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Carta aberta de grupo de advogados contra parecer da adopção de Marinho Pinto

Um grupo de advogados escreveu uma carta aberta ao bastonário da Ordem dos Advogados em que explica que o parecer de Marinho Pinto sobre a adopção “não respeita os princípios enformadores do Direito, carece de fundamentação factual de suporte e ilegitimamente assume uma posição que, certamente, uma parte muito significativa dos Advogados deste país não subscreverá”.

A carta, que apresenta vários argumentos jurídicos contra a posição de Marinho Pinto, foi também enviada para os grupos parlamentares, para os conselhos distritais, para o conselho geral e para o conselho superior da Ordem dos Advogados.

Recorde-se que a propósito do debate parlamentar de 17 de Maio sobre adopção e co-adopção, Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, enviou um parecer negativo. Marinho Pinto argumenta que “os casais do mesmo sexo têm muitos direitos, muitos dos quais, infelizmente, ainda não estão sequer reconhecidos", mas "não têm, seguramente (nem devem ter), direito a adoptar, porquanto esse pretenso direito colide frontalmente com o direito das crianças a serem adoptadas por uma família natural". Vai mais longe e defende que uma "família natural" é "constituída por um pai (homem) e uma mãe (mulher) e não com um homem a fazer de mãe ou com uma mulher a fazer de pai". Este grupo de advogados considera que se trata de "uma posição de carácter manifestamente discriminatório".

 

 

 

CARTA ABERTA AO SR. BASTONÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS PORTUGUESES

«Tendo tomado conhecimento do Parecer emitido pela Ordem dos Advogados, sobre os Projectos de Lei n.º 278/XII (PS), 392/XII (BE) e 412/XII (PEV) que consagram, respectivamente «a possibilidade de co-adoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo e procede à 23.ª alteração ao Código do Registo Civil», a «eliminação da impossibilidade legal de adoção por casais do mesmo sexo, primeira alteração à Lei n.º 9/2010, de 31 de maio e segunda alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio» e «Alarga as famílias com capacidade de adoção, alterando a Lei nº 9/2010, de 31 de maio e a Lei nº 7/2001, de 11 de maio», os Advogados e Advogadas subscritores da presente Carta Aberta pretendem desvincular-se, em toda a medida, da posição assumida e assinada pelo Senhor Bastonário, sobre a qual nunca foram ouvidos e da qual discordam, por entenderem ser uma

posição de carácter manifestamente discriminatório.

Sobre as afirmações contidas no Parecer enviado pela Ordem dos Advogados, designadamente que «O direito da criança a ser adoptada implica que essa adopção se faça em respeito pelo princípio da família natural, ou seja, por uma família constituída por um pai (homem) e uma mãe (mulher) e não com um homem a fazer de mãe ou com uma mulher a fazer de pai. O desenvolvimento harmonioso da personalidade de uma criança (um dos seus direitos fundamentais) implica a existência de referências masculinas e femininas no processo de crescimento.», acrescentando-se que «os casais do mesmo sexo têm muitos direitos, muitos dos quais, infelizmente, ainda não estão sequer reconhecidos nas leis da República, mas não

têm, seguramente (nem devem ter) direito a adoptar, porquanto esse pretenso direito colide frontalmente com o direito das crianças a serem adoptadas por uma família natural.», solicitando-se, a final, a reprovação dos vários projectos, cumpre-nos dizer o seguinte: Nos termos do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. Os n.ºs 1 e 3 do artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa determinam também que todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em

condições de plena igualdade e que os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos. Consideremos ainda os artigos 67.º e 68.º da CRP. Prevê o n.º 1 do artigo 67.º que a família [sem qualquer definição social ou legal de família], como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Que, do mesmo modo, o artigo 68.º estabelece que os pais e as mães [individualmente considerados!] têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país, constituindo a maternidade e a paternidade valores sociais eminentes. Tais artigos não podem ser analisados separadamente, como faz o Parecer da OA, senão como um todo, um continuum jurídico interligado e interdependente que não determina qualquer concepção de família ou que a maternidade e a paternidade sejam valores analisados apenas enquanto complementos (veja-se, aliás, a legislação laboral e da segurança social, muito clara nesta matéria).

A Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio, que consagra o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, dispõe, no seu artigo 5.º que todas as disposições legais relativas ao casamento e seus efeitos devem ser interpretadas à luz da mesma lei, independentemente do género dos cônjuges, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º que determina, no n.º 1, que as alterações introduzidas não implicam a admissibilidade legal da adopção, entendimento que julgamos antitético com o próprio espírito da lei, cujo partido autor (PS) pretende alterar.

Também a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, veio consagrar no nosso ordenamento jurídico medidas de protecção das uniões de facto, diploma alterado e republicado pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto. Nos termos do seu artigo 1.º, a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

O regime jurídico da adopção encontra-se consagrado no Código Civil, nos artigos 1973.º a 2002.º. Nos termos do artigo 1974.º, a adopção visa realizar o supremo interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação.

No artigo 1979.º e seguintes do Código Civil determina-se que podem adoptar plenamente: Duas pessoas casadas, ou a viverem em união de facto, há mais de 4 anos, se ambos tiverem mais de 25 anos e menos de 60 anos; Qualquer pessoa que tenha mais de 30 anos, ou mais de 25 anos

se o adoptado for filho do cônjuge.

Relativamente ao processo de adopção restrita, estabelecido no artigo 1992.º e seguintes do Código Civil, estipula-se que neste caso podem adoptar:

Qualquer pessoa com mais de 25 anos e menos de 60 anos; Qualquer pessoa com mais de 60 anos, só pode adoptar se a criança ou jovem lhes tiver sido confiado antes de fazer os 60 anos ou se for filho do cônjuge.

Isto é, não existe qualquer referência à orientação sexual de quem pretende adoptar, conquanto preencham os requisitos ali determinados.

Por outro lado, importa igualmente sublinhar que o artigo 69.º da Constituição estabelece que «as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições». Este direito e o superior interesse da criança devem, obrigatoriamente, enformar toda a acção do Estado e das demais instituições, nas suas políticas e na sua acção, seja no domínio da protecção da família, seja no domínio da adopção. Por outras palavras, o Estado e as demais instituições devem concretizar o preceituado no artigo 69.º, colocá-lo em prática, traduzi-lo para o ordenamento jurídico, em todas as suas esferas de acção. Ora, nada no referido artigo 69.º estabelece ou permite inferir que a protecção do superior interesse da criança e dos seus direitos justifique a discriminação dos pais e adoptantes homossexuais ou bissexuais.

Aliás, muito pelo contrário, a Constituição é clara ao estabelecer, sem  qualquer limitação, que as crianças devem ser salvaguardadas de

todas as formas de discriminação, pressão e de exercício abusivo da autoridade. Que o direito da criança à protecção do Estado e da sociedade tem como objectivo principal, permitir o desenvolvimento integral da criança. E em nenhuma disposição dos artigos 67.º a 69.º da Constituição é feita qualquer referência à orientação sexual dos pais ou adoptantes, o que só pode significar que esta é irrelevante para os efeitos desses mesmos preceitos constitucionais. Portanto, a manutenção desta discriminação legal, que restringe os direitos dos cidadãos homossexuais e bissexuais, apenas se justificaria (como, aliás, sucede com qualquer restrição a qualquer direito ou liberdade fundamentais) se os referidos direitos daqueles cidadãos colidissem, prejudicassem ou afectassem negativamente o superior interesse da criança ou o seu desenvolvimento integral. Não nos parece que assim seja, na senda da opinião dos técnicos que investigaram e estudaram esta questão (tal como referido infra).

