Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Dezanove
A Saber

Em Portugal e no Mundo

A Fazer

Boas ideias para dentro e fora de casa

A Cuidar

As melhores dicas para uma vida ‘cool’ e saudável

A Ver

As imagens e os vídeos do momento

Praia 19

Nem na mata se encontram histórias assim

O desequilíbrio de poder que passa despercebido - a falta de representatividade das mulheres na União Europeia

Uma retrospectiva do estado da condição das mulheres na UE antes das Eleições Europeias

Depositphotos_77076103_L.jpg

Um artigo da Bloomberg publicado no mês de Maio revelou que, actualmente, a Irlanda e o Luxemburgo não têm nenhuma mulher em cargos de direcção de empresas, e apenas 8% dos directores das maiores empresas da União Europeia, em 2023, eram mulheres. Já a nível nacional, um artigo do Diário de Notícias de Março informa que as mulheres ocupam menos de um terço dos cargos de gestão e liderança nas empresas em Portugal, acrescendo que "a presença feminina nas empresas diminui à medida que a responsabilidade dos cargos aumenta". De apontar que, segundo os dados mais recentes (Pordata), em 2022, as mulheres representavam 52,3% da população residente em Portugal.

No que toca ao mercado de trabalho e salários, apesar do princípio da igualdade de remuneração por trabalho igual introduzida pelo Tratado de Roma em 1957 e das relativas melhorias nos últimos anos, as disparidades salariais persistem entre homens e mulheres. Em 2021, a diferença média de remuneração entre homens e mulheres era de 12,7% na União Europeia, sendo de 11,4% em Portugal (Parlamento Europeu). Olhando para a disparidade salarial nos cargos de gestão e de executivo, as mulheres são as que estão em maior desvantagem ganhando por hora 23% menos do que os trabalhadores do sexo masculino na mesma posição.

Estas disparidades não se encontram apenas no mundo dos negócios, estando também fortemente presentes na esfera política. Nas eleições para a Assembleia da República do passado mês de Março, o Público anuncia que as mulheres passaram a representar um terço dos deputados do Parlamento português, ainda menos do que nas Legislativas de 2022 e de 2019. Foram eleitas 76 mulheres para a Assembleia da República entre 230 assentos parlamentares.

 

Estes dados são um bom ponto de partida para reflectir sobre as Eleições Europeias que se aproximam, no progresso que fizemos até agora em termos de igualdade de género, o estado do feminismo na União Europeia, e no caminho que ainda temos pela frente.

A percentagem de mulheres eleitas ao Parlamento Europeu aumentou 23,9% desde 1979 até Fevereiro de 2024, no entanto, constitui ainda menos de metade da composição do Parlamento Europeu com 39,8% (Parlamento Europeu), o que por sua vez também não reflecte a percentagem total de mulheres na União Europeia que é de 51% (Eurostat). A actual representação de mulheres em cargos de poder varia drasticamente entre os diferentes países europeus, e as organizações da União Europeia reflectem também esta disparidade. A Finlândia e a Suécia apresentam um número superior de mulheres deputadas ao Parlamento Europeu (oito em quatorze na Finlândia e onze em vinte e um  na Suécia), enquanto que o Chipre elegeu em 2019 apenas uma mulher num grupo composto por seis deputados. Portugal elegeu dez mulheres em vinte e um eurodeputados eleitos nacionalmente. 

O voto das mulheres europeias é um direito relativamente recente, tendo primeiramente sido estabelecido em 1906 na Finlândia. Em Portugal este direito foi introduzido apenas em 1931 e estava restrito às mulheres que possuíam um curso universitário. Apenas com a Revolução dos Cravos se viria a consagrar o sufrágio universal. Quase cem anos depois da primeira introdução, o desenvolvimento dos direitos das mulheres é claro e notório, no entanto a igualdade de género e consequente representação das mulheres em cargos de poder é ainda insuficiente.

As eleições para o Parlamento Europeu de Junho de 2024 têm a capacidade de mudar o paradigma actual e promover e aumentar, não só a participação de mulheres na política europeia, mas também de diminuir a discrepância entre a percentagem de mulheres que vivem na União Europeia e aquelas que nos representam no Parlamento Europeu.

