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"António Variações: Fora de Tom": Mais do que uma biografia, uma ode à autenticidade

António Variações livro Fora de Tom

"António Variações: Fora de Tom" é a décima nona publicação da colecção Grandes Vidas Portuguesas, direccionada a jovens e editada pela Imprensa Nacional, que dá a conhecer personalidades portuguesas de relevo dos mundos artístico, político e literário.

O texto de Inês Fonseca Santos e as ilustrações de Mantraste funcionam em perfeita simbiose para transmitir a essência colorida, simultaneamente cosmopolita e rural, irreverente e reservada de Variações.

“Porque eu não sei/ se me quero polir/ também não sei/ se me quero limar”. É assim que começa esta curta biografia ilustrada, nas próprias palavras do artista e reiterando a tensão constante entre a expressão autêntica da identidade e a pressão social para se tornar mais palatável ao olhar do mundo exterior. Ao longo do desenrolar do texto, desenha-se um retrato de um artista emergente, sem educação musical formal, mas cheio de talento bruto, que ora foi celebrado pela sua originalidade ora desprezado como estando fora de tom (e de ritmo).

Texto e imagem andam de mãos dadas de modo a procurar a verdadeira essência do legado de António Variações, arriscando a definição de que “este nome seria a definição encontrada por quem procurasse o significado de excecional e livre, de paixão e revolução, de cor e canção”. As ilustrações fazem jus à definição apresentada, representando a paixão no canto, a melancolia no olhar, a expressão irreverente e o provincianismo. O tema recorrente da dualidade, da auto-representação e do paradoxo entre liberdade e prisão das normas sociais recomenda-nos visualmente e textualmente que não caiamos na falácia de romantizar a vida do artista incompreendido. A mágoa, trazida quando a sua mera existência o coloca em conflito com uma sociedade conservadora que não aceita a sua forma mais autêntica de expressão, é inseparável da trajetória do artista.

Esta biografia não será a leitura indicada para quem procure ficar a conhecer todas as particularidades biográficas de António Variações, embora sejam destacados alguns momentos-chave como a participação no programa Passeio dos Alegres, com Júlio Isidro. É, no entanto, uma bonita ode à autenticidade, celebrando um ícone LGBT que nos deixou apenas uma fracção do seu talento e potencial. Deixa-nos também sempre um toque de mágoa dupla pela sua morte precoce e solitária, uma das primeiras vítimas documentadas de SIDA em Portugal, e pela falta de aceitação por uma sociedade que não se encontrava (e não se encontra ainda hoje) preparada para acolher de braços abertos alguém que não se conformava com as fronteiras rígidas da expressão artística e de género de cada um. 

Por fim, é de salientar a importância de escrita juvenil que dê a conhecer personalidades fora do cânone cis-hetero como parte integrante da nossa história. Personalidades e vidas, incluindo vozes historicamente marginalizadas, que moldaram a nossa política e cultura e assim contribuíram para a tapeçaria humana portuguesa pela sua originalidade, coragem e talento. Utilizemos este lembrete para celebrar a vida e obra de António Variações, nunca esquecendo que a homofobia não é um artefacto do passado. 

 

Cláudia Almeida