A Interseção entre Deficiência e Identidade LGBTIQA+: O Desafio da Inclusão
Trabalhar diariamente com pessoas com deficiência dá-me uma perspectiva privilegiada sobre as suas dificuldades e desafios, e um dos temas que raramente vejo discutido é a intersecção entre deficiência e identidade LGBTIQA+. Enquanto psicóloga, compreendo que cada identidade traz consigo um conjunto único de experiências, e quando essas identidades se sobrepõem, as dificuldades podem ser amplificadas.
A sociedade tende a ver as pessoas com deficiência de forma estereotipada, ora como seres assexuados, ora como eternamente dependentes. Quando uma pessoa com deficiência se identifica como LGBTIQA+, essa inviabilização torna-se ainda mais acentuada. Muitas vezes, estas pessoas encontram-se marginalizadas dentro da própria comunidade LGBTIQA+, que nem sempre está preparada para lidar com a diversidade dentro da diversidade.
Desafios Específicos da Intersecção
- Falta de Representatividade: As pessoas com deficiência raramente são visíveis em campanhas, eventos e espaços LGBTIQA+. Quando aparecem, muitas vezes são retratadas de forma simplista, sem explorar as complexidades das suas identidades.
- Acessibilidade Física e Digital: Muitos bares, eventos e centros de acolhimento LGBTIQA+ não são acessíveis a pessoas com deficiência física. No mundo digital, plataformas de apoio e grupos online nem sempre estão adaptados a pessoas com deficiência visual, auditiva ou cognitiva.
- Desafios na Sexualidade e Relacionamentos: Muitas pessoas com deficiência enfrentam barreiras na sua vida sexual e afectiva, desde a falta de educação sexual inclusiva até à infantilização dos seus desejos. Quando a identidade LGBTIQA+ se soma a este contexto, estas dificuldades podem ser ainda mais acentuadas.
- Saúde Mental e Apoio Psicológico: O isolamento e a falta de suporte são uma realidade comum para pessoas que pertencem a ambos os grupos. A escassez de profissionais de saúde mental preparados para lidar com esta interseccionalidade é preocupante.
O Que Pode Ser Feito?
- Inclusão nas Conversas: É urgente falar mais sobre este tema, incluindo vozes de pessoas que vivem esta realidade.
- Adaptação de Espaços e Eventos: Espaços seguros para pessoas LGBTIQA+ devem ser acessíveis também para quem tem uma deficiência.
- Formar Profissionais: Psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais devem receber formação para compreender melhor estas vivências.
- Representatividade: Filmes, séries e campanhas devem incluir histórias que reflictam a diversidade dentro da comunidade LGBTIQA+.
Ao reflectirmos filosoficamente sobre este tema, somos levados a questionar as noções de normalidade e desvio que permeiam a sociedade. A intersecção entre deficiência e identidade LGBTIQA+ desafia as categorias rígidas e convida-nos a abraçar a diversidade humana em todas as suas formas.
A verdadeira inclusão requer uma desconstrução dos preconceitos internalizados e uma reavaliação dos valores que sustentam as nossas interacções sociais. Implica reconhecer que cada indivíduo, independentemente das suas capacidades físicas ou identidades de género e orientação sexual, possui uma dignidade intrínseca que deve ser respeitada e valorizada.
A inclusão não é apenas um ideal bonito, é uma necessidade real. Como sociedade, temos a responsabilidade de garantir que todas as pessoas, independentemente das suas capacidades físicas ou cognitivas, tenham espaço para viver plenamente a sua identidade.
Letícia David, Psicóloga