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O que nos une afinal? Amor incondicional!” “Filho ama quem quiser, seja homem ou mulher”, gritava Clarisse Monteiro durante a marcha do Orgulho do Porto em 2010. Clarisse marchava empunhando a faixa da AMPLOS – a Associação das Mães e Pais pela Libertação de Orientação Sexual e a sua voz ecoava junto da voz de outros pais nas ruas da Invicta. Numa das últimas edições do programa Querida Júlia da SIC, o testemunho ímpar de Clarisse marcou todos os que assistiram ao programa. Chegaram dezenas e dezenas de comentários e elogios a esta mãe residente na Maia. Mas quem é esta jovem mãe que não deixa ninguém indiferente ao seu discurso? O dezanove foi saber um pouco mais sobre a apelidada "Super Mãe" ou "Mãe Coragem", mas que nas suas próprias palavras se define como uma "mãe alegre e feliz":

 

dezanove: Como reagiu quando o seu filho lhe contou que era homossexual?

Clarisse Monteiro: Aos 15 anos de idade ele abordou-me na sala, onde estava a descansar ao fim de jantar. Iniciou a conversa com toda a naturalidade dizendo "sabes mãe, eu não me sinto atraído por raparigas". Apenas isto. Seguiu-se uma pequena conversa, a qual o pai seguia em silêncio sem grandes intervenções, acabando por sair discretamente e deixando-nos a nós dois a conversar.

O impacto dessa revelação foi de surpresa e de algum choque. Nunca ninguém está preparado para ouvir esta notícia de um filho. Contudo, também reagi de uma forma naturalíssima enquanto estive junto dele, sendo capaz de dialogar com ele, fazendo-lhe perguntas e tentando perceber até que ponto isso que ele dizia sentir, ser definitivo ou não. Foi bem claro, ambos os pais percebemos naquele momento que era definitivo, sem retorno possível. Após esta conclusão, senti-me profundamente assustada, pelo muito que ele pudesse sofrer com tudo isto.

Quando acabei de conversar com ele, de uma forma tranquila e afectiva, agradeci-lhe o facto de ter confiado nos seus pais, já que era uma grande prova da cumplicidade que sempre existiu entre nós, da abertura em sermos capazes de abordar todos os temas, ainda que polémicos, em família mas, sobretudo do grande amor que sempre nos uniu, que nada faria ruir.

A sós, nos primeiros dias, chorei muito mas admirei-o profundamente por, apesar da sua pouca idade, ser capaz de ter a coragem e sabedoria bastante para depositar um  segredo daqueles nas mãos das pessoas que mais amava, mesmo sabendo que os poderia magoar e fazer sofrer com isso. O Romeu sabia bem que nós só tínhamos dois filhos, sendo o mais velho um menino com deficiência, do qual pouco podíamos esperar e, portanto, todas as nossas expectativas nele estavam depositadas. Mais do que ninguém, ele sabia o quanto isso seria doloroso e sofrido para nós, mais do que para qualquer outro pai. A nossa realidade já era sofrida, mas também sabia o quanto os seus pais eram fortes, pois foram capazes de transformar uma situação de adversidade (terem um filho com deficiência) numa actualidade tão linda, ajudando outros meninos como o seu filho. Em 1998 fundei a associação Criança Diferente, situada na Maia, e fazemos, em conjunto, um trabalho maravilhoso. Sou tutora de 6 deles, que foram retirados das famílias e me foram entregues pelo Tribunal, e sinto-me muito feliz por poder prestar esta ajuda.

Relativamente ao Romeu, só tive de pensar que ele era meu filho, que o amava muito, que ele era um rapaz espectacular (trabalhador, inteligente, aluno excepcional, educado, com muito bom senso, etc.), que continuava a ser o mesmo, apenas com uma característica diferente da nossa, sem qualquer culpa por isso e, portanto, tal como fiz com o irmão, só teria, e seria meu dever, ajudá-lo a atravessar esta caminhada, que ainda não é fácil, sendo a primeira a estar do seu lado, ouvindo-o, defendendo-o e aconselhando-o.

Amo-o profundamente, tendo um orgulho imenso nele. Diria que o nosso amor está agora mais reforçado.
Adoro ser sua mãe. Tanta gente que gostaria de o ser!

 

 

Há quem defenda que as "mães sabem sempre" [a orientação sexual dos filhos]. Alguma vez sentiu isso em relação ao seu filho? Se sim, porque não encetou conversa sobre o tema?

Eu não sei se isso corresponde à verdade (as mães sabem sempre a orientação sexual dos seus filhos). Duvido que seja sempre assim porque muitos deles não dão qualquer sinal e até fingem muitos vezes o que não sentem. Quantos não continuam ainda a casar-se e até a ter filhos desse casamento, apenas para corresponderem ao modelo normativo da nossa sociedade e não serem constantemente bombardeados com perguntas (ex: já tens namorada, quando te casas, etc.). Quantos não têm terror de serem descobertos na sua própria casa?

