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Quando vim estudar para Lisboa, há 10 anos, integrar a Marcha do Orgulho LGBTI+ já fazia parte dos meus objectivos, mas acabei por nunca o fazer nos tempos de faculdade, essencialmente por medo de ser fotografado, filmado ou visto por alguém que fosse contar à minha família (na altura ainda não tinha falado com os meus pais), apesar de ter amigas na turma que prometiam vir comigo, caso eu decidisse participar, para me darem apoio.

 

Já depois de ter conversado com a minha família sobre a minha orientação sexual, embora já não existisse o impedimento do medo, comecei a olhar para a Marcha com um sentimento ambíguo: se por um lado parecia ser sobre mim, por outro havia uma sensação de não-pertença, de me querer distanciar dos movimentos reivindicativos e do activismo, de me querer distanciar do que, pela voz do heteropatriarcado, é visto como um “Carnaval”, temendo ser fechado, também, numa caixa muito redutora – reconheço o meu autopreconceito.

Quem me conhece sabe como abomino caixas, como me causam claustrofobia. Entretanto cresci, reflecti. Percebi que, participando ou não em marchas, escrevendo ou não sobre ser gay, falando ou não sobre temáticas LGBTI+, haveria sempre alguém a querer reduzir-me ao tamanho minúsculo de uma “caixinha”, a querer suprimir a minha natureza diversa, e isso levou-me ainda com mais força à intervenção, sem medo. Mesmo que tentem limitar-nos com definições, com nomes, seremos sempre mais e maiores. Decidi que sou eu que me meço e percebi, finalmente, que eu sou gigante. Por essa razão, no último sábado,  participei na 19.ª Marcha do Orgulho LGBTI+, em Lisboa. Tenho 28 anos e foi a minha primeira participação.

 

O heteropatriarcado serviu-se do meu corpo para perpetuar o seu domínio, para exercer violência, para tentar anular a minha existência, tornando-me invisível

 

No que diz respeito à minha sexualidade, o heteropatriarcado serviu-se do meu corpo para perpetuar o seu domínio, para exercer violência, para tentar anular a minha existência, tornando-me invisível. Ora, estando munido da força interior para lidar com esse sistema opressor e podendo usar o meu corpo como afirmação política de que eu existo, de que eu sou visível, de que eu sou uma individualidade entre a beleza da multiplicidade da Natureza, então eu devo usá-lo. Por mim, porque ao fazê-lo por mim, pela minha história, faço-o pelas histórias dos demais. A minha história nunca é só minha, é a dos meus ancestrais, dos meus contemporâneos, das pessoas que virão depois de mim. Porque na realidade não existimos separados de nada. Somos Um. E a Marcha tem essa identidade inclusiva e universal, reunindo colectivos, associações, partidos, pessoas das mais diversas proveniências e com as mais diversas características humanas, com discursos que vão do feminismo, das questões da sexualidade, da imigração, dos refugiados, da autodeterminação de género, à defesa da Natureza. Na Marcha há lugar para todos, ou não fosse ela a fazer de um arco-íris uma bandeira.

Compreendi melhor a força do Orgulho LGBTI+ ao ver o filme “Milk”, dirigido por Gus Van Sant, em que uma das personagens conta um episódio que presenciou numa das primeiras marchas LGBTI+ realizadas nos EUA, referindo como uma drag queen, depois de ter sido baleada pela polícia, continuava a marchar, não se deixando abalar pelas lágrimas nem pelas feridas. Marchar com Orgulho é isto. No sábado, marchei com este momento do filme muito presente. Ao meu lado, caminharam drags, trans, bis, gays, lésbicas, intersexo, pansexuais, assexuais, heterossexuais, pessoas, pessoas, pessoas, tantas pessoas, milhares de pessoas, unidas na certeza de que vale a pena ser feliz. Porque apesar da dor, das feridas, do medo, sabemos que dias melhores virão, têm de vir. É essa esperança, essa fé no bem que há no mundo e esse amor que me motivam a sair à rua, a escrever, a reivindicar direitos, pois acredito que a justiça, ainda que tardia, prevalece.

 

Samuel F. Pimenta, escritor. Texto publicado também em Samuelfpimenta.com

 

É essa esperança, essa fé no bem que há no mundo e esse amor que me motivam a sair à rua, a escrever, a reivindicar direitos, pois acredito que a justiça, ainda que tardia, prevalece

 

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