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Nem na mata se encontram histórias assim

Baldwin na voz de John Grimes, um negro e queer em tempos de segregação racial

Se o disseres na Montanha de James Baldwin

O romance "Se o Disseres na Montanha", publicado em 1953, é a obra que introduziu James Baldwin como um escritor visionário e um filósofo das complexidades raciais e sexuais na América do século XX. Através deste romance inaugural, Baldwin não só estabeleceu o tom para a sua obra, mas também desafiou as convenções literárias da época, tornando-se um clássico incontornável da literatura americana. Baldwin cresceu em Harlem e foi profundamente influenciado pelo ambiente cultural e social que o Renascimento do Harlem ajudou a moldar. O Renascimento do Harlem foi fundamental para estabelecer uma nova maneira de expressão e auto-consciência para os afro-americanos, abordando temas de identidade racial, opressão, e liberdade, que Baldwin também explora intensamente em suas obras.

 

O protagonista do romance, John Grimes, um adolescente de quase catorze anos do Harlem de 1935, é uma figura emblemática das tensões e dilemas enfrentados por muitos jovens afro-americanos. Enquadrado na véspera de um sermão crucial, John encontra-se numa encruzilhada que simboliza tanto uma crise existencial quanto uma epifania espiritual e pessoal. Conflitos internos e a pressão de seguir os passos do padrasto, ministro da Igreja Pentecostal, delineiam o drama central de John, espelhando as lutas mais amplas contra a segregação racial e a opressão intergrupal.

Baldwin, numa prosa que nos põe na cabeça de John, tece a narrativa que  mistura a precisão lírica e o simbolismo, onde a fúria e a compaixão se entrelaçam para espelhar as batalhas internas e externas de John. Este personagem torna-se, portanto, não apenas um símbolo da juventude negra, mas também de questões queer, pois ele luta para definir sua própria identidade num mundo que frequentemente procura marginalizá-lo e defini-lo.

Aquilo que John vê, testemunha são o mote para elaborar possibilidades éticas e poéticas, comuns aos adolescentes de todas as gerações. Ao fazer isso, ele não apenas enriqueceu a literatura americana com novas perspectivas, mas também ajudou a moldar a maneira como os americanos se viam a si mesmos e aos outros. A inclusão e exploração das identidades queer na narrativa desafiaram as normas sociais e proporcionam uma visibilidade crucial para as questões das expressões da sexualidade, do afecto e do cuidado  dentro da comunidade afro-americana.

Para a comunidade afrodescendente queer em Portugal, a obra de Baldwin oferece uma fonte de inspiração e uma referência literária crucial. Num país onde a discussão sobre raça e identidade sexual ainda está em construção, "Se o Disseres na Montanha" pode servir como um poderoso gatilho sobre a importância da escuta das experiências dos jovens queer, especialmente aqueles de descendência africana e em ambiente pós-colonial. A luta de John por autenticidade e liberdade ressoa profundamente nos dias de hoje, nas celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, incentivando um diálogo continuado sobre a intersecção da raça, sexualidade e identidade.

Para a comunidade afrodescendente queer em Portugal, a obra de Baldwin oferece uma fonte de inspiração e uma referência literária crucial. Num país onde a discussão sobre raça e identidade sexual ainda está em construção, "Se o Disseres na Montanha" pode servir como um poderoso gatilho sobre a importância da escuta das experiências dos jovens queer, especialmente aqueles de descendência africana e em ambiente pós-colonial.

"Se o Disseres na Montanha" de James Baldwin não é apenas um marco literário por sua exploração da segregação racial e identidade queer; é também um convite para reflectir sobre como essas questões se entrelaçam de forma complexa e profunda. A obra de Baldwin pode ser extremamente valiosa para discussões em sala de aula, chats de conversação ou como uma ferramenta de análise pessoal em momentos de dificuldade. Porque como cantam Marvin Gaye e Tammi Terrell: Ain't No Mountain High Enough!! 

 

 

Se o disseres na Montanha de James Baldwin

Tradução: Isabel Lucas

Editora: Alfaguara Portugal

edição portuguesa de 2009

Recensão Crítica de André Soares