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Chemsex, redução de riscos e acompanhamento clínico durante a pandemia

Cristiana Vale Pires e Filipe Couto Gomes

Praticantes de chemsex e equipas de saúde ligadas a uso de substâncias psicoactivas, saúde sexual, saúde mental e prevenção de violência de género vêm notando, a par da sua popularização, que é fundamental tornar acessíveis informação e estratégias que permitam práticas mais seguras.

Entre estas, refira-se os cuidados relativos às doses e vias de consumo, a capacidade de negociar o uso de métodos profilácticos, o acesso aos mesmos (preservativos, outros materiais, profilaxia medicamentosa), o rastreio e tratamento precoce de infecções decorrentes das práticas, a adequada assistência na intoxicação grave, a intervenção ao nível da violência sexual e o apoio nas dificuldades de tipo aditivo. Em resposta à acelerada pandemia do novo coronavírus, a necessidade de distanciamento físico impôs o encerramento de bares, discotecas, saunas e centros comunitários, condicionando marcadamente a possibilidade de encontros sexuais, uso de substâncias psicoactivas, acesso a serviços de saúde preventiva e socialização entre pares. A isto se acresce a perda de actividades promotoras da regulação emocional, como o contacto social, o trabalho, o exercício físico e as rotinas. Se este é, por um lado, um contexto que favorece a solidão e o enfraquecimento da rede social, por outro, não significa que ninguém está a fazer chemsex. Desfavorecendo alguns modos de organizar as práticas, o distanciamento físico favorece outros, como os encontros em residências particulares, mobilizados online, e as práticas a solo com conexão por webcam a outros participantes. Por outro lado, algumas pessoas que fazem chemsex podem ter dificuldade em parar (por ex., para cumprir indicações de distanciamento físico e confinamento) ou pela abrupta suspensão no acesso a substâncias e/ou a parceiros sexuais.

 

Algumas pessoas que fazem chemsex podem ter dificuldade em parar (por ex., para cumprir indicações de distanciamento físico e confinamento) ou pela abrupta suspensão no acesso a substâncias e/ou a parceiros sexuais.

A transmissão do novo coronavírus dá-se através de boca, nariz e olhos, após contacto com gotículas emitidas pela pessoa infectada ou depositadas em objectos e superfícies. Será difícil que num encontro sexual se garanta a protecção necessária a evitar a transmissão. O uso e partilha de parafernália será um factor adicional de transmissão. Ao SARS-Cov-2 acrescem os riscos já referidos, que não deixaram de existir. A dificuldade no acesso às substâncias pelas vias habituais, as restrições legais que determinam distanciamento físico, a diminuição do pool de parceiros possíveis, a diminuída resposta dos serviços de saúde e o consumo a sós, podem representar riscos acrescidos para as práticas de chemsex. Por esse motivo, as estratégias de intervenção e as mensagens de redução de riscos têm vindo a adaptar-se à brusca mudança de set (estado mental) e de setting (contexto). A generalidade dos  serviços suspendeu parte da sua actividade; em compensação, existem respostas de apoio psicológico à distância, já existentes ou agora criadas.

A generalidade dos  serviços suspendeu parte da sua actividade; em compensação, existem respostas de apoio psicológico à distância, já existentes ou agora criadas.

Quando se faz chemsex, é hoje ainda mais importante que se procure reduzir os riscos associados. Aqui deixamos algumas recomendações:

