A noite em que os defensores da co-adopção sairam à rua
Os responsáveis por uma das convocatórias para a contra-vigília do 23 de Julho não deixavam de mostrar a sua satisfação pelos resultados. Terão estado do lado LGBT cerca de 150 pessoas, um número semelhante ao dos participantes da vigília promovida pela Comissão Nacional Pró Referendo Vida contra a lei da co-adopção, esta terça-feira à noite, em frente ao Parlamento.
"Foi uma surpresa. Algumas pessoas esqueceram-se do que é fazer activismo na rua. Vale a pena reforçar que é importante vir para a rua", defende David Pinto, do colectivo Bichas Cobardes. O responsável sublinha que o objectivo não era silenciar o outro lado da barricada que está contra a co-adopção, "mas sim mostrar que existe uma voz tão ou mais forte que a deles. Se falam de homofobia, nós temos de ter mais força para combater a homofobia. Nós defendemos as pessoas que eles estão a atacar. Longe de nós queremos fazer-lhes mal ou evitar eles se expressem. Queremos dizer-lhes que existimos e que temos voz". Através das redes sociais surgiram várias convocatórias como resposta à iniciativa da Comissão Nacional Pró Referendo Vida.
Foi por volta das 21h que a manifestação LGBT chegou ao Parlamento, repetindo: "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais". A concentração ocorreu no Largo do Rato, depois os participantes desceram a rua de São Bento, encabeçados por uma bandeira do arco-íris e a mensagem "No superior interesse das crianças a favor da co-adopção". Os manifestantes pró-LGBT ficaram parados do lado direito do Parlamento, com um cordão policial a separar as duas facções.
À esquerda e junto às escadarias de acesso à Assembleia, na vigília promovida pela Comissão Nacional Pró Referendo Vida, ouviram-se argumentos em defesa da "família tradicional" e rezou-se o Pai Nosso e Avé Maria, com alguns dos participantes com velas e terços na mão. Aqui defendia-se que "não era uma vigília contra ninguém, nem homofóbica. É pela positiva, pelo superior interesse das crianças", acrescentando-se que "há uma minoria que aterroriza e incrimina com a ditadura do politicamente correcto". Várias pessoas tomaram a palavra, entre eles o professor universitário João César das Neves, que admitiu que a lei da co-adopção deverá ser aprovada. "Vimos de uma sequência de derrotas. As nossas grandes guerras são o aborto e o casamento [entre pessoas do mesmo sexo]", apontou. Por várias vezes, no lado anti-co-adopção não era possível ouvir os depoimentos, graças aos gritos de "Vergonha", "Sou gay e tenho um pai e uma mãe", "Religião não é ódio" ou "Jesus tinha dois pais", que vinham dos manifestantes LGBT.
Próximo do grupo de católicos estavam pessoas da extrema-direita que exibiram duas faixas com as mensagens: "Crianças não são acessórios de moda" e "Não à extinção da família natural". Por vezes gritavam: "Homossexual escuta, és um filho da puta". Como resposta tiveram um grito em uníssono dos defensores LGBT: "Fascistas chegou a vossa hora, os paneleiros ficam e vocês vão embora". A terminar a manifestação, houve ainda tempo para um beijaço gay em frente ao Parlamento.
Continua em Setembro
Com a votação em plenário da lei da co-adopção adiada para Setembro, a Comissão Nacional Pró Referendo Vida prometeu voltar ao Parlamento. David Pinto, do colectivo Bichas Cobardes, garantiu que estará atento. "Enquanto houver pessoas a manifestarem-se contra as nossas famílias, nós vamos também manifestarmo-nos". Como nota, não esteve presente nenhuma associação LGBT formal, "como a ILGA ou a rede, o que nos deixa muito desiludidos. Aliás, houve uma tentativa de desmobilização", refere. "Respeitamos que haja eventos que as outras organizações não se identifiquem e não queriam participar, mas daí a desmobilizar... Activismo não pára activismo", sublinha Manuel Matos, do mesmo grupo.
Miguel Oliveira