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Paulo Piteira: "Quando estou em televisão menciono o meu namorado e não escondo a minha sexualidade"

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Conhecemo-lo há dez anos no primeiro programa da televisão portuguesa protagonizado por cinco homossexuais assumidos. Depois do “Esquadrão G – não és homem, não és nada” (SIC), Paulo Piteira continuou a dar cartas no mundo da decoração. Passou pela antiga discoteca Zoo e é um dos profissionais da equipa do programa “Querido Mudei a Casa”. Mas Paulo não fica por aqui. É a mais recente contratação da discoteca Construction para ser relações públicas. Recentemente foi entrevistado ao lado de Luís Peixoto, o seu companheiro de dez anos, pela SIC e pelo Expresso para falar de sexo sem tabus.

Em entrevista ao dezanove.pt, Paulo Piteira apresenta a sua opinião sobre o que mudou nestes dez anos na sociedade portuguesa: desde as associações LGBT que criticavam a abordagem do Esquadrão G, até às marcas que em Portugal não queriam apoiar o programa, que, lá fora, tinha patrocínios de milhões.

 

dezanove: Vão cumprir-se dez anos desde que deste a cara como homossexual assumido num programa de televisão em Portugal e que antes de começar já estava envolvido em polémica, como uma petição do PNR queria impedir a transmissão do “Esquadrão G”. O que achas que assustava tanto algumas pessoas na altura?

Paulo Piteira: Era a possibilidade de poder haver um país plural, com várias tipologias de vidas, de famílias, de escolhas, de laços afectivos, enfim, pessoas diferentes das dinâmicas dominantes até então. Assustava que os estereótipos mudassem e que os gays deixassem de ser os "Josés Castelos Brancos" ou outro qualquer homem em roupas de mulher aos gritos nos canais de televisão. Assustava que a homossexualidade deixasse de ser uma anormalidade do quotidiano e passasse a ser uma normalidade aceite pela sociedade. Assustava porque os próprios meios de marketing televisivo, venderam o programa como algo assustador, na busca daquilo a que chamamos audiências e sucesso televisivo. A mim, o que me assustava era as ameaças de morte que me eram dirigidas por grupos extremistas de direita e de não conseguir transmitir essa normalidade que é ser homossexual.

Paulo Piteira Esquadrão G Querido Mudei a Casa.jp

Dez anos depois, o que mudou na sociedade e no panorama televisivo em Portugal?

Portugal não é mais o mesmo. Aquilo que a televisão nos dá, não é mais que um reflexo de uma nova sociedade portuguesa. Há personagens gays nas novelas e séries televisivas de produção nacional e não são mais os homens vestidos de mulheres, mas sim homens que são homens ou mulheres que são mulheres. Passou a haver ícones para a comunidade gay portuguesa, como é o caso do Manuel Luís Goucha e isto é um factor mais que importante para uma normalização da causa gay e daquilo que somos na realidade. Somos, afinal, pessoas que temos trabalhos, amigos e família. Assim este tipo de ícone ajuda a que a homossexualidade deixe de ser tema e faça parte da dita normalidade social. Ícones como este abrange um grande leque etário, económico e social. Ajuda muita a que possamos falar abertamente sobre quem somos e quem amamos. Faço muito isto como exercício público quando estou em televisão e menciono o meu namorado e não escondo a minha sexualidade. Outro momento alto na abertura das mentes foi graças ao engenheiro Sócrates, que, como primeiro-ministro, conseguiu com que o casamento de pessoas do mesmo sexo, passasse a ser uma realidade. Debate-se a possibilidade da adopção por casais do mesmo sexo, coisa impensável há dez anos. Vejo que junto das gerações mais novas não há ou quase não há resquícios deste tipo de memórias amargas da batalha por direitos e isso deixa-me ainda mais feliz. Percebo até que o programa foi importante para os homens heterossexuais, pois toda esta abertura, possibilitou uma maior liberdade de estar na vida, quero dizer com isto que hoje em dia o homem português, pode vestir como quer, usar o cabelo como quer e fazer de si o que quiser sem ter de ter rótulos que podem não corresponder à realidade.

 

Que recordações guardas do “Esquadrão G – Não és homem, não és nada”?