Enquanto cidadãos europeus, todos nós temos um papel importante a desempenhar nestas (e em quaisquer outras) eleições, pelo que é crucial que nos informemos antes de votar em Junho. Infelizmente, a extrema-direita eurocéptica ameaça comprometer não só os direitos das mulheres, assim como também da comunidade LGBTQI+ e dos refugiados, e retroceder nos progressos políticos e legislativos que os cidadãos europeus conquistaram até agora. As consequências do crescimento da extrema-direita, como vimos em Portugal com a expansão parlamentar que o Chega conquistou nas eleições deste ano, irão certamente transbordar das fronteiras nacionais para o Parlamento Europeu e, como tal, é importante que ajamos e votamos de forma informada e consciente para conter essas forças políticas. Uma projecção produzida para a Euronews prevê que estes partidos ganhem mais 30 assentos no Parlamento Europeu. Colocando a sua voz no Parlamento Europeu, exemplos de políticas a serem implementadas pela extrema-direita em países europeus são as restricções do acesso ao aborto e a diminuição de fundos para programas de combate à violência de género (Politico).

Ser mulher não se consubstancia numa única experiência nem numa “categoria” fixa e homogénea que devemos idealizar ou considerar quando pensamos a política europeia.

Com o foco nos direitos das mulheres, é importante ressalvar que ser mulher não se consubstancia numa única experiência nem numa “categoria” fixa e homogénea que devemos idealizar ou considerar quando pensamos a política europeia. Compreender holisticamente a heterogeneidade de experiências e identidades das mulheres implica adoptar uma perspectiva interseccional que permite considerar as múltiplas identidades e, por conseguinte, as múltiplas discriminações e obstáculos que as mulheres podem enfrentar no seu quotidiano seja não só pelo ser mulher como também por conta de factores como a idade, classe social, cor da pele, etnia, orientação sexual, saúde ou deficiência. Camadas estas da sua identidade que se intersectam (re)produzindo novas camadas de discriminação e, consequentemente, novos e diferentes desafios que devem ser pesados também na política. Para seguir uma abordagem interseccional é imperativo rever-nos na icónica afirmação da escritora e activista feminista e anti-racista Audre Lorde: “Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”.

Porque importa ter esta representação de mais mulheres em cargos de poder?

E, afinal de contas, porque importa ter esta representação de mais mulheres em cargos de poder? Porque nos devemos importar? Um mundo onde lutamos por mais mulheres na liderança não deve ser visto como um mundo em que se objectiva o poder só pelo poder. Primeiramente, mais mulheres nas instituições de poder traduz-se na potencial melhoria das condições de vida de todas as outras mulheres com a adopção e implementação de políticas que protegem e salvaguardam os direitos das mesmas. Contudo, é de notar que nem sempre uma mulher eleita significa o progresso nos direitos das mulheres como podemos ver quando estas seguram as bandeiras da direita conservadora e da extrema-direita.

Também não podemos descurar os estudos que apontam para o facto de que empresas com um número substancial de mulheres em cargos de liderança têm melhores resultados no seu desempenho, sendo algumas das explicações para tal, os estilos de liderança mais transformadores que, subsequentemente, inspiram a sua equipa, mas também pela sua mera presença promover um ambiente de maior colaboração e cooperação entre todos.

Quão justo é um mundo que toma as decisões do seu ponto de partida particular sem pesar as vozes das restantes? E que mundo teríamos se as nossas instituições reflectissem as perspectivas e vozes das mulheres?

Por último, esta trata-se de uma questão de justiça. Que mundo temos quando mais de metade da população mundial se encontra subrepresentada nas instituições de poder que tomam as decisões? Quão justo é um mundo que toma as decisões do seu ponto de partida particular sem pesar as vozes das restantes? E que mundo teríamos se as nossas instituições reflectissem as perspectivas e vozes das mulheres?

Estas são considerações que devemos levar connosco para a cabine de voto pensando que Europa queremos não só para cada uma de nós, mas para todas. 

 

Foto: https://depositphotos.com/pt/

Alice Santos e Mariana Vilhena Henriques

 

3 comentários

Comentar