Cherry Flavour:"Ainda estou incrédula com a vitória na Gala Abraço"
Aos 23 anos venceu a 29ª Gala Abraço, um evento incontornável para a comunidade LGBTI em Portugal e com uma nobre missão de ligar contra o preconceito e a discriminação provocada pelo VIH.
Fábio Casaleiro vem da Marinha Grande, é licenciado em Design Gráfico e Multimédia e frequenta o segundo ano do mestrado em Design Gráfico na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha do Instituto Politécnico de Leiria. Fomos saber mais sobre quem dá corpo à Cherry Flavour.
dezanove: Que significado tem esta vitória para ti? Como foi receber os elogios do júri?
Cherry Flavour: A Gala Abraço é um ponto de referência no transformismo/drag queen em Portugal. O meu objectivo era ser participante e da mesma de forma mostrar a minha arte em nome de uma causa tão nobre como aquela que a Associação Abraço defende. A minha participação foi a grande conquista. A vitória foi uma consequência que vejo como uma aprovação e valorização por parte do público e do júri por todo o meu percurso nestes quase dois anos em que me assumo como drag de palco. É inegável que ainda estou incrédula com a vitória devido a todo o talento que pisou o palco nesta noite. Apesar de estar consciente de todo o esforço, dedicação, trabalho e amor pela arte que me fez pisar o palco.
Como foi pisar o palco com artistas reconhecidas de Norte a Sul do país?
Tendo nascido pouco tempo antes do primeiro confinamento derivado à pandemia de covid-19, tem sido difícil conhecer várias das artistas drags a nível nacional presencialmente, um contacto que considero essencial para a partilha de conhecimentos e experiências. Um evento como este que reúne a nossa comunidade acaba por ser uma mais valia para que surja a oportunidade deste contacto presencial.
Ver-me em palco com tamanho elenco tornou todo o momento ainda mais especial.
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Fala-nos das razões que te levaram a escolher o teu nome artístico.
Foi através de várias conversas com a minha madrinha drag Eva Brown, vencedora da Gala Abraço em 2018, que as referências para o meu nome artístico foram surgindo.
Desde o início que olho para a arte drag como um acumular de vertentes artísticas (algumas delas que já fizeram parte do meu quotidiano no passado) desde o teatro, à dança, do design de moda ao cabeleireiro. E sendo eu um apaixonado pelas artes desde sempre vi no drag a cereja no topo do bolo na minha vertente mais criativa e experimental. "Cherry" acabou por se destacar e tempos depois agradou-me a ideia de cada um o dizer (foneticamente) de forma distinta quando me chamam, dá personalidade. Por coincidência, a minha mãe quando estava grávida de mim teve sempre muita vontade de comer cerejas, o que me deu a confirmação de que seria o nome certo a escolher.
O apelido acabou por surgir por acréscimo numa forma de descrever e incentivar à construção de uma personalidade atraente, curiosa, apelativa e cheia de sabor.
"Cherry Flavor" é assim que agora me conhecem.
Quem são as artistas que te inspiram?
Sinto-me inspirada pelas coisas mais banais do dia a dia, são pequenos detalhes que me fazem ter um "click" criativo e despertar novas ideias. Nestes últimos dois anos, senti uma particular influência de várias artistas a nível nacional e internacional, sendo que destaco os nomes: Eva Brown pela empatia e companheirismo, Alejandro Beauty pelo detalhe na sua estética e na sua performance, Lola Bunny pela autenticidade, Stefani Duvet pela genuinidade e Sarah Logan pelo seu conhecimento, experiência e cultura no mundo do espectáculo.
Para quem não te conhece fala-nos um pouco do teu percurso profissional. Há quantos anos fazes do transformismo um trabalho? Onde te pudemos e vamos poder ver actuar?
Maquilhei-me pela primeira vez dia 2 de Dezembro de 2019 no meu quarto sem ninguém saber, apenas usando o que tinha à mão.
No dia 8 de Fevereiro de 2020 piso o palco como Cherry Flavor pela primeira vez na minha casa do coração, o Glitz Club Leiria, onde sou residente desde esse dia até ao dia de hoje, tendo sido a aposta do meu padrinho Rafael Bento, a quem devo muito do meu crescimento.
É aqui, em Leiria, que me podem ver todos os sábados e domingos ao lado da minha madrinha e de outras artistas convidadas que nos ajudam a construir todo o espectáculo que apresentamos.
Apesar do ambiente pandémico devido ao coronavírus, já tive o privilégio de pisar alguns palcos pelo país a quem agradeço desde já o convite (Finalmente Club, Manny's Place, Posh Club Lisbon, entre outros espaços... ). Concorri ao concurso RuPosh Drag Race 2020 onde sai vitoriosa como Miss RuPosh; Também participei no concurso Bolsa De Ouro 2020 onde apresentei pela primeira vez um dos números preferidos do público, um número cómico com dança em pontas como se se tratasse de um bailado. E, além disso, fiz parte da rubrica do Banana Quente como co-apresentadora, onde ao lado da Eva Brown entrevistámos muitas das artistas a nível nacional.
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Consideras Leiria uma cidade mais aberta para a temática LGBTI+?
Leiria é uma região com muito potencial a muitos níveis, quer pela sua geografia quer pelas suas pessoas. No que diz respeito à comunidade, sinto que, assim como em todo o país, existe muita falta de apoio e financiamento à dinamização da nossa atividade. Mesmo existindo o Movimento LGBTI+ de Leiria que se esforça para colocar a comunidade leiriense no mapa.
Socialmente, acho que Leiria é uma cidade de pessoas acolhedoras e simpatizantes que abraçam e respeitam a nossa comunidade e isso reflectiu-se na adesão à primeira Marcha dos Direitos das Pessoas LGBTI+ em Leiria. Na arte, sinto que falta mais movimentação das massas para vir assistir e valorizar todo o trabalho desenvolvido, sendo que reconheço que a audiência tem crescido e isso reflecte o interesse das pessoas.
Foto de capa: André Coelho
Entrevista de Paulo Monteiro