Guardo todo o tipo de recordações. Do apoio incondicional da minha família que me ama e que sabia o quanto este tipo de exposição me iria fazer sofrer a mim e a eles também. Nessa altura, lembro que nos eventos mediáticos tinha de ouvir jornalistas e fotógrafos a referir-se a nós os cinco como os "Paneleiros" ou de na rua ser apontado ou vaiado. Recordo a excelente equipa da produção do programa que lutou contra tudo e todos para colocar o programa de pé e no ar, mesmo quando não havia patrocínios e as marcas em Portugal se recusavam a trabalhar com algo que tivesse a ver com homossexuais, "não era bom associarem-se", diziam as marcas. E olhávamos para a versão norte americana e víamos patrocínios de milhões, pois era um dos programas de maior sucesso nos Estados Unidos. Recordo da gratidão das pessoas e famílias que o programa tocava, quer fossem candidatos ou simplesmente telespectadores. Recordo da ingratidão de algumas associações LGBT, que diminuíam aquilo que estava a ser feito e como estava a ser feito. Recordo das cartas e mails de rapazes e raparigas de todo o país a pedir conselhos sobre como revelar a sua sexualidade à família e amigos. Recordo que era apenas um miúdo e em poucos meses fiquei um homem, pelas responsabilidades que aquele tipo de exposição mediática trazia.

 

Gostavas de ver uma nova série do programa no ar?

Não! Julgo que o programa teve o momento certo, na altura certa. Foi uma questão de timming perfeito para a sociedade portuguesa. Foi uma pedra no charco e serviu para o que serviu. Goste-se ou não, a sociedade portuguesa, deixou de ser a mesma, quando tens pessoas de aldeias escondidas de Portugal que viam o programa e perceberam que os homossexuais, afinal eram homens normais.

Luís Peixoto e Paulo Piteira.jpg

Continuas ligado à televisão num programa de decoração. Há quem considere o tema superficial, mas o programa em que participas muda vidas. Nas várias edições do "Querido Mudei a Casa" consegues apontar histórias que te tenham marcado?

São várias as histórias do Querido [Mudei a Casa] que me marcaram, aliás, considero que todas me marcaram, umas pelas histórias, outras pelas pessoas. Mas as mais marcantes são, sem dúvida, as das instituições. Umas das instituições que decorei era de crianças que, por algum motivo, seja maus tratos, abandono ou falta de condições, são retiradas às famílias. Lembro-me da directora da instituição me querer apresentar um rapaz de 13 anos que tinha sido adoptado duas vezes e também devolvido por duas vezes. Era um rapaz extremamente educado, cuidado, simpático e responsável por si e pelos colegas mais novos. Perguntei a razão da devolução e ao que parece era por ser demasiado arrumado e cuidado, diziam não ser uma criança normal. Hoje percebo porque razão a directora me havia apresentado. Tanto eu como ela, como quem o adoptou e devolveu sabíamos que este jovem poderia vir a ser gay. Nunca senti tanta vergonha alheia, tive vergonha daquelas pessoas que o rejeitaram. Esta discriminação é vergonhosa bem como o facto de não haver forma de proteger este e outros jovens. Isto fez-me lembrar casos que me eram relatados de rapazes e raparigas, menores de idade, que eram postos fora de casa pelos próprios pais, quando descobriam a sua orientação sexual.

 

Como analisas a situação dos Direitos LGBT em Portugal: casamento, adopção entre pessoas do mesmo sexo, lei de identidade de género, … É algo que te preocupa?

São tudo questões que me preocupam, até mesmo pela volatilidade das sociedades actuais e da forma como as leis são alteradas ou revistas consoante as vontades politicas e os próprios objectivos das mesmas. [Hoje] temos de considerar que basta estar no poder quem não goste da lei A ou B e a queira alterar, para que a lei seja alterada. São factos vergonhosos, mas foi o que aconteceu não há muito tempo na Assembleia da República com a co-adopção por casais homossexuais, quando um imbecil da JSD vai buscar um assunto que era um dado adquirido e o leva a debate novamente. Aqui se percebe que as leis rumam ao sabor de quem domina, mesmo que eticamente seja incorrecto, mas como diz o doutor Paulo Portas "uma árvore, não faz a floresta". Imbecis há em todos os quadrantes políticos. Porém a volatilidade das sociedades assim dita este tipo de condicionamento da lei. Nunca sabemos quando poderá subir ao poder alguém que faça recuar os direitos dos portugueses, para aquilo que era há 50 anos.

 

Já participaste em alguma marcha do Orgulho LGBT em Portugal? E no estrangeiro? Que diferenças encontras?

Não, nunca participei. Acho as marchas importantes, pois elas mostram que há liberdade para nos podermos manifestar e de demonstrar quem somos, de revelar que o bom de todos os seres humanos é o facto de sermos todos iguais, mas também todos diferentes. Quem sabe se não marcho este ano?! A diferença que verifico entre Portugal e os outros países é que o Dia do Orgulho Gay, em muitos sítios lá fora, é uma festa para a família, enquanto aqui ainda é uma marcha tímida. Mas cabe-nos a nós mudar tudo isto e tornar a marcha de Lisboa num evento da cidade, basta haver vontade política e económica também. Para dar um exemplo, em Madrid, aqui ao lado, o Dia do Orgulho Gay é um negócio de milhões, pois a cidade enche-se de gente e todo a parte do turismo lucra com isso.

