Sou vegetariana porque sou feminista
O feminismo ensinou-me a impor-me e a resistir a todas as formas de violência, crueldade, opressão, hierarquia, guerras, militarismos, sobre-exploração da natureza e discriminação. Ensinou-me a derrubar preconceitos, estereótipos e a reconhecer que à partida tudo, todos e todas somos merecedoras de consideração igual.
Foi também o feminismo que me ensinou a posicionar-me perante a maior de todas as opressões: o especismo, e dentro dele a dupla opressão sobre animais fêmeas.
A exploração sobre animais fêmeas, em particular sobre vacas, galinhas ou porcas, implica actos de uma violência brutal como violações manuais ou mecânicas, exploração abusiva das suas glândulas mamárias (no caso dos mamíferos) e a separação imediata das suas crias após cada parto (depois da gravidez induzida através das técnicas de violação).
A violação através de rape-rack, por exemplo, consiste em introduzir o braço do ou da inseminadora (violador/a) no recto até ao colo do útero para posiciona-lo e com a outra mão forçar a penetração do instrumento pela vagina.
Durante a gravidez, passada em baterias minúsculas, as fêmeas pouco mais podem fazer para além de se baixarem ou levantarem. Após o parto, as suas crias são retiradas de imediato. Se forem machos, são fechados em caixas sem espaço para garantir que os seus músculos e articulações não se desenvolvem e que, então, partes dos seus corpos sejam vendidas como tenros vitelos ou leitões, se forem fêmeas, no caso das vacas, são preparadas para se tornarem vacas leiteiras e viverem uma vida de escravidão.
Durante os 7 a 8 meses em que a vaca produz leite, as crias alimentar-se-iam de 5 a 7 vezes por dia. Uma fêmea explorada é obrigada a acumular e carregar cerca de 20 litros de leite todos os dias até que este lhe seja extraído, neste caso apenas uma ou duas vezes ao dia, provocando-lhe danos físicos e sofrimento intenso. Normalmente, e naturalmente, o tempo em que as as crias permanecem com as mães, e são amamentadas, pode ir até aos 9-12 meses de vida. No entanto, enquanto as pessoas consumirem produtos derivados do leite esse tempo é reduzido a minutos. As implicações psíquicas, emocionais e físicas impostas as esses animais durante todo o processo são imensuráveis.
O único período em que as fêmeas podem ter alguma paz e não verem os seus corpos constantemente explorados, acontece quando deixam de produzir leite mas o descanso dura pouco pois são de novo violadas para garantir que engravidam, voltando a ser mercadoria para a industria dos lacticínios. No caso das galinhas de aviário, que para si têm apenas espaço do tamanho de uma folha A4, o seu sistema reprodutor é manipulado através da luz e do alimento para que estejam constantemente a menstruar (pôr ovos).
O feminismo ensinou-me que não posso aceitar passivamente que retiremos o leite de uma mãe para seja mercantilizado ao mesmo tempo em que privamos uma cria do seu alimento devido, muito menos que consumamos e prolonguemos a existência de produtos resultantes de violações, maus-tratos, sofrimento, explorações e manipulações dos corpos e sistemas reprodutores.
Poderia eu ser feminista se ao mesmo tempo impedisse que animais fêmeas tivessem qualquer autonomia sobre os seus próprios corpos, indirectamente, explorando-as, oprimido-as, construindo hierarquias, e violentando-as física e emocionalmente?
Ah! E a propósito do dia de hoje (4 de Outubro – Dia Internacional do Animal), o feminismo ensinou-me também que não se hierarquizam nem se invisibilizam lutas.
Crónica da autoria de Cassilda Pascoal