  • Suspender temporariamente os encontros sexuais presenciais. Apesar da centralidade do contacto humano na estimulação sexual, tem em conta que a voz, as fotografias, a pornografia e a imaginação são também activadores sexuais poderosos. Aproveita para explorar o teu corpo de outra forma.
  • Este pode ser um bom momento para explorar modalidades de engate, sexting ou práticas sexuais através de plataformas digitais, incluindo chat e webcam, No entanto, mantém-te atento a riscos e não deixes que te gravem sem o teu consentimento.
  • Informa-te sobre os riscos das substâncias que pretendes consumir e formas de os reduzir. No contexto actual, os consumos tendem a ocorrer em isolamento, pelo que é fundamental começar por pequenas doses e informar alguém da tua confiança do que pretendes fazer. Para além disso, é importante teres em conta que os mercados de drogas estão a ser afectados pelas medidas de contenção da actual pandemia, pelo que pode haver mudanças ao nível das substâncias em termos de acessibilidade, pureza e adulteração. A este respeito, a Kosmicare está a desenvolver uma investigação para analisar as alterações ao nível dos padrões de consumo e dos mercados de drogas decorrentes das medidas de contingência actuais. Contribui para este estudo preenchendo este questionário.
  • Procura conectar-te com outras pessoas. As medidas de isolamento social são particularmente angustiantes para quem já coabitava com sentimentos de isolamento e solidão. As apps de hook-up podem continuar a ser utilizadas nesta fase para facilitar o contacto com outras pessoas.
  • Se continuas a ter encontros sexuais presenciais, é importante que limites o número de pessoas com quem te encontras e que evites práticas em grupo. Apesar de não haver evidência de que a covid-19 seja transmissível por fluidos sexuais, é fundamental ter algumas medidas de auto-cuidado: evitar beijos e contactos faciais, lavar as mãos e os brinquedos sexuais durante 20 segundos com água e sabão.

 

É importante que se possa aceder a acompanhamento clínico em Saúde Mental quando se sente que a vida sexual é insatisfatória, que se perdeu controlo sobre as práticas, que não se está a conseguir diminuir riscos associados ao chemsex ou, no decurso ou previamente ao chemsex, que se tem dificuldades quanto ao seu bem-estar mental ou na relação com outras pessoas. O que é particular no contexto de chemsex é que, para uma adequada intervenção clínica, as equipas terapêuticas devem ter formação e experiência tanto na abordagem de dificuldades aditivas como sexuais. Concomitantemente, importa que sejam competentes face à diversidade sexual, de género e relacional, numa perspectiva afirmativa - i.e., desobedecendo às normatividades - e incluindo a abordagem das experiências de discriminação, auto-estigma ou vitimação. Note-se ainda que são frequentes, nas pessoas que fazem chemsex e que procuram ajuda clínica, dificuldades emocionais e sexuais associadas a viver com VIH ou ao risco de infecção. Por fim, saliente-se que é essencial aproximar os serviços destas pessoas, assegurando que vão encontrar espaços seguros, empáticos e em sintonia com a sua experiência.

Em contingência pela pandemia, os serviços de Comportamentos Aditivos estão a restringir as consultas presenciais, os internamentos de desabituação e as admissões em comunidade terapêutica, de modo a prevenir a transmissão de infecção entre utentes e profissionais. No entanto, as equipas continuam activas, em regime de telesaúde, mantendo acompanhamentos psicoterapêuticos, tratamentos medicamentosos e referenciação de crises e emergências.

 

Rede de Referenciação em Chemsex em Lisboa

A campanha sobre chemsex promovida pela Kosmicare em parceria com o GAT-Checkpoint Lx e financiada pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências e pela Câmara Municipal de Lisboa, teve início em 2019 e foi o mote para criar uma plataforma entre serviços com interesse por este tema, permitindo a inter-referenciação entre equipas e a colaboração na formação a outras/os profissionais e elementos comunitários. Desta Rede de Referenciação sobre Chemsex em Lisboa fazem actualmente parte a Kosmicare, o GAT Portugal pelo seu centro CheckpointLX, a Associação Quebrar o Silêncio e técnicos do DICAD-ARSLVT (Departamento de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo). Estas entidades continuam parte da sua actividade durante a actual fase da pandemia:

  • Kosmicare - Material de redução de riscos no uso de substâncias psicoactivas, serviço de drug-checking: WhatsApp 911185758; contact@kosmicare.org  Teleconsulta de apoio psicológico e redução de riscos: consultas@kosmicare.org 
  • CheckpointLX - Telemedicina em infecções sexuais com avaliação de sintomas e prescrição de tratamento; informação sobre prevenção e situações de exposição: 910693158; geral@checkpointlx.com 
  • Quebrar o Silêncio - Apoio psicológico a homens vítimas de violência sexual: 910846589; apoio@quebrarosilencio.pt 
  • DICAD-ARSLVT - Teleconsultas de Psicologia e Psiquiatria ajustadas às práticas de chemsex: consultas.chemsex@gmail.com 

 

Cristiana Vale Pires (Psicóloga e Antropóloga)
Filipe Couto Gomes (Psiquiatra)