A comunidade LGBTQIA+ na Literatura da Antiguidade Clássica
A representação da comunidade LGBTQIA+ na literatura, incluindo a infanto juvenil, tem sido um tema de crescente discussão recentemente. No entanto, essas representações e a normalização desses temas não são novidades e muitos parecem esquecer esse facto. Hoje temos para vocês três exemplos de homoerotismo na Literatura da Antiguidade Clássica.
Epopeia de Gilgamesh
"Assim como eu amava minha própria vida, Enkidu,
Tu eras o querido de meu coração."
Epopeia de Gilgamesh, Tablet VII, Linhas 14-15
A Epopeia de Gilgamesh, datada aproximadamente de 2000 a.C., é considerada uma das mais antigas obras literárias conhecidas. Composta por 12 tábuas de argila, foi descoberta nas ruínas da Biblioteca de Nínive, situada na actual região do Iraque.
Nesta obra o leitor é levado a acompanhar as aventuras de Gilgamesh, rei de Uruk, que tem uma relação profunda com Enkidu, um homem selvagem criado pelos deuses para desafiá-lo.
Embora não haja consenso académico sobre se a relação entre Gilgamesh e Enkidu deve ser interpretada como estritamente homoerótica, muitos estudiosos reconhecem elementos de homoerotismo, reflectindo a profunda intimidade e devoção entre os dois personagens.
Aquiles e Pátroclo
E entre elas Briseida ergueu sua lamentação,
enquanto em torno Antíloco e o herói da bela cintura choravam,
chorando por seu companheiro como se fosse um homem morto,
e no meio de todos os homens o pobre Pátroclo
jazia gritando e segurando os joelhos de Aquiles.
Ilíada, Canto 18, Linhas 21-26
Não creias que nós somos os únicos a lamentar lá fora,
aqueles que sobre a terra nascem mortais, ou que sofrem,
mas também os deuses, cuja morada é o amplo céu,
porquanto estão zelosos, porque a cada dia nós combatemos,
sozinhos nós dois, com o destino, os deuses nos concederam
Ilíada, Canto 19, Linhas 284-288
De acordo com a lenda, Aquiles era filho da deusa Tétis e do mortal Peleu. Meio deus meio humano, Aquiles era conhecido pelo seu talento para o combate e pela sua força sobre-humana. Em Ilíada, de autoria atribuída a Homero, é uma das histórias mais marcantes. Patroclo é apresentado como um amigo íntimo de Aquiles.
A natureza exata da relação entre Aquiles e Pátroclo tem sido amplamente debatida. Na literatura e tradição antigas, a amizade entre eles é frequentemente retratada como profunda e significativa. Alguns estudiosos acreditam que a relação deles pode ter sido de natureza homoerótica, reflectindo o padrão de relacionamentos íntimos entre homens na cultura grega antiga.
Safo
"Alguns dizem que é uma maravilha que o exército de cavalos de Troia tenha vencido com aqueles homens que eram muitos e que poderiam ter vencido de novo, mas eu digo que é uma maravilha maior ver uma mulher tão bela e que o amor se volte para ela."
Safo é uma das figuras mais icónicas da poesia lírica grega antiga. Viveu aproximadamente entre 630 e 570 a.C., e era originária da ilha de Lesbos, na Grécia. A sua obra chegou até nós em fragmentos, o que significa que muitos de seus poemas não sobreviveram na íntegra.
Os poemas de Safo são marcados por um estilo altamente pessoal e emocional e exploram frequentemente temas de amor, desejo e relações íntimas, especialmente entre mulheres.
A Literatura da Antiguidade Clássica oferece uma rica tapeçaria de representações de relações homoeróticas e afectos entre pessoas do mesmo sexo. Obras como a Epopeia de Gilgamesh, a Ilíada e os poemas de Safo exploram com profundidade as complexidades do desejo, do amor e da amizade, reflectindo uma sociedade que, em muitos aspectos, era mais fluida na sua abordagem das relações humanas do que a nossa. Esses exemplos literários não apenas evidenciam a presença histórica da comunidade LGBTQIA+, mas também enriquecem nossa compreensão das experiências humanas universais e intemporais.
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Anabela Risso