 

És actualmente relações públicas da discoteca Construction, em Lisboa. Como surgiu este convite? Que tipo de inovação podes trazer à noite lisboeta?

Este convite foi-me feito pelo David Canelas. Fiquei surpreendido, até porque nunca tive muitos hábitos na dita noite gay de Lisboa. As minhas noites limitavam-se ao Sétimo Céu, Portas Largas e Frágil, lugares que comecei a frequentar desde 1997 e que me deram a conhecer muita gente e de onde fiz amizades. Na altura, era um jovem rapaz que adorava dançar a noite toda na pista do Frágil. Mas de dançar até trabalhar na noite, há grandes diferenças. Depois do choque inicial com este convite, pois os meus trabalhos de RP até aqui se limitavam a ligar a amigos famosos para comparecerem em eventos organizados pelo meu namorado, que tem uma agência de comunicação e após umas semanas de reflexão sobre como poderia ser uma mais-valia; decidi aceitar o desafio. O Construction Club é um espaço em construção, é um conceito com apenas três anos de implementação e os seus potenciais de crescimento são variados, há já uma fidelização de um público que era o alvo inicial e agora estamos a trabalhar para alargar géneros de público. Sinto uma grande felicidade por, em apenas duas semanas, haver já uma nova mistura de gentes e ser congratulado por isso mesmo. Porém, sou apenas o rosto visível desta família, os resultados são para felicitar com todos, pois houve um trabalho continuado antes da minha entrada, de forma a que hoje o Construction Club seja uma família em vez de uma equipa. Procuramos estabelecer-nos como uma marca, sinónimo de diversão de qualidade, de diversidade, de liberdade, de ousadia, de experimentação, de aliança e de solidez. É esta solidez que nos permite crescer e que as marcas Construction e Woof, já sejam reconhecidas fora de Portugal, o que abre as possibilidades de o Construction Club estar presente no Pride de Madrid e ser uma experiência de festa a ser exportada para outros locais como Miami, Londres, Ibiza ou outro qualquer lugar do mundo onde queiram uma festa nossa. É um trabalho continuo de estratégia, para trazer à cidade de Lisboa, aquela noite gay, que na realidade não é gay, mas sim plural.

Paulo Piteira e Luís.jpg

A entrevista que deste, em conjunto com o Luís Peixoto, ao Expresso e à SIC deu muito que falar nas redes sociais. Pela primeira vez nos media o sexo e a sexualidades dos portugueses foi abordada sem tabús e desinibições. Que reacções negativas e positivas receberam?

As reacções foram estranhas, na medida de que um grande número de pessoas nos deram os parabéns pela coragem, mas a maioria fingiu que nada acontecera. O que queríamos demonstrar com essa entrevista é que a sexualidade não é uma caixa fechada. Pois tanto eu como o Luís temos um lado bissexual, pois também temos desejo por mulheres. Nós não acreditados em rótulos, os rótulos servem para colocar em embalagens e não em pessoas. Se bem que há uma grande necessidade humana de catalogar as pessoas, o que julgo ser errado, não só na sexualidade, como na religião, cor de pele ou proveniência social. Gosto de acreditar que somos todos únicos e todos especiais e que todos temos o nosso lugar no mundo. Assim acabamos por revelar algo que para nós em tempos fez sentido, que tem a ver com as nossas vivências sexuais enquanto casal, com homens e mulheres, sejam eles ou elas gay, bi, hetero ou lésbico. A sexualidade é para ser vivida em pleno, mas sempre de forma responsável. Faz 10 anos em Maio que eu e o Luís começamos a nossa aventura de vida juntos, ele é para mim o grande amor, além do meu melhor amigo e hoje somos família um do outro. Não fazia sentido vivermos ambos infelizes por querer experimentar coisas e não as fazermos. Ser um casal é partilhar tudo e é isso que fazemos, seja a que nível for. Quisemos acreditar que essa entrevista, poderia libertar outros casais ou indivíduos a ter uma vida sexual mais satisfatória, pois eu passei grandes dilemas no entendimento da pessoa que era sexualmente e sofri bastante até ter uma compreensão de quem eu sou e em muito devo-o ao Luís que me ajudou a ultrapassar traumas que tinha. Hoje considero-me uma pessoa resolvida e com uma vida sexual muito mais satisfatória.

 

Já receberam propostas de sexo depois do programa?

É óbvio que sim! Nos nossos Facebooks entraram inúmeros pedidos de amizade e mensagens privadas. Mas já sabíamos que iria ser assim, o que não contávamos era que os nossos Facebooks de trabalho tivessem tantas visualizações e likes, o que acabou por ser bom e impulsionou a procura dos nossos serviços. Isto prova que, na realidade, as pessoas procuram outras pessoais reais e de preferência que não sejam hipócritas, pois se somos pessoas sinceras na vida pessoal é porque somos também na profissional.

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