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A vitória dos direitos dos homossexuais na Índia é uma vitória global

Diogo Vieira da Silva e Guru Praksh.png

História foi feita, ou porventura corrigida, na semana passada pelo Supremo Tribunal da Índia, quando uma decisão Constitucional descriminalizou a lei arcaica nº377 do Código Penal indiano. Existem muitas dimensões morais, éticas e sociais com esta proclamação, que foram discutidas por vários intervenientes.

 

"A sexualidade deve ser interpretada como uma experiência fundamental através da qual os indivíduos definem o significado das suas vidas", observou o juiz Dhananjaya Y. Chandrachud na sua decisão. A orientação sexual diz respeito à individualidade de cada um/a, não havendo motivos para o Estado se meter dentro das nossas camas.

Existem vários aspectos positivos que saíram deste julgamento exaustivo e demorado. Foi, sem dúvida, estabelecido que a penalização anteriormente existente estava em contradição com as liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos.

O acórdão não se afastou de reconhecer o lapso da sociedade enquanto coletivo: “O véu da moralidade social não pode ser usado para violar direitos fundamentais, nem mesmo o de um único indivíduo... A secção 377... tornou-se uma arma para o ódio e o assédio a uma comunidade (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero), submetendo-os à discriminação e tratamento desigual.” afirmou a juíza Rohintan F. Nariman concluindo: “É evidente que os Artigos 14, 15, 19 e 21 da Constituição foram todos infringidos sem qualquer lógica legítima por parte Estado para justificar tal acção”.

Um dos autores deste artigo é oriundo da Europa Ocidental, Portugal, e como tal, sempre teve um grande fascínio pela Índia, pela sua cultura e sociedade milenar. Mas isso foi baseado principalmente em informações provenientes da televisão e internet. A verdade é que perspectivou a Índia como a mais diversificada e uma das regiões mais multiculturais do mundo, onde, apesar das diferenças e conflitos, foi possível criar diálogo e igualdade entre as pessoas.

No entanto, enquanto jovem gay e activista LGBT, estava ciente dos constrangimentos legais que oprimiam a comunidade e que eram usados para denegrir uma condição humana essencial: o direito de amar livremente.

Quando uma lei é injusta o correcto é desobedecê-la e foi isso que a comunidade LGBT na Índia fez nas últimas décadas. Ao criar visibilidade e ao lutar pelo direito de amar como querem, sem leis injustas ou moralistas. Essa luta foi recompensada e, como resultado, mais de mil milhões de pessoas podem celebrar a igualdade e espalhar esta vitória pelo mundo. A vitória que a Índia alcançou não foi apenas o proclamar de uma sociedade mais justa no seu país, mas também ajudará a espalhar uma onda de esperança por todo o mundo.

Mais de mil milhões de pessoas podem celebrar a igualdade e espalhar esta vitória pelo mundo.

Mudar a lei é apenas o primeiro passo em direção a um caminho de transformação mais penoso e demorado. Mudar mentalidade e quebrar preconceitos é um trabalho mais difícil e ingrato. E isso diz-nos respeito a todos, onde a responsabilidade individual de cada um faz a diferença no nosso futuro enquanto colectivo. Tal só é possível se tivermos esperança de que é possível as coisas mudarem gradualmente para melhor.

Somente uma democracia robusta como a Índia, com as suas instituições participativas, consegue permitir manter a esperança de concretizar esta reforma tão difícil.

Mudar a lei é apenas o primeiro passo em direção a um caminho de transformação mais penoso e demorado.

A Índia é a maior democracia do mundo. A sua posição estratégica influencia todo o Oceano Índico, bem como mais da metade da população mundial. E este mundo cada vez mais interconectado e globalizado, a justiça social está intimamente ligada ao crescimento económico e desenvolvimento.

Esta vitória vai ajudar a economia indiana a florescer ainda mais e é efectivamente uma descolonização da mente indiana. Afinal de contas, o código penal indiano foi concebido e codificado pelos colonizadores, o antigo império britânico, neste caso.

Da perspectiva de um cidadão do mundo, esta mudança concretizada pelo Supremo Tribunal da União Indiana é uma grande vitória e será comemorado por todo o mundo. Faz também com que um “outsider” do país desenvolva um fascínio ainda maior perante este território maravilhoso que é a Índia e vai obrigá-lo a reservar a sua primeira viagem para fazer uma visita. Porque quando a Índia melhora, o mundo melhora com ele.

Os direitos LGBT têm sido uma das principais preocupações do activismo global. Este acórdão abriu as portas para possibilidades infinitas. Outras democracias poderão inspirar-se no exemplo da Índia e terão um modelo didático para a luta reformista de leis arcaicas. Este é actualmente um dos melhores estudos de caso que podem ser apresentados mundialmente.

A descriminalização é resultado do estado de direito e da separação de poderes. O governo conscientemente não se opôs a esta decisão como em casos anteriores. O bom senso prevaleceu no sistema judiciário e os meios de comunicação social apoiaram o movimento ao longo desta jornada.

O respeito e percepção da Índia enquanto sociedade progressista e detentora de um sistema político moderno e democrático aumentará exponencialmente com este feito.

Dito isto, é preciso perceber que a Índia é ainda uma sociedade de castas. As conversas sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda é muito prematura. O país aceitou este último veredicto de braços abertos. E a sociedade só agora deu os seus primeiros passos de começar a sair do armário. Levará tempo para novas conquistas se concretizarem. A instituição família é ainda a pedra angular da sociedade indiana. Apesar de não poder haver conflito tangível entre a liberdade individual e as normas sociais, é aconselhável não antecipar nada, pois as sociedades democráticas tendem a evoluir com tempo.

 

Artigo de opinião originalmente publicado em inglês no site indiano LiveMint e escrito por Diogo Vieira da Silva, activista LGBTI em Portugal, e Guru Prakash, aliado LGBTI na Índia