Ângelo Fernandes: Je suis Orlando? Nem por isso.
Há ainda muito por comentar sobre o tiroteio em Orlando. Há temas que se misturam (crime de ódio vs crime à humanidade em geral) e outros que até se confundem (acesso e porte de armas nos EUA vs terrorismo). Mas há algo que me tem suscitado curiosidade: a ausência de iniciativas como a Je Suis Charlie.
Ao contrário da avassaladora mudança de fotos de perfil a apoiar o jornal satírico francês Charlie Hebdo, por comparação Orlando parece inexistente. A ausência é curiosa e questiono-me sobre qual será o motivo para isso acontecer. Há imensas causas para apoiar, e cada um tem o direito de se juntar à que preferir ou de não se juntar a nenhuma se o quiser. Mas no que toca a direitos humanos, haverá causas mais dignas do que outras?
Qual a implicação associada à mudança da foto de perfil para Je Suis Orlando? Estamos a demonstrar solidariedade pelas vítimas e famílias ou a comprar o “pacote inteiro”, apoiando também o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adopção de crianças e tudo o resto? Será que é essa ideia de envolvimento, com uma extensão quase desconhecida, que impede qualquer tipo de simpatia? Acredito que muita gente se sinta solidária com o massacre de Orlando, mas que ao mesmo tempo não esteja confortável em assumi-lo. Fazê-lo implica a possibilidade de discutir outros assuntos sobre os quais não tem opinião formada ou até discorda; e isso provoca conflito.
Muita gente diz não ter qualquer problema com a homossexualidade, “até tenho um amigo que é”, mas parece que existe ainda pudor em apoiar abertamente “os gays”. E enquanto sociedade parece que não estamos assim tão à vontade com o assunto. Se tem havido tanta exposição nos media sobre este caso, onde está a solidariedade para com Orlando? Terão as 49 vidas perdidas neste tiroteiro um valor inferior?
Ângelo Fernandes, artista 3D, faz voluntariado num grupo LGBT em Manchester, Reino Unido.