O 17 de Maio e a lei do caramelo
No passado dia 17 de Maio, Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia e Transfobia, a ilha de São Miguel parece ter acordado com mensagens de luta e de amor.
Numa iniciativa entre Umar-Açores, APF-Açores, APAV-Açores, CIPA/Novo Dia e Pride Azores, nas varandas, portas e janelas dos espaços das associações foram colocadas bandeiras do arco-íris e a mensagem “Homofobia não é opção, é discriminação”.
Pelas ruas, em alguns locais movimentados, nas paredes encontraram-se mensagens como “Ana+Ana” ou “José+Daniel”. O jornal Açoriano Oriental do dia seguinte trazia ainda uma imagem de um stencil numa rua de Ponta Delgada onde se lê “as minhas mães educaram-me a respeitar crianças de casais heterossexuais.”
Todas estas iniciativas geraram reações, debate e pensamento crítico, como se quer.
E o melhor? Para além do impacto positivo, ninguém se aproveitou delas para se promover.
O mesmo não se pode dizer em relação a outras iniciativas, como por exemplo, as que estiveram à votação na Assembleia da Republica. O que para muitas pessoas foi visto como uma vitória, para outras foi um ensurdecedor grito de cobardia, hipocrisia e declaração de instrumentalização de uma população para fins eleitorais.
Quando à votação estão quatro projetos, sendo que apenas um mantinha a discriminação perante a lei, e é precisamente o que passa o que continua a discriminar, não me digam que são modernos e que se esforçam por uma sociedade justa. Com isto não quero dizer que os autores do projecto não mereçam reconhecimento, claro que merecem, até mesmo porque os próprios, ao que parece, votaram positivamente todos os outros.
Fomos premiados com uma série de intervenções e posições do além. Quando há um ano os projectos do BE e PEV foram chumbados pela direita e pelo PCP sob o argumento de que a vida privada e familiar das pessoas homossexuais tinha de ser debatida em praça pública, agora a co-adopção, algo que nunca foi debatido e desconhecido de muita gente, parece não ter suscitado dúvidas nas bancadas conservadoras. É caso para se dizer que mais parece um negócio da China.
Alguns dos que votaram a favor da meia-adopção não tiveram dúvidas em votar contra a adopção plena. Já vimos este filme antes, aquando do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Em Portugal, há quem parece ter descoberto uma espécie de mina de ouro para “ficar bem na fotografia” ou para se promover. Na Assembleia, vamos vendo as maiores bancadas a darem caramelos às pessoas, a dizerem-se defensores da cidadania mas a conta-gotas. Por outras bandas vamos assistindo a esquemas e calculismos de defensores-relâmpago da causa LGBT, quando isso lhes der jeito para fazerem bonito perante as direcções das suas associações ou partidos.
Enquanto isso, enquanto toda gente tira proveito, os e as cidadãs que são discriminados e discriminadas, são postos em fila de espera, a chuparem caramelos, e a assistirem a todo esse espectáculo de hipocrisia e mesquinhice no seu estado puro.
O que os protagonistas não se percebem é que atreladas ao show off vêm manifestações de homofobia, que não chegam a conta-gotas, chegam sempre com a mesma intensidade, e sobre isso já não parecem querer ter voto na matéria.
Por outro lado, não querem perceber que o povo nem sempre se deixa fazer de tolo, e para breve está o dia em que...*
* este artigo foi escrito a “fazer pendant” com a cidadania das pessoas LGBT em Portugal, pela metade.
Uma crónica de Cassilda Pascoal
Foto de Rui Soares
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