"O que mais me chocou foi o que fizeram com uma pessoa"
Nunca conheci a Gisberta pessoalmente. Sabia quem era de alguns locais que frequentávamos em comum na época, mas nada mais do que isso.
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Nunca conheci a Gisberta pessoalmente. Sabia quem era de alguns locais que frequentávamos em comum na época, mas nada mais do que isso.
Eu tinha apenas 15 anos quando a Gisberta foi assassinada. Ligava pouco a jornais e noticiários, mas a cobertura deste caso foi tão grande, que era impossível ignorá-lo. Demorei tempo a digeri-lo (alguma vez o fiz?) mas o que senti foi, sobretudo, medo.
Conheci a Gisberta há 30 anos no Kilt, onde é actualmente o bar INVICTU’S. Depois disso a nossa convivência foi mais casual, às vezes muito seguida, outras vezes mais esporádica. Mas sempre tive a mesma opinião: a Gisberta era uma pessoa que sorria à vida.
Lembro-me da notícia da morte da Gisberta e de como todos aprendemos. Lembro-me da vigília, poucos dias depois, naquele edifício inacabado.
Comecei a interessar-me pelo estudo da “identidade de género” na perspectiva das ciências sociais ainda antes da morte de Gisberta.
O telefone tocou a meio da tarde. Era o Sérgio [Vitorino]. Estava muito frio, não queríamos sair da cama. A única coisa que entendi foi que teriam encontrado um “travesti” morto, com sinais de tortura no corpo, numa construção abandonada no centro do Porto.
A morte de Gisberta chegou como um murro no estômago – sem aviso, sem forma de nos protegermos da dor, sem recursos para interpretar aquilo que não podia se não causar-nos a maior perplexidade.
Definitivamente, o ano de 2006 foi, para mim, um ano terrível. O ano em que perdi dez quilos em poucos meses, como denuncia, para quem me conhece, a foto que acompanha este texto, tirada na Marcha de Lisboa desse ano. Um ano de morte. A morte simbólica da minha vivência – até então sem “contraditório” – de uma cidade do Porto feita apenas de afectos e generosidade; o desaparecimento da minha mãe após demasiado tempo de sofrimento, falecida poucos meses depois dos factos que motivam este artigo e de quem me encontrava a cuidar praticamente a tempo inteiro quando soou o primeiro alarme de que algo pavoroso tinha acontecido num prédio inacabado da Invicta, às mãos de um grupo de catorze rapazes com idades entre os 12 e os 16 anos. Cada um deles, diga-se, simultaneamente algoz e vítima de maus-tratos na infância, a confirmar que a linguagem de violência é muitas vezes de novo reproduzida porque a conheceu na pele e nunca conheceu outra.