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Vítor Silva: “Todas as conquistas das últimas décadas foram conseguidas à custa do activismo LGBTI”

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Queríamos que a primeira entrevista do ano no dezanove fosse feita com os olhos voltados para o futuro. Nada que melhor do que o fazer com a rede ex aequo - associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e apoiantes. A única associação de jovens LGBTI de Portugal completa este ano 14 anos de existência e, apesar dos avanços na lei, continua a receber pedidos de apoio ao mesmo tempo que sente a necessidade de se reinventar e aos seus projectos base.

Fomos falar com Vítor Silva, o recém-eleito presidente desta associação de jovens, para saber das novidades que se avizinham, como as referências o concerto solidário e o acampamento internacional para jovens LGBTI, e as apostas que são para manter. Pelo meio ficamos a conhecer a nova Direcção e os apelos que são feitos a quem ler esta entrevista.

dezanove: A juventude LGBTI continua a ser o vosso foco de trabalho enquanto associação juvenil. Em 2017 que problemas continuam a vivenciar os jovens LGBTI portugueses? Podem dar algum exemplo de jovens que tenham recorrido recentemente a vocês devido a algum problema?

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Vítor Silva: Enquanto associação juvenil vamos, obviamente, focar a nossa atenção na população juvenil LGBTI. A juventude continua a passar por situações extremamente difíceis e nós estamos atentos a essas situações e disponíveis para ajudar. Desde acções diretas de bullying e agressão no ambiente escolar ou familiar, ou questões mais gerais relacionadas com a sua autodeterminação.

Recentemente, por exemplo, recebemos um pedido de ajuda de um grupo de alunes* de uma escola que tinha como objetivo criar uma estrutura formal de luta contra a discriminação, naquele estabelecimento de ensino. O processo estava a ser complicado para eles por que segundo a direcção da escola não existe motivo para tal estrutura uma vez que “não existe” discriminação. Posso enumerar outros exemplos como pedidos de ajuda de jovens que estavam a ser sujeitos a terapias de reconversão. Por mais descabido que pareça estas situações acontecem actualmente, em Portugal.

Sinto que vivemos um tempo onde somos proibidos de discriminar, contudo, não somos educados a integrar.

 

*Nota: A rede ex aequo faz questão de usar terminologia inclusivas de género no que respeita às pessoas: “Assim preferimos o uso de palavras como alunes/associades/voluntáries por serem neutras em detrimento de limitar o género a alunos ou alunas e assim sucessivamente. Este binarismo é redutor e entendemos ter uma postura mais ampla”.

 

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Podes apresentar-nos resumidamente a nova equipa da rede ex aequo? 

Vítor, 27 anos, do Porto. Sou o presidente da direcção da rede ex aequo (REA) para o mandato de 2017. Tenho interesse pela área da Biologia e da Sociologia. Na REA pretendo assegurar a dinamização da equipa de direcção, criar ligação entre os projectos/áreas de trabalho e garantir as nossas relações inter-associativas e políticas.

 

André, 29 anos, Lisboa, trabalha na área do Turismo, Marketing e é cantor. Sempre teve um gosto pelo activismo e é voluntário da REA há mais de cinco anos. Neste momento, assume a função de vice-presidente, com especial enfoque nas relações inter-associativas e garantindo a representação externa da associação.

 

João Cardoso, 30 anos, Amadora, contabilista, licenciado em Gestão. Responsável pela tesouraria da associação sente que esta é a oportunidade de retribuir aquilo que a associação lhe deu.

 

O nosso secretário é o Alexandre Gomes, de Braga, 27 anos. Tem interesse especial pelas área de desporto e cultura e quer garantir que esta direcção consegue desenvolver iniciativas criativas com impacto social.

 

A Cátia Figueiredo [a anterior Presidente] vai continuar connosco mais um ano. Vai garantir-me o devido apoio e sei que poderei contar com ela enquanto não chegarmos à discriminação zero. Continuamos a precisar do activismo LGBTI e de feminismo! E enquanto assim for, ela cá estará.

 

Márcia Sousa, 26 anos, Lisboa. A sua área de intervenção é a coordenação dos Núcleos. Sem dúvida que está muito entusiasmada por poder contribuir, para que mais coisas boas aconteçam.

 

Gustavo, 28 anos, Lisboa, faz coisas entre Arquitectura, Direitos Humanos e Ecologia. Na REA está a organizar um acampamento LGBTI internacional e a trabalhar na área do VIH. Motiva-o não conseguir ficar parado a ver o mundo transformar-se num lugar inóspito.

 

Sara, 21 anos, Porto, estudante de Medicina. A sua grande paixão é a área da saúde e bem-estar, tanto físicos como mentais. Este ano, na REA, vai estar encarregue da organização de alguns dos eventos da associação. Aceitou o desafio de fazer parte desta equipa por acreditar que qualquer um de nós, com vontade e determinação, pode fazer uma pequena diferença para tornar o mundo melhor e a REA é um óptimo sítio para tal!

