As redes sociais e a cultura digital na saúde mental da comunidade LGBTQIA+
As redes sociais transformaram o mundo, permitindo que nos conectemos e compartilhemos experiências de forma instantânea e global. Para a comunidade LGBTQIA+, elas têm sido, ao mesmo tempo, uma salvação e uma fonte de sofrimento. Como psicóloga, acredito que é fundamental compreender os dois lados dessa moeda digital, especialmente quando falamos de saúde mental.
Visibilidade e Apoio: um refúgio de aceitação
Nas redes sociais, muitas pessoas LGBTQIA+ encontraram, pela primeira vez, um espaço onde podem ser elas mesmas. Em plataformas como Instagram, TikTok e Twitter, a comunidade tem uma voz e uma visibilidade sem precedentes. Aqui, o poder da representação é palpável — ver outras pessoas como elas, partilhando histórias de luta e resiliência, oferece apoio emocional e validação.
Grupos de apoio online, como fóruns e páginas dedicadas a questões LGBTQIA+, permitem que pessoas de todas as partes do mundo se conectem e criem laços que talvez não encontrassem em ambientes físicos. Para muitos jovens, especialmente aqueles que vivem em áreas mais conservadoras ou enfrentam rejeição familiar, estas plataformas são um verdadeiro refúgio. Elas oferecem um espaço seguro onde a identidade pode ser celebrada e onde os desafios enfrentados pela comunidade são compreendidos e discutidos com empatia.
O outro lado: Cyberbullying e discursos de ódio
Infelizmente, o lado negativo da cultura digital é inegável. Ao mesmo tempo que as redes sociais oferecem suporte, também expõem a comunidade LGBTQIA+ a um fluxo constante de cyberbullying e discursos de ódio. A internet pode ser um terreno fértil para a propagação de preconceitos e desinformação. Em Portugal, assim como em muitos outros países, jovens LGBTQIA+ relatam episódios frequentes de assédio online, que vão desde comentários maldosos até ataques coordenados de trolls e campanhas de ódio.
Esse ambiente tóxico pode intensificar problemas de saúde mental. Estudos mostram que pessoas LGBTQIA+ são mais propensas a sofrer de ansiedade, depressão e pensamentos suicidas como resultado de discriminação e bullying digital (EducationNC). A exposição repetida a conteúdos de ódio, sem uma rede de apoio eficaz, pode criar uma espiral de solidão e desespero, especialmente para jovens que ainda estão a tentar entender e afirmar a sua identidade.
Autolesão e ideação suicida: o preço da exposição
Um dos aspectos mais alarmantes é o aumento de comportamentos auto lesivos entre jovens LGBTQIA+ que enfrentam assédio online. A dor emocional causada pela rejeição e exclusão muitas vezes manifesta-se em formas físicas, e muitos jovens acabam por recorrer à autolesão como um mecanismo de coping. Infelizmente, em casos mais graves, essa vulnerabilidade pode levar à ideação suicida.
Aqui, o papel das redes sociais torna-se ainda mais complicado: enquanto muitas vezes são a fonte do problema, elas também podem ser parte da solução. Existem inúmeras comunidades online que oferecem apoio a jovens em crise, com linhas de ajuda e recursos para pessoas LGBTQIA+ em situações de emergência. No entanto, a falta de regulamentação e o controle insuficiente sobre discursos de ódio nessas plataformas continuam a representar um desafio significativo para a saúde mental da comunidade.
O equilíbrio entre conexão e protecção
Então, como podemos aproveitar os benefícios das redes sociais sem cair nas armadilhas da toxicidade online?
Como profissional de saúde mental, acredito que há formas práticas de mitigar os efeitos negativos das redes sociais. Aqui estão algumas dicas que recomendo:
- Limitar o tempo de exposição
O consumo constante de conteúdos nas redes pode aumentar o stress e ansiedade. Estabelecer limites de tempo diários para as redes sociais é uma forma de manter uma relação saudável com a tecnologia. Sugiro usar ferramentas de monitorização de tempo, como a função “Tempo de Ecrã” nos smartphones, para regular o tempo online.
- Criar espaços seguros online
Curar as tuas redes sociais é essencial. Segue páginas e perfis que promovam positividade, inclusão e apoio emocional. Evita perfis ou grupos que propaguem discurso de ódio, e denuncia conteúdos nocivos sempre que necessário. Rodeia-te de contas que tragam bem-estar e motivação.
- Desenvolver habilidades de coping
A prática de técnicas de mindfulness pode ser útil para aliviar a pressão causada por interações negativas online. Exercícios como respiração profunda e meditação ajudam a reduzir o impacto emocional das redes e a melhorar a capacidade de lidar com o stress.
- Procurar apoio em redes de confiança
Se sentires que estás a ser afectado negativamente pelo ambiente online, é importante falar com amigos, familiares ou um profissional de saúde mental. As redes de apoio, quer digitais, quer presenciais, desempenham um papel essencial na resiliência emocional. Não hesites em procurar ajuda.
- Desligar-se para recarregar
Fazer pausas regulares das redes sociais é essencial para a saúde mental. Desligar-se por alguns dias ou semanas pode ser revitalizante e permitir que te foques em actividades offline que te trazem alegria e calma. Recomendo a prática de hobbies como leitura, exercício físico ou arte.
Ao seguir estas dicas e estar atento aos efeitos das redes, é possível construir uma relação mais saudável com a cultura digital.
A jornada pela saúde mental e auto-aceitação nas redes sociais não precisa ser solitária. Procura apoio, limita a tua exposição ao negativo e foca-te no positivo. Afinal, as redes sociais são aquilo que escolhemos fazer delas.
Letícia David, Psicóloga