 

Relativamente a mim eu nunca desconfiei absolutamente nada do Romeu devido talvez ainda à sua pouca idade e porque não havia qualquer outro indicador ou manifestação que disso me fizesse desconfiar. Também porque ele tinha bastantes amigos de ambos os sexos e muitas vezes lá iam a casa colegas, sempre raparigas, para passarem bocados juntos. Não tinha visto rigorosamente nada que disso me fizesse desconfiar. Claro que se ele deixasse passar mais tempo à medida que os anos fossem passando nós próprios lhe iríamos começar a perguntar por eventuais namoradas. Felizmente ele teve o bom senso de não ter de passar por isso, adiantando-se, confiando nos seus pais.

 

 

 

Como se dá a aproximação com a associação AMPLOS? O que faz uma mãe como a Clarisse nos encontros desta associação? E quando se realizam os mesmos?

A AMPLOS chegou até mim através da associação de jovens rede ex aequo, pedindo-me permissão para darem o meu contacto à Margarida Faria, fundadora da AMPLOS. Tudo isto porque o Romeu, na altura coordenava o gupo local da rede ex aequo em Aveiro e a AMPLOS apresentara-se à rede aequo em Junho de 2009 com o objectivo de e aí combinaram arranjarem mais alguns pais quem pudessem estar interessados neste trabalho ou nesta ajuda.

Convidaram-me para ir em Outubro à sua primeira reunião em Lisboa mas, como não estava no país, fui aqui à do Porto, em Dezembro com o meu marido e o Romeu. Desde o início estive disponível para tudo quanto a AMPLOS precisasse de mim, nomeadamente ir falar com pais ou filhos que estivessem em sofrimento. Representei a AMPLOS no programa "As cores do arco-íris" da RTV Porto, fui entrevistada pelo "Público", participei numa formação da ILGA Portugal sobre voluntariado com o meu filho Romeu e numa reunião da rede ex aequo de Aveiro para, em conjunto debatermos o tema: "Família". Tudo isto é uma grande mais-valia para mim, e todos nós, porque partilhamos alegrias e receios, sonhos e atitudes de coragem em prol dos nossos filhos, da nossa família, o nosso maior bem.

Só posso felicitar a Margarida e seu marido por um dia terem esta brilhante ideia de criarem a AMPLOS para, todos de mãos dadas, caminharmos ao lado dos nossos filhos mostrando a todos que o amor tudo supera. As reuniões da AMPLOS acontecem de dois em dois meses em Lisboa e Porto.

 

A Clarisse tem outro filho portador de deficiência. Por essa razão decidiu investir ainda mais na sua formação e criar uma associação. Onde vai buscar tanta energia para lidar com as situações que a vida lhe traz?

A minha energia vem-me do Amor. Sempre me senti uma pessoa muito amada. De criança pelos meus pais, os quais muito acreditaram e apostaram em mim.  A partir dos 22 anos pelo meu marido e meus filhos.  Acredito ser uma pessoa muito abençoada, a quem a vida só tem sorrido, apesar de certos percalços aos quais rapidamente soube dar a volta e transformar em coisas valiosas com as quais muito aprendi e eu própria me transformei.A minha energia vem-me dos muitos feedbacks positivos que me vão dando no meu dia-a-dia que me fazem acreditar que vale a pena lutar por aquilo em que acreditamos e pelas pessoas que amamos. A minha energia vem-me dos amigos extraordinários que fui arranjando ao longo dos anos e que me incentivam a continuar e a acreditar em mim sabendo que eles estão sempre lá para me acarinhar e aplaudir. A minha energia vem-me dos filhos que me colocaram no colo e que, como mãe, tenho a obrigação de os proteger e fazer deles pessoas felizes. A minha energia vem-me da alegria que sempre senti e da personalidade forte que muitos me ajudaram a construir: pais, professores, amigos, marido e filhos. Obrigada a todos eles.


 

Considera que existe espaço e tempo suficientes para o diálogo nas famílias portuguesas?

Considero que existe tempo e espaço suficientes para as famílias que têm vontade de o aproveitar. O tempo ou melhor, a falta dele, começou a servir de desculpa para o muito que se pode e deve fazer. Eu sempre tive o tempo muito ocupado ao longo do dia todo e não foi por isso que descurei o meu papel de mãe no seu essencial: dar atenção aos filhos, estar atenta a sinais ou comportamentos para de imediato os podermos ajudar, conversar com eles, partilharmos todos em conjunto as nossas dificuldades, etc.

