Um noite diferente, finalmente, no Finalmente (com vídeos)
Quem à uma da manhã passou pelo Finalmente, no Príncipe Real, ficou com uma ideia de Broadway (à portuguesa), mas numa terça à noite. E surpreendentemente, na ressaca dos Óscares, a fila era longa. O cartaz diferente. Sete criações e um punhado de artistas das mais diferentes áreas como a dança, o teatro, a instalação e as artes performativas. A organização, a cargo de Luiz Antunes (bailarino) e Luís Ferreira, não podia estar mais certa. Rever os clássicos como Maria Bakker, que ainda está por cá, e os novos como Mariana Tangner Barros e André Santos.
A apresentação de Deborah Kristal, soberba. Era a mestre de cerimónias. Sem as graçolas das noites habituais, não deixou de anunciar a passagem do Finalmente para a direcção do Teatro Nacional Dona Maria II. O oficial teatro do "status quo" passava a ter sede no Finalmente que, em tempo de austeridade, muito mais divertido seria. Casa cheia, diversa. Antes de a "coisa" realmente começar o espaço era já pouco para tanta gente.
Destaque-se a apresentação de Rogério Nuno Costa, que deixou seu corpo nu rolar ao som de "Let The Bite Control Your Body". "A minha pila é pós-dramática" declarou o performer, que nos últimos anos tem discutido as fronteiras da arte através da critica cínica do seu trabalho. Muitas pessoas não estavam a acreditar naquela exposição desmesurada. Os brandos costumes também os há, mesmo num bar que há 35 anos faz noite diferente. Antes, no palco, a premiada coreógrafa Tânia Carvalho com a "Canção do Engate" de António Variações, numa versão distorcida. Um bela homenagem a Variações e aos tempos da Bomba Suicida, estrutura artística, que no início deste século fazia o Sunday Show.
A noite seguia e em cada número Deborah ia puxando pelo público que comentava em gritos e em palmas o que se ia passando.
Outro momento interessante foi o número de João Villas Boas, Vítor Andrade e Paulo Duarte Ribeiro. O número zero do travestismo. Música brasileira, coreografia cheia de gestos e dramatismo, mas todos, em palco, iguais a eles mesmos. Ou seja, sem maquilhagem, sem personagem. Parecia que estávamos numa brincadeira lá de casa.
Para fechar Maria Bakker e em grande. Figura mítica do travestismo português dos anos 90 interpretada pelo actor Gonçalo Ferreira de Almeida, esta lenda viva, foi ao Finalmente dizer que ainda está aqui: "I'm Still Here", do autor de músicais Stephen Sondheim. Igual a si própria Maria Bakker não deixou de falar das suas viagens pela América, das plásticas, do botox e da vida. No seu dramatismo disse que estava para ficar e que tinha muito amor para partilhar. Bakker, ainda recentemente reapareceu como personagem no filme "Morrer como um Homem".
Para a noite LGBT, quase sempre parca em ideias e sem grande programação, esta iniciativa trouxe mais possibilidades para aqueles que não se revêem na oferta que existe. Para os artistas é também uma forma de experimentarem criações e abordagens ainda em pesquisa. Um noite diferente, Finalmente.
André Soares