Este é um livro de textos vários. Um livro que resulta de um conjunto de ensaios produzidos por Ana Luísa Amaral enquanto académica, investigadora e escritora comprometida com as questões Queer; Feministas e com os Direitos Humanos. Um livro que reflecte a sua paixão e curiosidade pelo propósito da poesia, do poder e fragilidade que reside na arte das palavras, da revelação da materialidade do sujeito literário que não apenas o “universal” masculino e da necessidade de questionamento do cânone literário assente na diferenciação sexual: homem/mulher; poeta/poetisa; delimitadores da identidade do sujeito poético e da própria criação artística. Esta é, sobretudo, uma peça ensaística que se debruça sobre o valor da poesia e literatura enquanto espaço privilegiado para a desconstrução do conceito plástico, fragmentado e transitório de identidade; das relações camaleónicas entre corpo, género, sexo e sexualidade e a sua ressonância com o campo subversivo das palavras, por via de uma crítica literária queer-feminista.

É com arguta agilidade que Ana Luísa Amaral articula a crítica queer-feminista em torno do corpo e da criação poético-literária enquanto gesto ético de ver o mundo e dos novos sentidos e possibilidades de fazer a identidade, a cultura e a ordem social. Trazendo ao longo dos diferentes capítulos exemplos concretos de novas formas de criação poética, seja através da poesia portuguesa (Maria Teresa Horta; Maria Isabel Barreno; Maria Velho da Costa; Luiza Neto Jorge; Mário Cesariny; Sophia de Mello Breyner Andresen; Adélia Prado) ou alóctone (Emily Dickinson; Alfonsina Storni, Vinicius de Moraes, William Blake, T.S. Eliot; William Wordsworth), Ana Luísa Amaral, mostra-nos o poder político da poesia no desafio à autoridade ideológica, do uso da imaginação como instrumento de resistência ao medo, do carácter situacional e transformativo da sociedade humana. Através de uma lente queer-feminista lembra-nos para a necessidade de “destabilizar” dualismos que são delimitadores da materialidade do corpo, da língua e dos discursos institucionais, que não apenas nos moldam como nos limitam.

“Mais importante do que tentar descobrir o que é tradicionalmente considerado “feminino” ou “masculino”, seria talvez reflectir sobre o fundamento e os processos imaginativos e ideológicos que presidem à construção desse feminino ou masculino no tecido poético." (p.46)

“Arder a palavra e outros incêndios" foi obra vencedora em 2018 do Prémio de Ensaio Jacinto Prado Coelho e do Prémio Internazionale Fondazione Roma: Ritratti di Poesia. Coautora do Dicionário de Crítica Feminista" (2005) e coordenadora da edição anotada de "Novas Cartas Portuguesas" (2010), Ana Luísa Amaral conta com mais de três dezenas de livros publicados e traduzidos nas mais diferentes línguas e países do globo. Entre poesia, teatro, ficção e literatura juvenil, a autora que nos deixou precocemente no passado mês de Agosto de 2022, aos 66 anos, tem no seu espólio literário a garantia de reconhecimento de uma voz que, cantando poesia, perdurará no tempo.

ISBN: 9789896417949

Editor: Relógio D’Água

Páginas: 288

Preço: 19€

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.