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Há a ilusão de que Portugal é um país totalmente aberto e inclusivo.

 

Normalmente passo algum tempo em papelarias, não só o trabalho me obriga como gosto de lá estar. Ontem passei por uma no Centro Comercial Fonte Nova, em Benfica, é uma das mais perto de casa e precisava de ver algumas das revistas da semana passada. Nisto aproxima-se rapidamente uma família (mãe, pai e filha) e começam a folhear uma revista.

A mãe exclama, por alguma razão, “viram o que fizeram ao símbolo do Técnico [Instituto Superior Técnico]? Colocaram aquela bandeira às cores por trás… às vezes não percebo estas coisas”.

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A filha, diria que ainda na sua adolescência, rapidamente responde a dizer que se trata de uma homenagem relacionada ao ‘pride month', esclarece ainda os pais que é uma celebração que decorre durante o mês de Junho.

Dá-se um compasso de silêncio e o pai apenas responde, num tom ríspido e suficientemente alto para que toda a loja oiça: “Há que ter respeito pelos símbolos! Agora meter a bandeira arco-íris em todo o lado, onde é que já se viu?”.

Pois bem, eu, que estava a 1 ou 2 metros de distância da acção, mantive o olhar na revista, congelado, sem saber bem como reagir.

Por um lado a revolta de ouvir aquela repreensão puxava-me para gritar “então e o respeito pelas pessoas não se sobrepõe à m#rda dos símbolos?”, mas por outro os anos e anos de inseguranças, refúgios e armários não me permitiram reagir.

Horas antes tinha estado no Arraial Pride de Lisboa, a celebrar o amor e a aceitação, então era ainda mais incrédulo que por alguns segundos tinha voltado àquela prisão de que me fui libertando desde que entrei para a Faculdade. Voltei ao meu quarto de Mafra, onde chorei sozinho por não me compreender, por não me poder expressar, por achar que havia algo de errado comigo. Sozinho, sempre tão sozinho.

Nesses segundos, e pela primeira vez em três anos a viver em Lisboa, voltei-me a sentir inseguro por ser quem sou. Sei que na verdade isso é um privilégio, mas de qualquer forma nunca ninguém se deveria sentir inseguro no sítio a que chama de casa.

Infelizmente fiquei demasiado tempo congelado, sem acção, para conseguir com que algum som me saísse da garganta sem ser uma esmorecida interrogação exclamativa "há que ter respeito"?!

Posto isto, senhor e senhora desconhecidos. O que me ficou entalado na garganta foi o seguinte:

  1. Há que ter respeito sim, respeito pelo amor, respeito pelas pessoas todas. Na verdade, a bandeira que colocaram atrás do símbolo do Técnico representa esse tal respeito que o senhor procura.
  2. O senhor já parou também para pensar que, para todos os alunos LGBTI+ do Técnico, dentro ou fora do armário, que, por momentos, se podem sentir aceites na sua própria instituição? Que depois do provável bullying que sofreram nas respetivas secundárias e básicas que podem estar num espaço que claramente lhes diz: "sim, tu és bem-vindo"?
  3. O Técnico não deixa de ser mais ou menos instituição só por ter cores atrás das suas letras.
  4. O senhor está assim tão inseguro de si próprio que pensa que uma bandeira arco-íris é nociva para o seu bem-estar? Nem vai acreditar quando lhe disser que pintaram o D. José I no Terreiro do Paço de arco-íris na noite anterior.
  5. Prometi a mim mesmo não viver mais em medo. Devia ter dito isto na sua cara. Poderia não resultar em nada, mas pelo menos a sua filha teria outra perspetiva, abrindo uma porta para uma formação pessoal melhor que a sua, mais inclusiva.

No fim quero apenas dizer que isto não é nada comparado com situações de preconceito que pessoas LGBTI+ passam em Portugal diariamente, seja dentro ou fora das grandes cidades. Há um enorme caminho ainda por percorrer e é por isso que no próximo Sábado, dia 29 de Junho, vamos todos estar na 20.ª Marcha do Orgulho LGBTI+ a pavonear todas as bandeiras arco-íris, azuis, rosas, brancas, roxas e amarelas.

 

Obrigado, precisava de ventilar.

Ricardo Rodrigues, assessor de imprensa