De um modo geral os HSH que são abusados sexualmente tendem a não identificar este evento como violência sexual; e os que identificam acabam por não partilhar o que lhes aconteceu com receio de que não acreditem na sua história e de serem julgados por “se meterem a jeito”. Conclusão: muitos destes homens acabam por não procurar ajuda e por isso sofrem em silêncio. Vamos por partes.

Invisibilidade do abuso sexual entre HSH

Se a violência sexual ainda é um tema tabu, quando esta acontece entre homens que têm sexo com homens existem outros estigmas e preconceitos que promovem o silêncio das vítimas. Por exemplo, persiste a ideia errada de que entre HSH não pode haver abuso, pois “é assim que estes homens se relacionam sexualmente”. Além de errada, esta crença contribui para que o abuso sexual não seja identificado enquanto tal, nomeadamente se aconteceu no contexto de relações de intimidade. 

É preciso reconhecer que existe violência sexual entre homens que têm sexo com homens e que esta violência pode acontecer em vários contextos: relações de intimidade, namoro e casamento, dating e encontros amorosos ou casuais, cruising, experiências pontuais, sessões de chemsex, festas de sexo, saunas, clubes de sexo, apps de hookup, online, exploração sexual, trabalho sexual e prostituição. 

Para quebrar este manto de invisibilidade relativamente à violência sexual entre HSH, temos de falar abertamente e desconstruir os estigmas que assombram estes homens. Sabemos que em caso de vitimação, muitos destes homens temem serem recebidos com descrença e que não acreditem na sua história de abuso. Seja por parte de amigos e familiares ou por profissionais, o receio de que não vão acreditar nas suas palavras é uma realidade que remete estes homens para o silêncio e os impede de procurarem apoio. 

Na Quebrar o Silêncio, chegam-nos casos de HSH que partilharam a sua história de abuso com profissionais de saúde e psicologia e que receberam respostas desadequadas de desvalorização. Por exemplo, “São experiências normais entre homossexuais”, “Isso não é abuso, é você a experimentar diferentes dimensões da sua sexualidade” ou “Entre homens o abuso não tem assim tanta importância”. Pode parecer ficção, mas é a realidade que muitos HSH vítimas de violência sexual enfrentam. Por isso, é preciso clarificar que a violência sexual não é sexo e que não é uma experiência normal entre HSH. Temos de separar estas duas questões para não normalizar erradamente situações de abuso como se fossem experiências sexuais naturais de acontecer. Não são. Assim, é urgente reconhecer que não só existe violência sexual contra HSH como esta não é reconhecida como tal, passa despercebida e que isto impede que as vítimas peçam a ajuda de que necessitam.

Quebrar o Silêncio e procurar ajuda

Face a esta realidade, a Quebrar o Silêncio idealizou uma campanha específica para HSH. Criámos um guia que pode ser descarregado no link https://quebrarosilencio.pt/hsh para ajudar a identificar situações de violência sexual entre HSH e a facilitar a procura de apoio.

O guia aborda o que é a violência sexual, consentimento, as diferentes formas de abuso e em que situações e contextos podem acontecer, bem como o impacto e consequências desta forma de violência. No guia, é ainda possível conhecer quais os obstáculos à procura de apoio (como alguns dos exemplos que já abordei aqui neste texto), quais os direitos do homem vitimado e os serviços de apoio disponíveis.

Se ao ler o guia ou este texto se identificar com alguma das situações ou se tem dúvidas face ao que viveu, queremos que saiba que não está sozinho. Na Quebrar o Silêncio podemos ajudá-lo a compreender melhor o que aconteceu e a ultrapassar o impacto e as consequências do violência sexual. Independentemente das características do abuso ou daquilo que pode achar ter sido o seu envolvimento, não está sozinho. Sabemos que para um homem ou rapaz que foi vítima de violência sexual nem sempre é fácil compreender a sua história de abuso. É comum que tenha dúvidas sobre o  que se passou e sobre os seus próprios sentimentos. Pode marcar uma Sessão de Esclarecimento para apresentar as suas dúvidas, questões e receios. Muitos sobreviventes sentem que esta sessão lhes transmite segurança, pois sentem-se validados e ouvidos. Muitos compreendem que não estão sozinhos e que os seus sentimentos e questões são partilhadas por muitos outros homens. 

Contacte a Quebrar o Silêncio através da Linha de Apoio 910 846 589 ou do email apoio@quebrarosilencio.pt, estamos disponíveis para o receber. O apoio é gratuito e confidencial.

Ângelo Fernandes, Presidente da Associação Quebrar o Silêncio