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A ousadia de quem quer casa para viver: A luta LGBTQI+ pelo direito à habitação

habitação LGBTI

A habitação é um direito básico consagrado Constituição da República Portuguesa. Segundo o art. 65 nº1: “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (Decreto de Lei n.º 86/1976).

 

Nos últimos anos Portugal tem assistido ao aumento consecutivo dos preços das casas, à perda de poder de compra provocado pelo congelamento de salários e carreiras assim como do clima de inflação provocado pelo ambiente bélico na Europa. Mediante o cenário de crise, as minorias sexuais e de género, expostas à discriminação múltipla e interseccional, tendem a sofrer consequências agravadas no acesso ao direito da habitação.

Entre pessoas migrantes, racializadas, trabalhadoras sexuais, mulheres trans, pessoas não binárias e/ou intersexo, encontram maiores desafios no acesso à habitação apresentando altos níveis de risco de sem abrigo ou condições habitacionais precárias.

Segundo o relatório anual da ILGA Europa (2023) entre Janeiro e início de Dezembro de 2022, a ILGA Portugal recebeu um total de 830 pedidos de contacto ou apoio imediato em casos de violência doméstica, perda de salários e despejos.

Também, muitos jovens LGBTQI+ mostram enfrentar especiais desafios dentro das suas casas, não podendo contar com o apoio da família para a sua autodeterminação e autonomização. Segundo o Estudo nacional sobre necessidades das pessoas LGBTI (CIG, 2022), um dos efeitos percebidos pela pandemia foi o número de jovens LGBTI+ que se viram forçados/as a abandonar a casa da família, ficando em situação de especial vulnerabilidade. 

O panorama de discriminação que jovens LGBTQI+ enfrentam mostra a necessidade de criação de respostas de acolhimento de emergência que providenciem as condições necessárias para a sua proteção e segurança. Também, pessoas LGBTQI+, enfrentando altos níveis de stress e violência anti-LGBTQI+ por parte de senhorios/arrendatários, muitas vezes tendem a optar por esconder a sua identidade de forma a ter uma habitação. 

Em 2018, Portugal assiste à criação da primeira casa-abrigo para pessoas LGBTI+ vítimas de violência doméstica – a Casa Arco-Íris. No entanto, a existência de uma única estrutura de acolhimento de emergência deste tipo revela-se insuficiente face à dimensão do fenómeno de violência doméstica que afeta esta população (CIG, 2021). 

Existem também, em Lisboa, dois fogos de autonomização para vítimas de violência doméstica geridos pela ILGA e a Casa de Acolhimento Temporário de Emergência (CATE)" gerida pela Opus Diversidades e, em Matosinhos, o Plano 3C – Casa Com Cor, um apartamento de autonomização para pessoas LGBTI+ vítimas de violência doméstica, gerido pela Plano i. No entanto, o número de fogos disponibilizados pelas ONG’s e municípios mostram ser insuficientes para dar resposta ao total de pedidos de socorro que chegam a essas entidades.

Se olharmos para o resto do país, especialmente para o interior do país, existe um vazio de estruturas de apoio a pessoas LGBTQI+, como se estas lá não existissem. Sujeitas à pressão social heteronormativa marcada por um conservadorismo patriarcal de outros tempos, as pessoas LGBTI+ que aí vivem não só se deparam com maiores dificuldades no reconhecimento dos seus direitos civis como se vêem obrigadas a abandonar o interior para um litoral com mais “oportunidades”. 

Assistimos, também, à primeira geração LGBTQI+ a chegar à velhice, mostrando existir uma falta de condições materiais e humanas para que estas pessoas possam viver esta fase das suas vidas de forma digna e saudável. 

Mediante tudo isto, no próximo dia 1 de abril, às 15h, várias cidades no país se organizam pela emergência de condições habitacionais e alojamento dignas e acessíveis. Entre as cidades de Lisboa (Alameda); Porto (Batalha); Coimbra (Praça 8 de maio); Braga (Coreto Av-Central); Aveiro (Praça Melo Freitas); Viseu (Praça República), são conhecidas as suas acções pela reivindicação de políticas públicas que assegurem o direito à habitação contra a especulação do capital. Uma manifestação que sendo interseccional, tocando a todos, mostra a emergência de um direito humano que ainda falta cumprir.

Partilhamos também o Manifesto LGBTQI+ de apelo à participação nas Manifestações de 1 de Abril: “A ousadia de quem quer uma casa para viver”.

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.