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8 de Março –  Celebrar o percurso da interseccionalidade

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A 8 de Março celebra-se o Dia Internacional da Mulher. Um dia celebrado pelas Nações Unidas e que conta com mais de 100 anos de história.

Surgido em 1909 pela reivindicação do movimento trabalhista feminino, em torno de questões salariais, redução da carga horária de trabalho e do direito ao voto pelas mulheres, este dia foi ao longo do séc. XX internacionalizando-se, mostrando ser, infelizmente, cada vez mais uma data comercializada, onde todos os anos as vendas de flores duplicam ou triplicam neste dia, um oportunismo da luta política daqueles que todos os dias sofrem em diferentes formas de opressão.

Esta é uma data que serve de ferramenta para celebrar as metas alcançadas pela luta das mulheres, pelas diferentes vagas feministas, no campo político e económico, em torno da força do patriarcado, da violência sexista e da desigualdade provocada pelas hierarquias capitalistas. Mas, que ao mesmo tempo serve também para relembrar da luta necessária em torno do direito à igualdade no trabalho e remuneração; ao direito a fazer escolhas sobre os próprios corpos – IVG; o direito a existir sem medo da violência; assédio ou abuso sexual.

Uma data que mostrando a luta contra o patriarcado deve ser solidária com todas as pessoas não binárias, intersexuais e trans. Portanto, um dia em que se deve dar a oportunidade de ouvir também todas as mulheres lésbicas, mulheres bissexuais, pessoas trans, trabalhadoras do sexo, imigrantes, que são vulgarmente assediadas pelas mesmas forças que oprimem o feminino branco, cisgénero e heterossexual. A compreensão da interseccionalidade das formas de discriminação sistémicas em que o género feminino e não binário está sujeito são determinantes se quisermos fazer a diferença em torno do direito à igualdade nas diferentes esferas da sociedade. No entanto, ainda existem barreiras que separam os diferentes interesses e lutas das mulheres, mostrando a necessidade do trabalho e luta colectiva.

A compreensão da interseccionalidade das formas de discriminação sistémicas em que o género feminino e não binário está sujeito são determinantes se quisermos fazer a diferença em torno do direito à igualdade nas diferentes esferas da sociedade.

A falta de empatia e de identificação com as experiências e identidades de todas as pessoas não binárias, intersexuais ou trans, continua a resistir. A definição do que é ser mulher, do feminino ou feminilidade, continua a ser categorizado por determinismos biológicos fixos, reduzindo o género a orientações e expectativas contraditórias em torno do ser e sentir. Isto leva a que a combinação da identidade de género com a orientação sexual traga um conflito frequente em torno das expectativas de género, especialmente quando saímos do campo da não binariedade, levando a que mulheres lésbicas, bissexuais ou trans sofram de maior assédio ou preconceito, desconsideradas pela forma como se identificam socialmente.

A definição do que é ser mulher, do feminino ou feminilidade, continua a ser categorizado por determinismos biológicos fixos, reduzindo o género a orientações e expectativas contraditórias em torno do ser e sentir.

Ultimamente o debate em torno do esbatimento dos direitos das mulheres cisgénero e das pessoas trans, alegando que o progresso dos direitos das pessoas trans vem colocar em causa os direitos das mulheres cisgénero, vem mostrar a debilidade e ameaça transfóbica a que todas as mulheres estão sujeitas. O acesso a casas de banho públicas do mesmo sexo, ou os lobbies trans tem sido alvo de ataque e descritos como atentatórios dos direitos e seguranças das mulheres cisgénero. Recordemo-nos da infeliz surpresa em Junho de 2020 em que a escritora J. K. Rolling (autora da saga Harry Potter), partilha comentários transfóbicos nas redes sociais, considerando a indissociabilidade entre género e sexo.

Dentro da comunidade LGBTIQI+, a comunidade trans permanece como a que mais sofre de discriminação. A desinformação, a ignorância, a falta de compreensão relativamente a questões trans levam a que o estigma e preconceito recaiam sobre estas pessoas, resultando em demonstrações de violência física e psicológica, ou mesmo em mortes por assassinato. Recordemo-nos do isolamento e precariedade que levou à morte de Gisberta Salce em 2006, por um grupo de 14 adolescentes no Porto. Uma morte que veio a abrir caminho para a igualdade de género das pessoas trans em Portugal.

Gisberta Salce morreu de discriminação múltipla. Por ser imigrante ilegal, trans, prostituta, sem abrigo e seropositiva. Conforme Gisberta, por todo o mundo, centenas de milhares de pessoas morrem todos os anos devido à sua identidade individual. Por serem pessoas trans, mas também por serem negras, asiáticas, africanas, europeias, deficientes, gays, lésbicas, bissexuais, assexuais, mães, pais, filhos ou filhas, morrem.

Muitas destas pessoas sofrem da mesma raiz de opressão e violência que as mulheres cisgénero e heterossexuais.  Partilham relacionamentos tóxicos de violência, partilham do assédio e violência sexual, partilham da falta de oportunidades ao nível do emprego e remuneração salarial, partilham da mesma sentença de morte por serem quem são.

São óbvias as diferenças, não são? Não só partilham da mesma violência predatória patriarcal como pelo estigma de continuarmos a olhar o género e o sexo pelos critérios biológicos de binariedade.

Assim, o dia 8 de Março, é não só a luta dos direitos das mulheres, mas como a luta por todos aqueles que estão numa situação de discriminação. Por todas as minorias que são silenciadas, marginalizadas, violentadas pelas mentalidades conservadoras. As lutas feministas devem-se ocupar-se com a luta interseccional pelo reconhecimento dos direitos universais, da segurança e igualdade de todas e todos que são oprimidos pelo patriarcado, sexista, misógino, racista, colonialista e capitalista. A luta feminista é a luta dos direitos humanos.

Precisamos de direitos, não precisamos de flores!

 

Daniel Santos Morais