedades tradicionais em que o papel da mulher é considerado como definidor para o conceito, se repararem em tudo o resto a família é definida pelo lado masculino.

A tragédia de Gentil Martins, Marinho Pinto e muitos homens da sua geração é que tiveram o azar de viver o suficiente para ver o mundo onde cresceram e foram formatados a ser estilhaçado perante os seus olhos.

Décadas de activismo, avanços na medicina e um atleta extraordinário acaba de provar que os filhos não "se fazem" por um homem e por uma mulher...
...definem-se como filhos das famílias que os amam e protegem, e estas podem ser de todas das cores do arco-íris.

Mas esse é um problema com o qual Gentil Martins e Marinho Pinto terão de viver...não o Cristiano Ronaldo.

 

PS - "Hunger games" da homofobia na caixa de comentários deste post em 3...2...1...

 

Paulo Mendes, editor de imagem

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