 

O Tiago Mestre tem 23 anos e é natural de Angra do Heroísmo, ilha Terceira. É licenciado em Gestão e está a finalizar mestrado em Marketing. Já participava activamente na associação enquanto orador do Projecto Educação e membro da coordenação do clube Tejo. Na direcção da associação desempenha a função de gestão dos ‘voluntáries e associades’.

 

Nick, 25 anos, Lisboa, a finalizar o mestrado em urbanismo. Está a coordenar o Projecto Educação LGBTI (PE), com mais duas pessoas, e pretende levar estas sessões a mais escolas, fortalecer os laços entre ‘es voluntáries’ actuais e angariar mais ainda pessoas. A sua motivação vem da sensação gratificante cada vez que põe estudantes a pensar sobre a discriminação LGBTI+ nos debates.

 

Emanuel Caires, 24 anos, Funchal. Sendo a sua área de formação a Comunicação/Marketing, é o responsável pela equipa de Comunicação da rea. Quer desenvolver trabalho na área dos Direitos Humanos, Direitos LGBTI e sensibilização para o VIH/Sida. Como gay seropositivo e madeirense, também o motiva fazer a associação ter voz mais activa na área do VIH, e impedir que a insularidade seja impedimento para levar o movimento LGBTI a todo o país.

 

Alex Pacheco, 25 anos, Porto. Voluntário da REA desde 2011 (mais coisa, menos coisa), com um foco no apoio aos jovens trans. A maior motivação para continuar a trabalhar centra-se nas lacunas ainda existentes no que toca ao apoio aos jovens trans, à falta de informação para esta população e à discriminação que lhes é dirigida, mesmo dentro de espaços LGBTI.

 

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Os objectivos com que a rede ex aequo nasceu, passados 14 anos e com tantas alterações legislativas, continuam a fazer sentido? Depois das vitórias celebradas que adaptações fazem falta fazer agora na vossa missão?  

Faz todo o sentido que se mantenha a missão da REA. Apesar de todas as alterações legislativas continuámos a receber pedidos de ajuda de jovens nas mais diversas situação, de pais que não sabem como agir quando os filhos sofrem de bullying na escola. Enquanto existir um jovem que precisa de apoio ou de esclarecimento, enquanto ainda houver um agradecimento pelo nosso trabalho significa que ainda não o terminamos e que temos o dever de continuar esta missão que nenhuma outra organização em Portugal garante como nós.

Enquanto associação definimos dois pilares de acção sendo um o apoio e o outro a educação. 

Os paradigmas da juventude LGBTI, actualmente, não são os mesmo que em 2003. Por este motivo pretendemos iniciar uma fase de reflexão sobre a associação no seu todo – a estrutura, a forma, o modo de acção, até o próprio nome – de modo a perceber se estamos alinhados com os objectivos, as necessidades e a realidade ‘des’ jovens.

Propomos, desde logo, algumas mudanças no modo de funcionamento dos Núcleos (antes chamados de grupos ex aequo) evoluindo os temas em debate para questões mais actuais, promovendo a integração social, o convívio e estimulando a diversidade funcional dentro de cada Núcleo, garantindo que prestam apoio e integram na associação o maior número de jovens possível.

Deparamo-nos também com obstáculos no que diz respeito a execução das actividades propostas devido a falta de financiamento. Esta realidade obriga-nos a procurar fontes de financiamento alternativas como um concerto solidário ex aequo ou programas de apoio internacionais.

 

Enquanto existir um jovem que precisa de apoio ou de esclarecimento, enquanto ainda houver um agradecimento pelo nosso trabalho significa que ainda não o terminamos e que temos o dever de continuar esta missão que nenhuma outra organização em Portugal garante como nós.

 

Se um jovem que vive no interior do país ou numa ilha e tiver dúvidas sobre a sua orientação sexual ou identidade de género e estiver a precisar de apoio e informação o que lhe podem sugerir? Qual o papel da rede ex aequo em territórios onde fisicamente não chega?

Actualmente temos Núcleos activos no Porto, Lisboa, Coimbra e Funchal e esperámos abrir novos Núcleos em breve. Qualquer jovem que não resida próximo de uma destas cidades pode contactar-nos com o objectivo de abrir um Núcleo na sua cidade ou acompanhar-nos em plataformas como o Fórum, o Facebook, o Instagram permitem manter as pessoas em rede, providenciando o contacto com outros elementos da associação e, assim, o apoio de que possam precisar. Podem também contactar connosco com o objectivo de se voluntariarem e passarem a contribuir de uma forma activa para o trabalho da rede ex aequo.

Qualquer jovem pode contactar connosco por mail, Facebook ou telemóvel. Garanto que faremos tudo para o ajudar.