Mais: nada no referido Parecer permite sustentar a conclusão de que a co-adopção ou a adopção por casais homossexuais ou bissexuais coloque em perigo, prejudique ou afecte de forma negativa o superior interesse da criança ou o seu desenvolvimento integral.

Como referimos infra, os estudos e os relatórios dos técnicos competentes para avaliar esta problemática demonstram, com toda a clareza, que não existe justificação para a manutenção desta discriminação legal, dado que o desenvolvimento da criança não é afectado negativamente pela orientação sexual dos seus pais ou adoptantes. Que, aliás, esta discriminação pode prejudicar o desenvolvimento integral da criança. E, ao contrário do que sucede com o Parecer, os referidos estudos e relatórios baseiam-se em fundamentos e elementos sociológicos e científicos. Com efeito, o

Parecer invoca alguma fundamentação sociológica, mas não concretiza, determinando em abstracto a necessidade de referenciais femininos e masculinos na educação de uma criança, o que, na ausência de qualquer fundamentação sociológica, apenas se pode considerar mera opinião derivada de concepções pessoais. E, mais grave, defende o Parecer uma discriminação legal, uma restrição de direitos protegidos e assegurados pela Constituição a todos os cidadãos, sem apresentar fundamentação suficiente ou adequada para tal.

Com efeito, em modo diametralmente oposto ao afirmado pela OA, o Instituto Superior de Psicologia Aplicada afirmou em documento de Janeiro de 2013 que, do ponto de vista do desenvolvimento emocional e psicológico das crianças, não há motivos que justifiquem a impossibilidade legal de nascerem ou de serem educadas quer por um casal do mesmo sexo quer por uma pessoa singular de orientação sexual homossexual ou bissexual.

Em adição, o que é aliás extremamente importante, foi demonstrado, por investigação científica realizada recentemente com famílias de casais do mesmo sexo pelo Comissariado para os Direitos do Homem do Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu, não existirem diferenças em áreas fundamentais do desenvolvimento destas crianças quando comparadas com outras que crescem em famílias com pais de sexo oposto.

De facto, relatórios técnicos do Comissariado para os Direitos Humanos do Conselho Europeu, no que diz respeito às práticas de discriminação de pessoas LGBT, não só corroboram estes pareceres, como descrevem a forma como estas práticas discriminatórias exercem pressão e stress acrescido nas famílias de casais do mesmo sexo e nas crianças com dois pais ou duas mães, situação esta que atenta contra o bem-estar destas crianças. (cfr. Parecer do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, enviado à Assembleia da República, pág. 2.)

Sublinhe-se ainda que o Parlamento Europeu tem vindo a defender, no quadro de diversas resoluções sobre o respeito pelos direitos humanos na União Europeia, a supressão da discriminação e da desigualdade de tratamento de que ainda são vítimas os homossexuais apelando aos Estados-Membros para que reconheçam a legalidade dos direitos dos homossexuais, incluindo o direito à celebração de contratos de união civil e de casamento entre pessoas do mesmo sexo, bem como o direito à adopção de crianças.

A posição do PE relativamente a este último aspecto foi recentemente confirmada na Resolução, aprovada em 4 de Setembro de 2003, sobre

a situação dos direitos fundamentais na União Europeia em 2002, que, evocando o respeito pelo princípio da igualdade e da não discriminação com base na orientação sexual, solicita aos Estados-Membros “a abolição de qualquer forma de discriminação - legal ou de facto - de que ainda são vítimas os homossexuais, nomeadamente em matéria de direito ao casamento e à adopção de crianças”.

Nestes termos, enquanto Advogados e Advogadas, defensores da legalidade democrática, da Constituição da República Portuguesa e das leis nacionais e internacionais, em nome da igualdade, recusamos qualquer identificação ou conotação com o parecer da Ordem dos Advogados, entendendo que este não respeita os princípios enformadores do Direito, carece de fundamentação factual de suporte e ilegitimamente assume uma posição que, certamente, uma parte muito significativa dos Advogados deste país não subscreverá.» 

 

 

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