Jamais compensei o pouco tempo que lhe dávamos com bens materiais ou cedência aos seus caprichos, ao contrário do que muitos fazem para se penitenciarem por outras falhas, que bem ou dinheiro algum consegue colmatar.

Quanto aos espaços é pena que nas famílias cada um tenha, cada vez mais, o seu próprio espaço e quase se encontrem apenas para as refeições, sendo que alguns nem isso. Sendo assim, como querem conversar e conhecer-se? Que momentos existem de verdadeira partilha?

Diria mesmo que as famílias cada vez menos se conhecem, mesmo dentro da sua própria casa. Vem um dia e somos surpreendidos.

 

 

Que conselhos quer deixar a outros pais e mães ou figuras parentais no que respeita a questões da orientação sexual ou identidade de género dos seus filhos?

Aos pais quero dizer que jamais, seja qual for a circunstância, devemos hostilizar quem mais amamos - os nossos filhos. No seu caminho, infelizmente, irão encontrar muitos que lhe façam isso.

Nós somos seus pais, cabe-nos dar-lhes a mão, independentemente da idade, e caminhar do seu lado. Deixemo-nos de preocupar com os outros e os seus juízos.
A homossexualidade não é uma escolha, foram eles os primeiros a sentir e a sofrer com o que devagar iam descobrindo sobre si próprios e a missão dos pais relativamente aos seus filhos é suavizar o seu caminho e não serem os primeiros a julgá-los ou maltratá-los.

Que na nossa própria casa nós possamos ser quem somos, sem ocultações ou julgamentos. Que a nossa casa seja o verdadeiro porto de abrigo que todos procuramos. Coragem pais, sejamos pais antes de mais nada.

 

E aos filhos que ainda não fizeram o seu coming out? Que mensagem lhes quer dirigir?

Aos filhos que ainda estão em dificuldade para se mostrarem tal como são, para viverem tal como sentem, eu queria dizer que em primeiro lugar sejam bons filhos, façam tudo por merecer a confiança dos vossos pais, sejam meritórios do esforço que eventualmente eles estejam a fazer por vós e tendo tudo isto reunido consigam abordar o progenitor com o qual sentem maior afinidade ou aquele que acham que terá maior abertura para o tema. De uma maneira simples, quando por exemplo se fala na televisão sobre o tema ou algo relacionado vocês consigam encetar conversa com o elemento que escolheram recolhendo a sua opinião perante o que ouviu, tentando dar a vossa para perceber a sua reacção e, caso ela não seja muito negativa vocês lhe consigam perguntar: e se um seu filho fosse homossexual gostaria menos dele?

Se ele(a) disser que não, de maneira nenhuma então diga-lhe, de uma forma natural: eu sou e gostava que me continuasses a ver do mesmo modo e a gostar de mim como teu filho.
De qualquer modo cada caso é um caso e isto não é uma receita, é apenas um mero exemplo.

A melhor forma é primeiro fazerem um percurso na vida que todos admirem, incluindo os vossos pais, e depois não terem medo de se assumirem tal como são. Se forem pessoas respeitadas verão que continuarão a sê-lo.

Foi o que eu tentei sempre fazer comigo mesma e com a nossa família. foi sempre este o conselho que eu dei ao Romeu.

 

 

Qual foi a melhor reacção que teve após participar no Querida Júlia? E a pior?

Todas as reacções que recebi até agora foram muito boas, apenas grandes elogios: à minha coragem de falar com toda a frontalidade dos problemas dos meus filhos, ao meu orgulho e amor incondicional por eles, ao grande contributo que dei à causa da homossexualidade fazendo com que muitas pessoas a passem a olhá-la com outros olhos, ao grande exemplo de mãe e mulher, etc.

Foram imensos os comentários elogiosos no Facebook do programa da Júlia Pinheiro, no meu próprio e nas abordagens de rua, mesmo por quem não me conhecia, mas me reconheceram após o programa.
A pior para mim foi a do meu irmão que, na altura do programa estava em Espanha, eu enviei-lhe o vídeo para poder ouvir por mim própria o que outros lhe podiam contar, já que era um canal de muita audiência, e ele não fez qualquer comentário ao mesmo, apesar de ter visto que essa, inicialmente, foi uma situação de sofrimento. Aos sábados costumávamos encontrar-nos a tomar café, mas, no sábado seguinte, ele retirou-se antes de nós chegarmos, tendo nós ainda nos cruzado.  Reparámos no seu olhar comprometido. 

Por que será? Quereria ele ser informado previamente como que a dizer-lhe que tínhamos um problema em nossa casa? Acharia que fui ali expor a família alargada e que agora sentiriam vergonha? Não sei, mas saberei aguardar sem eu própria puxar o assunto. Estou até com alguma curiosidade.

 

Paulo Monteiro

 

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