Qualquer jovem pode contactar connosco por mail, Facebook ou telemóvel. Garanto que faremos tudo para o ajudar.

 

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Esta Direcção definiu como uma das grandes prioridades investir no Projecto Educação LGBTI. Em que se traduz isso? Se um jovem ou grupo de jovens achar que é importante a ida de oradores da rede ex aequo à sua escola para realizar uma sessão de esclarecimento o que deve fazer?

O Projecto Educação LGBTI é o projeto que nos leva a mais jovens LGBTI e não-LGBTI. Isto permite uma divulgação efectiva da associação e do nosso trabalho ao jovens que dele precisam de uma forma mais direta e, por outro lado,  conseguimos ajudar a desconstruir conceitos e prestar informação correta no que diz respeito a questões de identidade e expressão de género e orientação sexual.

 

Essa deslocação tem custos? Carece de autorização do estabelecimento de ensino?

As sessões do Projecto Educação LGBTI têm um custo associado referente ao material utilizado na sessão, deslocação e formação dos oradores. Estas sessões acontecem nas escolas após nos ser solicitado pelas mesmas ou por um aluno ou grupo de alunos, e com autorização da escola.

 

Os oradores podem ir a outros locais sem ser uma escola? Podem dar exemplos que já tenham acontecido?

Temos desenvolvido sessões que não em ambiente escola, como sejam debates ou conferências, portanto estamos confortáveis em adaptar o nosso modelo às necessidades de quem nos chama.

Estamos neste momento a trabalhar no incremento de sessões do Projecto Educação LGBTI. De entre várias acções neste sentido, destaco uma parceria que está a ser desenvolvida com a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade e prometo que haverão novidades em breve.

 

Como correu o Projecto Educação no ano passado? Foram a muitas escolas espalhadas pelo país?

O balanço do último ano é bastante positivo, contudo, sabemos que conseguimos fazer mais e melhor. Estivemos em cerca de 80 locais (escolas e não só) de 12 distritos onde estiveram presentes mais de 5000 jovens. Isto significa que existem seis distritos onde não aconteceu nenhuma sessão do Projecto Educação LGBTI, mas também que tivemos um alcance gigante e que a fasquia para 2017 também é mais alta. É fundamental que os ‘alunes’, docentes e não docentes nos contactem e solicitem uma sessão na sua escola para conseguirmos garantir que qualquer jovem teve oportunidade de nos conhecer e aprendermos juntos.

Recordo também as lacunas que existem na educação sexual e necessidade de rever essa componente curricular com brevidade.

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Um dos projectos mais ambiciosos previstos para este ano é um Acampamento de Verão com jovens LGBTI internacionais. Podem desvendar um pouco sobre isso?

É verdade, apostamos num upgrade do tradicional Acampamento de Verão e esperamos, uma vez mais, estar a ir de encontro ao que os jovens procuram. Encaramos este projeto como uma oportunidade de crescer em diversidade, cultura e experiências. Sei que vai ser um desafio muito exigente, mas acredito que existe um potencial enorme do que podemos ganhar com o Acampamento Internacional LGBTI. Já temos algumas parcerias internacionais prontas e contamos com a adesão de muitos jovens de Portugal, portanto reservem a última semana de Agosto.

 

Que desafios lanças e que conselhos dás aos jovens - em geral - que estão a ler esta entrevista?

Desafio os jovens a juntarem-se a nós, na luta que travamos todos os dias. Desafio os jovens a não terem medo de quem são, a confiarem no que sentem e a resistirem ao impulso de esconder.

Não tenham medo de procurar ajuda sempre que precisarem. E se acham que não precisam de ajuda dediquem um pouco do vosso tempo a ajudar outros jovens que precisam. 

 

Desafio os jovens a juntarem-se a nós, na luta que travamos todos os dias. Desafio os jovens a não terem medo de quem são, a confiarem no que sentem e a resistirem ao impulso de esconder.

marchalgbt_lx2.jpgCréditos da foto: Rita Campos

Há jovens LGBTI que não se sentem identificados ou entusiasmados com o activismo seja da rede ex aequo seja das associações em geral ou colectivos. Que mensagem tens para estes jovens?

Recordo que todas as conquistas das últimas décadas foram conseguidas à custa do activismo LGBTI. É preciso que se entenda que factos históricos, políticos ou económicos geram regularmente uma relação "oprimidos vs opressores" sem qualquer sentido, e nós, como a particularidade que nos une - somos LGBTI - somos também os únicos protagonistas desta luta de voz e de direitos. Por mais que o ódio se manifeste disfarçado de "opinião" não nos podemos calar. Muitas vidas se sacrificaram nesta luta e carregamos isso nas nossas bandeiras. Não há que temer o activismo LGBTI.

 

Entrevista de Paulo Monteiro

 

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