Como está a ser vivida em França a batalha pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo
Desde que, há alguns meses, se iniciou na comunicação social, nos meios políticos e na sociedade em geral o debate sobre o casamento para todos (o casamento gay) e a adopção, verificou-se um paradoxo. Por um lado, 63 por cento dos franceses são favoráveis a esta reforma histórica. Por outro, foi claramente libertado o "discurso homofóbico", tanto na televisão como no resto da sociedade. Associações como "SOS Homophobie" ou "Le Refuge" (que acolhe jovens gays expulsos pelos pais) anunciaram que o número dos pedidos de ajuda foi multiplicado por quatro.
Em França, com efeito, existe uma forte radicalização dos oponentes ao casamento para todos (entre os quais se contam os fundamentalistas, os católicos e grupos de extrema-direita). Foi dada ampla visibilidade e direito à palavra a estes grupos, o que fez surgir um clima de violência em torno deste debate e dirigida contra as pessoas LGBT. Foi a primeira vez que uma parte da população e a Igreja se mobilizaram - não para defenderem a realização de um projecto, mas para se oporem a que outra parte da população adquira os mesmos direitos, apesar de a população LGBT não poder adquirir, com esta reforma, mais direitos do que os restantes, e de estes últimos não perderem nenhum dos direitos que já possuem.
A segunda manifestação, caras conhecidas, fundamentalistas religiosos
Do lado do “contra” a manifestação foi liderada por uma Egéria saída de um circo - a humorista Frigide Barjot – e teve o apoio, designadamente financeiro, de grupos religiosos católicos que injectaram 1 milhão de euros na sua organização. Foram reabertos conventos para albergar os manifestantes vindos da província, que encheram autocarros e comboios. Por outro lado, a frente LGBT que organizou o movimento a favor do casamento dispunha de reduzidos meios financeiros. Os "contras" conseguiram assim reunir cerca de 320.000 manifestantes, o que alguns média consideraram uma grande vitória. Entre eles, as habituais personagens: a burguesia católica com as suas muitas crianças, muitos idosos, e - claro está - os inevitáveis extremistas de cabeça rapada e cenho carregado.
A manifestação deste último Domingo a favor do casamento para todos reuniu 200.000 pessoas, o que foi saudado como um grande êxito. Sobressaiu uma grande diversidade: Muita alegria, humor e sobretudo muita dignidade (não se tratava de um arraial). Houve mesmo uma certa seriedade, justificada pela consciência de se estar a defender um direito que irá revolucionar a vida das pessoas LGBT e das gerações futuras de homossexuais. Porém, todos estavam igualmente conscientes da homofobia que se desenvolveu nestes últimos meses, e do facto de que a batalha nunca estará inteiramente ganha, mesmo depois da lei ser aprovada.
No meio da multidão era possível descortinar algumas caras conhecidas. Pessoas que há 10 anos frequentavam bares e discotecas entretanto perdidas de vista. Ou amigos mais chegados que se reencontravam no meio de grande efusão e brincadeira. A sensação de uma solidariedade surgida da adversidade comum. E também personalidades conhecidas. Mesmo ao nosso lado, por exemplo, o cantor Mika, que fez recentemente o seu coming out em Londres. A manifestação parecia até beneficiar da aprovação divina: um céu azul sobre uma Paris belíssima, depois de semanas de chuva e frio intensos. E quanto se passava em frente de grupos da Extrema Direita, os LGBT cantavam em resposta, La Marseillaise!
A cobertura parcial dos média
"BFM TV" e "i-télé", dois canais de informação contínua, provocaram indignação de algumas pessoas. Embora tenham feito "edições especiais" que transmitiram o dia inteiro em directo a manifestação contra o “casamento gay”, quase não deram cobertura à manifestação pró-casamento fora dos noticiários suscitando a cólera de alguns manifestantes em cartazes na multidão ("BFM, Itélé, queremos a nossa Edição Especial!"), no Twitter, no Facebook e em diversas emissões de rádio, o que obrigou os responsáveis a encontrar explicações consideradas desastradas.
Início dos debates na Assembleia Nacional e 5000 propostas de alteração
Esta terça-feira, começará a verdadeira batalha na Assembleia Nacional. Os deputados e o Governo vão efectuar um debate que durará longas semanas (durante as quais poderá haver ainda muitas derrapagens e momentos difíceis). A UMP (Centro-Direita, actualmente na oposição) introduziu 5000 alterações para tentar prolongar ainda mais este debate e bloquear o avanço do projecto. Mas dada a actual maioria PS na Assembleia e a determinação do Governo, e tendo em conta o apoio maciço dos franceses, é grande a esperança de que a lei que permite o casamento para todos seja aprovada, e que daqui a alguns anos, tudo isto nos pareça natural.Como os jovens gay ficarão marcados por este momento da história
Entretanto, espera-se que os jovens homossexuais que têm de enfrentar todos os dias a homofobia na televisão, nas suas próprias famílias e no ensino, possam sair destas situações sem demasiadas cicatrizes, ainda que marcados para sempre.
A Lei deve ser aprovada antes do Verão, pelo que são de esperar algumas belas festas de casamento durante as próximas férias.
Jan Le Bris De Kerne, em Paris
Jorge Silva Marques (tradução)