Carta ao meu amor, ao meu abismo
Dorme em mim, amor, no silêncio aberto dos meus braços, onde a noite não teme o escuro e o vento não ousa soprar.
Escrevo-te com os dedos trémulos, a alma em carne viva, o coração ferido, mas ainda a pulsar por ti. Como pode um amor tão grande caber num peito que se sente cada vez mais atrofiado? Como pode o fogo que acendemos juntos arder tanto dentro de mim, enquanto vejo em ti a sombra de desejos que não me pertencem? Podem dois homens amarem-se?
Dorme em mim, amor, aqui, onde o tempo se rende, onde o teu rosto repousa no colo da paz, onde o meu peito se torna o teu ninho e cada batida é um sussurro de eternidade.
Amo-te, como um artista ama a sua última obra, como um poeta ama o silêncio antes do verso, como o mar ama a lua mesmo sabendo que nunca a poderá tocar. Amei-te nos bilhetes que escondi nos teus bolsos, nas surpresas que enfeitei com o brilho dos meus olhos, nos jantares em que cozinhei de esperança. Amei-te nas noites em que esperei que me viesses de encontro, sem máscaras, sem fugas. Mas, amor, onde estavas tu? Podem dois homens amarem-se?
Dorme em mim, amor, sem ruídos, nem sombras errantes, somente o lume que acendemos, no mapa perfeito dos nossos braços, um quadrado onde o mundo se cala. Um quadrado de braços. O nosso quadrado Roma.
Vejo-te em esquinas escuras, em silêncios que escondem mais do que dizem, em promessas que se desfazem antes mesmo de nascerem. Vejo-te no reflexo de um desejo que não me inclui por inteiro, numa fome que parece insaciável. A fome de outros corpos é carnal ou animal? Vejo-te num impulso que te leva para longe, quando tudo o que eu queria era que viesses para perto. Para dentro. Para nós. Podem dois homens amarem-se?
Dorme em mim, amor, se os teus olhos não se distraírem em corpos estranhos, se não cederes aos ecos de fora, a chama não se apagará, o amor será casa, será templo, será nós.
Sei que o teu coração pinta amor nessa tela que já não é vazia, mas que de alguma forma talvez eu nunca compreenda. Sei que há um pedaço teu que é meu, mas será suficiente um pedaço, quando eu te dou o meu todo? Quando me deito ao teu lado, dou-te o meu corpo, a minha alma, a minha verdade nua e crua. E os braços são o nosso quadrado, no teu rosto em mim, e na dança dos nossos pés na cama. Quero-te inteiro. Quero-te sem sombras, sem portas entreabertas, sem segredos guardados nos bolsos do teu olhar. Podem dois homens amarem-se?
Dorme em mim, amor, sem medos, sem fugas, como um rio que se funde no mar, pois nos meus braços, amor, não há tempestades, apenas o teu lar.
Por isso, amor, escolhe-me. Não como um intervalo, não como uma segurança, não como como um porto de abrigo, mesmo quando os teus passos se perdem. Escolhe-me como eu te escolhi. Escolhe-me completamente. Com coragem. Com verdade. Com tudo. Porque a fuga e a entrega de partes tuas a outros braços, parte os ponteiros enferrujados e congela os meus braços. Podem dois homens amarem-se?
Dorme em mim, amor, antes que o frio me desenhe de neve.
Do teu
Peter