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Chanelazo: o ano em que Espanha ganhou a Eurovisão

Pedro Leitão

Não há margem para dúvidas: a Ucrânia é o país vencedor da edição deste ano do Eurovision Song Contest (ESC). Seguiram-lhe na votação final o Reino Unido e, só depois, os nossos vizinhos espanhóis.

Mas na Eurovisão, como se sabe, tão importante como o pódio é a festa. E nesse campeonato as contas são outras.

O ano da guerra. Este texto já vem com um atraso considerável. A temporada eurovisiva terminou há duas semanas mas, com o início do mês do Orgulho, algumas das canções apresentadas nas finais de Turim voltarão para animar festas e marchas. E talvez nem sejam as que conquistaram mais pontos na votação oficial, numa edição do festival que foi sobretudo marcada pela guerra na Ucrânia. A beleza da ESC está nessa receita que mistura música e espectáculo, mas também a actualidade política, as simpatias geográficas, a pressão dos aficionados, as polémicas do momento. Por efeito da guerra, a política revelou-se o “ingrediente” dominante em 2022. Desde a exclusão da Rússia e da Bielorrússia da competição logo no início do conflito que este resultado era previsível. Na véspera da grande final, as casas das apostas atribuíam ao tema ucraniano uma probabilidade de vencer de 60%, a maior alcançada nos últimos anos. “Stefania”, apesar não ter sido pensada na situação actual, passou a ser vista como uma canção de resistência contra o invasor. O concorrente de Israel chegou mesmo a apelar ao voto na Ucrânia, afirmando que o país must win everything!

O regresso a Benidorm. Mas 2022 é também o ano em que Espanha voltou a encantar-se com a Eurovisão. A sua primeira grande conquista foi a invenção de um ESC doméstico de inesperado sucesso, o Benidorm Fest. Depois de anos de experimentação no que se refere ao modo de selecção do candidato nacional – que incluiu concursos televisivos, grandes galas de apuramento, ou a simples deliberação do júri interno da RTVE – tudo indica que se chegou finalmente a um formato consensual, ainda que a ponderação das diferentes categorias de votação (júri interno, televoto e o bizarro “voto demoscópico”, no fundo um colégio eleitoral representativo da diversidade regional e social espanhola) se mantenha alvo de controvérsia. Entre 1959 e 2006, Benidorm foi casa de um “Festival Internacional de lá Canción”, criado à imagem do Festival de Sanremo. Inspirado na vocação eurovisiva do seu congénere transalpino, numa decisão a que não são alheias as boas prestações recentes de Itália, surge este novo festival ao qual a RTVE concede a prerrogativa de fazer da canção vencedora a candidata de Espanha à ESC. A enorme popularidade do evento levou a que as autoridades locais viessem entretanto anunciar uma expansão da capacidade do recinto e a criação de uma Benidorm Village, à semelhança do evento principal.

Y no se confundan / veñen pra quedar / sacando un pecho fuera. Como acontece no palco europeu, também aqui estiveram presentes as habituais querelas estilísticas que fazem parte do colorido e rico genoma da Eurovisão. As claques instalaram-se nas trincheiras da canção como bandeira política, como espectáculo ostentoso ou como expressão da identidade regional, apenas para nomear as mais aguerridas, e defrontaram-se com acinte. As opiniões inflamaram-se quando se revelou a preferência de cada uma das categorias de votação por candidatos distintos, numa polémica que envolveu acusações de compra de votos e que até foi debatida no Congresso dos Deputados. No final, tanto Rigoberta Bandini como as Tanxungueiras, segunda e terceira mais votadas, podiam agradecer ao evento pela enorme projecção mediática que possibilitou um salto estratosférico nas suas carreiras. Mas vencedora do Benidorm Fest solo existe una, no hay imitaciones, e essa é Chanel.

Chanelazo em Turim. Espanha pode não ter recebido a coroa mas levou para casa o prémio de melhor festa. As longas semanas de preparação até Turim, sempre em crescendo, deram a Chanel Terrero o palco e o tempo para converter “SloMo” num dos “temazos” do ano. A sua coreografia de videoclipe foi imitada no TikTok e no Instragram, em bares, discotecas e festas por toda a parte. Frases da canção foram usadas numa avalanche de memes. Espanha estava tão confiante na vitória em Turim que, dias antes da final, já várias cidades espanholas, entre a quais Madrid, Barcelona, Valência, Torremolinos ou a própria Benidorm, tinham manifestado a sua vontade em acolher a ESC em 2023. Também o público português atribuiu os seus doze pontos a Chanel, uma acção que, por não ter sido correspondida, levantou novamente a questão da subserviência face ao nosso vizinho peninsular (egos nacionais feridos, outra tradição eurovisiva). “SloMo” não subiu ao primeiro lugar mas isso não importa. “Fuego” de Eleni Foureira, ou “Soldi de Mahmood, apenas para dar alguns exemplos recentes, também não, mas isso não impediu que continuassem a ser tocadas, e hoje talvez o sejam mais que os vencedores dos respectivos anos. 

Depois da Eurovisão, o Orgulho. Em Junho tem início um circuito de eventos e de festas em que a visibilidade conquistada na Eurovisão é prolongada por meses (ou anos), alcançando novos públicos e níveis de popularidade. As grandes festas do Pride – do Orgullo, melhor dizendo – com as de Madrid à cabeça, contam sempre com a presença de estrelas eurovisivas nos seus palcos. Mas aqui os favoritos podem divergir do ranking oficial da ESC, numa escolha que é feita pela própria comunidade LGBTI+. Os concorrentes à ESC, conhecendo a importância desse público, apresentam-se a concurso vendo para lá das finais de Maio, como pré-candidatos a essa tournée pelos Prides espanhóis e europeus. Este ano, para além de Chanel, já se percebe que o representante da Roménia será um dos seleccionados. Ainda antes de Turim, tinha já sido chamado a Madrid e Barcelona para interpretar “Llamame” (não por acaso, parcialmente cantada em castelhano) em várias festas para o público gay. Outros candidatos improváveis foram acolhidos nos mesmos braços em anos anteriores. É o caso da portuguesa Suzy que, em 2017, foi convidada a actuar no World Pride na capital espanhola ao lado da candidata de Espanha em 2014, Ruth Lorenzo, e da vencedora dessa edição, Conchita Wurst. Lembro que nessa altura já tinham passado três anos desde que “Eu quero ser tua” foi apresentada na ESC e que a canção nem sequer chegou à final. Prova de que aqui não há júri que interfira – é a comunidade que decide quem faz a festa no seu Orgulho.

2022 foi o ano em que a festa eurovisiva regressou a Espanha, um país que no passado recente não podia reclamar grandes motivos de satisfação nesse campeonato. Com a invenção do Benidorm Fest, acrescentou-se um novo marco no calendário de todos os fãs da ESC, que tem ainda a vantagem de estender a temporada festiva por quase quatro meses. Na cidade alicantina apresentaram-se canções que reflectem a mesma diversidade e colorido musical que encontramos no evento principal. Mas foi a explosiva Chanel que levou a Turim uma performance que conquistou o público LGBTI+ europeu e, em particular, o público ibérico. Como ela, também “SloMo” alcançará um lugar de destaque nas playlists do Pride de 2022. A Eurovisão já terminou mas a festa ainda não, e nas próximas semanas não conseguiremos evitar uma irresistível vontade de dançar quando ouvirmos aquele início electrizante    Let’s go! Llegó la mami, la reina, la dura…

 

Pedro Leitão