Portugal ainda não protege correctamente os menores intersexo
Cada ser humano nasce de uma maneira única, de certa maneira alguns seres humanos nascem mais únicos do que outros.
Intersexo é um termo que descreve pessoas que naturalmente desenvolvem características sexuais que não conseguem ser classificadas como somente masculinas ou femininas.
Não existe apenas uma maneira de ser intersexo.
Sabemos que há pelo menos 30 formas diferentes de ser intersexo. Algumas são visíveis ao nascimento, enquanto outras não são aparentes até a puberdade ou descobertas até muito mais tarde, outras ainda nunca. Inclusive certas variações intersexo podem nem ser fisicamente aparentes.
De acordo com especialistas, cerca de 1,7% da população mundial é intersexo. Esta estimativa é, por exemplo, semelhante ao número de pessoas naturalmente ruivas.
Estima-se que 1 em cada 200 pessoas são intersexo. E que a cada 2000 nascimentos nasce uma pessoa intersexo que tem características genitais externas tipicamente femininas e masculinas.
Tal como qualquer outro indivíduo, a identidade de género, expressão de género e a orientação sexual de uma pessoa intersexo varia mediante o indíviduo.
Intersexo por vezes é referido como “hermafrodita”, porém o termo é actualmente criticado por não demonstrar correctamente o que significa ser intersexo e carregar neste termo uma série preconceitos.
Ser intersexo difere de ser transgénero. Transgénero trata de uma identidade de género diferente da típica para o sexo ou género atribuído ao nascer. E intersexo tem a ver com características sexuais. No entanto, uma pessoa intersexo pode ser transgénero, caso se encaixe na definição da palavra. A maioria das pessoas intersexo continua a identificar-se como do género atribuído ao nascer.
Ao longo de muitos anos a comunidade médica tem visto os bebés intersexo como algo a ser "corrigido".
Para a grande maioria das pessoas intersexo não há nada nas suas características sexuais que as coloca em risco de saúde, não existindo necessidade de intervenções médicas. Porém, em muitos lugares no mundo, as intervenções medicamente desnecessárias, como cirurgias e terapias hormonais, são feitas sem consentimento informado da própria pessoa intersexo, ou das pessoas responsáveis legais pela mesma, no caso de menores. Em alguns casos, indivíduos intersexo crescem sem nunca saber sobre os procedimentos que realizaram quando eram crianças. Outros relatam que lhes foi dito que essas alterações eram “necessárias” só descobrindo mais tarde que era apenas uma mentira e que havia que "resolver" a “emergência social” de encaixar na categoria de um típico menino ou menina.
1 em cada 2000 pessoas intersexo enfrenta intervenções médicas desnecessárias não consentidas numa idade precoce.
Testemunhos mostram que são muitos os danos provocado por estas cirurgias realizadas sem consentimento informado. Falamos de dor física, perda de sensibilidade genital, cicatrizes, esterilização e incapacidade de produzir as hormonas sexuais, além das consequências psicológicas significativas e o risco de as características sexuais alteradas do indivíduo não se enquadrarem no que pessoa identifica que o seu corpo deve ser. Devido a esses riscos, procedimentos medicamente desnecessários não consentidos a pessoas intersexo são agora considerados uma violação dos Direitos Humanos por grupos como as Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde. Várias pessoas intersexo falam sobre as consequências psicológicas sofridas como resultado destes procedimentos, incluindo baixa autoestima, depressão, ansiedade, e problemas com confiança e intimidade nos relacionamentos.
A família e a comunidade médica até podem agir com a melhor das intenções, no entanto, correr para “corrigir” as características sexuais de uma criança intersexo geralmente provoca mais danos do que benefícios. Decisões próprias e informadas sobre alterações nas características sexuais podem ser positivas para a pessoa intersexo, mas nenhuma pessoa deve ser submetida à força a procedimentos médicos desnecessários. Excepto em situações de risco comprovado para a saúde da pessoa menor intersexo, intervenções médicas para a alteração das características sexuais não são permitidas em Portugal pela lei 38/2018 até que a identidade de género da pessoa em causa seja manifesta. A lei, como é, não é forte o suficiente para proteger as crianças intersexo contra uma violação da sua integridade corporal, defende Dan Christian Ghattas, director-executivo da OII Europe. Pois, ao invés de proibir todas as intervenções médicas desnecessárias em menores de idade intersexo, a lei se refere ao "momento em que a identidade de género da pessoa se manifesta" como ponto de partida após o qual as intervenções devem ser realizadas com o consentimento expressado e informado da pessoa, através dos representantes legais da pessoa.
A lei, como é, não é forte o suficiente para proteger as crianças intersexo contra uma violação da sua integridade corporal.
A lei não estabelece como o conhecimento dessa "manifestação" da identidade de género de um menor deve ser estabelecida. Também não é necessário provar se a criança tem capacidade para consentir com essas intervenções médicas. Sendo assim esta lei pode nem proteger as crianças intersexo de intervenções médicas indesejadas ao não impor um limite legal à capacidade das crianças intersexo de consentir intervenções médicas invasivas e irreversíveis.
Como já foi dito antes, muitas intervenções diferidas em crianças intersexo são realizadas numa idade muito jovem. Existe um alto risco de responsáveis legais e médicos de pessoas intersexo declararem ou acreditarem que a identidade de género da criança se "manifestou", de modo a realizar intervenções diferidas e irreversíveis nas características sexuais da criança. As crianças dependem dos seus cuidadores e, portanto, são especialmente vulneráveis. É muito improvável que uma criança mais nova ou até mais velha se consiga defender, quando for pressionada por um "consentimento", ou seja capaz de realmente identificar informações tendenciosas, ou ausentes.
Tal como qualquer outra pessoa, indivíduos intersexo merecem os seus direitos humanos.
O desenvolvimento sexual humano é mais complexo do que tradicionalmente pensávamos e está tudo bem com nisso.
Pedro Valente, Estudante de Técnico de Apoio Psicossocial, ativista na área LGBTI, de inclusão, género e diversidade.
Fontes: ILGA Europe, ILGA Portugal, OII Europe e InterACT.