Ary dos Santos: O poeta da liberdade
Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
--- o meu amigo está longe
e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!
--- o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade é bastante!
Ary dos Santos
Poeta e declamador, José Carlos Ary dos Santos nasceu a 7 de Dezembro de 1937, em Lisboa, no seio de uma família da alta burguesia. Cedo se notabilizou na poesia, tendo vencido o seu primeiro concurso literário aos 14 anos, altura que viu também publicados pela primeira vez alguns dos seus poemas. Aos 16 anos Ary dos Santos saiu de casa e começou a trabalhar para se sustentar, afastando-se da família.
Assumidamente homossexual, a sua orientação sexual está longe de ser o tema central da sua escrita, notando-se apenas em alguns exemplos como O meu amigo está longe. Nos versos de Ary lemos acima de tudo a reivindicação pela liberdade, a denúncia e a resistência. Era um claro activista contra o Estado Novo e após a revolução do 25 de abril de 1974 envolveu-se fortemente no processo democrático, tornando-se inclusive afiliado do Partido Comunista Português.
Publicou diversos livros de poesia, mas foi nas canções que mais se notabilizou, tendo escrito mais de cem letras para músicas. Dessas destacam-se duas que foram levadas ao Festival RTP da Canção, Desfolhada interpretada por Simone de Oliveira em 1969 e Tourada interpretada por Fernando Tordo em 1973. O autor trabalhou ainda com outros nomes sonantes da música como Amália Rodrigues, Carlos do Carmo e Paulo de Carvalho.
Ary dos Santos trouxe à música e à poesia da época uma dimensão nova e um alcance político e social inovador. A exemplo disso temos a letra de Tourada que passou incólume pelo lápis azul da censura mas que é um claro exemplo de reivindicação contra o regime; e poemas como As Portas que Abril Abriu e Tríptico do Trabalho.
José Carlos Ary dos Santos faleceu a 18 de Janeiro de 1984, aos 46 anos. Poeta do povo e de causas, as suas obras mantêm-se até hoje como exemplos de liberdade e resistência. Foi, para a sua época, um vanguardista nato, incontornável poeta e letrista e que desmistificou, à sua maneira, muitos preconceitos. Era um homem directo e arrojado, que não temia dizer o que precisava de ser dito.
Anabela Risso