6 coisas de que gostámos no Queer Lisboa 22
Este é um artigo escrito a seis mãos por três pessoas que colaboram com o dezanove: Luís Veríssimo, Paulo Monteiro e Sofia Seno. E o desafio era esse mesmo: mostrar as diferenças e o que mais gostaram ou impressionou do que viram e viveram no Queer Lisboa 22.
Exibição de “Marilyn”
A película passou no dia 20 e contou com a presença do realizador, Martín Rodríguez Redondo. Baseado em factos verídicos, o filme é um retrato cru e cruel de tantas histórias que já vimos na vida, incluindo neste Festival. Com um dos finais mais surpreendentes e libertadores de que há memória. Destaque para as interpretações de Walter Rodríguez como Marcos/Marilyn e de Catalina Saavedra como Olga, a mãe. Curioso verificar que este filme não corrobora em nada o spot publicitário do Queer Lisboa 22. Também há que salientar que Redondo respondeu às questões da audiência de forma muito inteligente e ainda teve oportunidade de participar numa ronda de perguntas e comentários improvisada pelo QueerIST. Visionamento obrigatório.
4 estrelas 5
Exibição de “Tinta Bruta”
Era uma das minhas maiores expectativas desta edição. Por: 1) ser dos mesmos realizadores de “Beira-Mar” (2015) – que não gostei tanto quanto isso –, e 2) ter vencido o Teddy Award em Berlim este ano. Apesar do receio que também tinha por causa da estética, a curiosidade falou mais alto e ainda bem. Acabou por ser uma agradável surpresa. Foi realmente a estética do filme, sobretudo a fotografia, e a banda-sonora que mais me cativaram. A última meia-hora é de uma tensão tão bela. A exibição contou com a presença dos realizadores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon que explicaram às pessoas que assistiam como decorreu o processo de concepção do filme e de como o clima de instabilidade que se viveu e vive no Brasil se reflecte na película.
4 estrelas 5
Exibição de “Burka Songs 2.0”
O filme, em versão work-in-project de um outro filme que acabou por não acontecer, mostra-nos o processo criativo da realizadora que vai em busca de outras opiniões de artistas suecos, ligados ao tema que queria abordar, uns mais do que outros. O ponto de partida da artista era recriar uma situação vivida em França e reflectir sobre a lei da proibição do uso de burka integral nesse país. Para isso, dispôs-se ela mesma trajar a burka e a ir para a rua cantar o hino de França. Ao mostrar este ponto de partida às pessoas que escolheu para a ajudarem, estas reagiram das mais variadas formas e o filme acabou por ser o que deu errado nesta ideia e sobre as narrativas e a noção dos entrevistados sobre este tema.
A reviravolta no filme é interessante, porém o filme torna-se um pouco monótono. Tem bastantes momentos em que a imagem é em slow motion e que apenas temos voz off a acompanhar. Falta-lhe ritmo e penso que, tendo em conta que o tema é bastante interessante e actual, poderia ter sido explorado de uma forma um pouco mais dinâmica e intensa, tornando-se mais apelativo a quem o vê.
3 estrelas em 5
Exibição de “Sauvage”
Um drama nu e cru. Leo é o retrato de muitos de nós que vende o seu corpo por um pouco de dinheiro. Mais do que dependente de dinheiro, Leo está dependente de amor. Mas o turbilhão que vive no seu quotidiano não o permite deixar de trilhar um caminho de dependências. Um filme que nos mostra quão frágeis somos nas mãos de outros quando abdicamos de guiar a nossa própria vida. Em “Sauvage” assistimos a uma interpretação brilhante de um jovem de apenas 25 anos, Félix Maritaud que já conhecemos de “120 Batimentos”. Um novo e promissor talento, que sob a batuta de Camile Vidal-Naquet nos fez reflectir sobre a selva em que estamos metidos e de como nos (des)tratamos para lidar com esta.
4 em 5 estrelas
Exibição de “George Michael: Freedom - Director's Cut”
Foi, sem dúvida, um dos momentos altos do Queer Lisboa. O documentário sobre George Michael, realizado pelo próprio em conjunto com David Austin, naquele que constituiu o último projecto do cantor, que nos foi subtraído em 2016. Ao vermos o documentário percebemos, a cada minuto, a dádiva que foi termos George entre nós. Com a ajuda dos testemunhos de uma quase constelação de estrelas, “Freedom - Director's Cut” ajuda-nos a perceber quem era Michael, fora e em cima do palco. Linda Evangelista, Cindy Crawford, Naomi Campbell, Stevie Wonder, Elton John, Ricky Gervais, Tony Bennett e muitos outros falam de como foi ver e trabalhar com o ícone da música.
Mas esta longa-metragem foca também a batalha que o músico travou consigo mesmo quando “ainda não podia” admitir publicamente a sua sexualidade. Durante vários minutos emocionamo-nos a ver e ouvir como George foi feliz ao lado de Anselmo, o seu namorado brasileiro. Mas foi também assim que, na primeira pessoa, percebemos que a perda de Anselmo, o medo da sida, a discriminação por ser um branco a cantar e a triunfar na soul, o facto de ser vítima de uma emboscada sexual e de como lutou contra as condições contratuais da Sony Music. Como um génio enfrentou duros golpes e com maestria deu a volta por cima. Um documentário que merece ser visto por todos e com uma só banda sonora: "Freedom".
5 em 5 estrelas
Exibição de “Bixa Travesty”
Não pede licença para ser polémica. Linn da Quebrada, o novo fenómeno social e da música brasileira veio, reinou e arrancou aplausos na sessão de encerramento do Queer Lisboa. Aplausos de uma Sala Manuel de Oliveira completa, excepto das pessoas que se foram embora a meio com o choque que Linn ainda lhes provoca. Linn da Quebrada é afirmativamente uma mulher sem mamas, uma mulher com barba e uma mulher com pénis. É uma "terrorista de género" como não se cansa de gritar ao mundo. Usa a música como arma da liberdade sexual. Usa este documentário para mostrar sem pudores como lidou com o cancro e de como quebra as fronteiras do binarismo de género, do feminismo e do movimento negro.
Ainda não estamos prontos para Linn, mas Linn, a diva travesti, está pronta para nós. Se foste ao Queer Lisboa e gostaste: good news! Há mais Linn, e ao vivo, dia 5 de Outubro no Espaço Maus Hábitos, no Porto, e no dia 6 de Outubro, no OUT.FEST, no Barreiro. Se não foste, eis a tua oportunidade. Ah, e o documentário volta a passar em Portugal para abrir o Queer Porto.
3 em 5 estrelas
Luís Veríssimo, Paulo Monteiro e Sofia Seno