Conhece a Sarah Inês Moreira, a candidata portuguesa ao concurso Miss Transexual
É natural do Porto, tem 29 anos e vai representar Portugal no próximo concurso Miss Trans Star Internacional. O concurso de beleza entre mulheres transexuais vai decorrer a 17 de Setembro, em Barcelona.
Apesar desta ser a quinta edição do certame, esta é a primeira vez que Portugal se faz representar. Sarah disputa o título de mais bela com outras 25 mulheres. Mas para Sarah este é mais do que um concurso de beleza…
Sonhava em ser polícia, mas a discriminação e o bullying levaram-na a abandonar precocemente os estudos. Hoje Sarah Inês Moreira fala-nos de outro sonho: participar no concurso Miss Trans Star Internacional para mudar mentalidades. É a primeira entrevista que dá sobre este assunto: que “isto seja pedagógico, é essa a minha razão para, no fundo, participar” explica ao dezanove.pt.
dezanove: Como surgiu a possibilidade de integrares este concurso de beleza?
Sarah Inês Moreira: Já tinha participando em alguns concursos de misses anteriores, por exemplo, no Pride Bar, no Porto. Depois essas iniciativas deixaram de se fazer porque é um investimento muito grande em vestidos, etc. para as transexuais. Participei em três concursos e fui duas vezes Dama de Honor e uma Miss Fotogenia. Eu até ganhei o primeiro concurso, mas só fiquei em primeiro lugar durante umas horas, depois ligaram-me no dia seguinte a dizer que tinha de devolver a coroa porque se tinham enganado na votação. Portanto não ganhei.
Afinal não foi só com a Miss Colômbia e com a Miss Filipinas..
Pois é, verdade. Mas isto já foi em 2011.
Como se dá a chegada a este concurso - que é comparado à Miss Mundo, mas para mulheres transexuais?
O desafio de representar Portugal foi lançado através da minha madrinha, a Susana Mastroianni. A Susana fez um show o ano passado neste concurso e ficou com muita pena de não haver nenhuma participante portuguesa. Como ela sempre me achou muito bonita, muita arranjada e uma forte concorrente disse-me. Até a própria organizadora do evento, a Thara Wells, que já morou em Portugal, também me falou há um tempo para participar. E agora estou no estrangeiro a preparar-me para representar o melhor possível o meu país. Participo mais pela sociedade, para que isto seja pedagógico, é essa a minha razão para, no fundo, participar.
Fala-nos um pouco do programa do concurso.
É um concurso enorme que se realiza dia 17 de Setembro em Barcelona. Começa quatro dias antes para irmos visitar hospitais, associações de animais abandonados, irmos visitar a cidade, darmos conferências de imprensa…
Como se processo o sistema de eleição da Miss Trans Star Internacional 2016? O público tem uma palavra a dizer ou é apenas o júri que decide?
O concurso terá entre 7 a 11 juris. O público tem uma palavra a dizer no Instagram e no Facebook do concurso, quando faz like na candidata que prefere. Isso também conta.
Em poucas horas, já lideras no número de likes no álbum onde aparecem as primeiras candidatas. É um bom feedback do público para a vitória. Mas ainda não estão todas as candidatas…
Todos os anos há muitas candidatas de vários países: Japão, Filipinas, Israel, Sri Lanka. É feita uma selecção e só entram as mais fortes. É divulgada uma por dia. A primeira foi a do Brasil, depois Eslováquia, ontem foi a Nigéria. Eu fui a quarta a ser divulgada.
Já conheceste alguma das candidatas?
Não. Só quatro dias antes é que vamos para Barcelona e nos vão entregar as faixas, os biquínis, fazer as visitas, desfiles, etc. Todas temos experiência de miss.
Era um requisito obrigatório?
Sim. Todas tinham de ter experiência.
Este concurso é uma contra-resposta aos tradicionais concursos de misses que vedam a entrada a mulheres transexuais?
Isto é um concurso para transexuais. Nós eramos meninos e para chegarmos mais próximo do ideal de beleza feminino tivemos, claro, de recorrer à cirurgia estética.
Mudamos de tema para falar agora do teu passado: Como foi o período em que estudaste no Porto?
Por causa da minha transformação, tive de deixar a escola cedo. Não acabei o 12º ano. Aos 15 anos já sofria de bastante preconceito na escola, de bastante bullying.
Olhando para esses episódios de bullying que experienciaste o que tens a dizer?
Isso já passou, felizmente. A gente vai amadurecendo, vai aceitando as coisas. No início é muito complicado, mas hoje tenho 29 anos e vejo as coisas de forma diferente. Sofri bastante na escola: batiam-me, roubavam-me… e tive mesmo de deixar a escola.
Gostava de seguir, mas a sociedade não estava preparada.
O que gostavas de ter estudado?
Eu gostava muito de ser polícia, como o meu pai… mas depois não deu. Entretanto foram surgindo outras oportunidades, eu também quis ter a minha independência, na altura tive medo da atitude dos meus pais. Fugi de casa aos 17 anos.
E hoje como é a relação com a tua família?
Hoje a minha família é o porto de abrigo. É o meu suporte.
Em que momento te apercebeste que querias mostrar aos outros que eras uma mulher?
Mas na verdade sempre me senti uma menina. Só depois quando fiz o acompanhamento psicológico e multidisciplinar para a alteração da minha identidade no cartão de cidadão é que me fui apercebendo do porquê da transexualidade e do porquê disto acontecer. As pessoas julgam-nos. Mas só descobrimos o porquê até sermos acompanhadas pelas pessoas correctas. Lembro-me que quando ia com a minha mãe às compras ela ia para as roupas de menino e eu ia para as de menina, estava sempre a contradizê-la, mas como era a minha mãe que mandava era obrigada a levar as roupas de menino para casa. Mas só me apercebi mesmo quando comecei a frequentar o ensino básico, no 5º ano. Quando a minha mãe saía de casa eu vestia as roupas dela, usava os saltos altos dela - ela sempre foi muito bonita. Assim sentia-me bem, mesmo. Isto foi por volta dos 10 anos, mas só avancei para a decisão aos 15. E aos 17 fujo de casa.
E depois dos 15 anos, o que se seguiu?
Aos 15/16 anos comecei a frequentar o BoysRUs, onde paravam muitas transexuais. Foi ali que conheci a primeira transexual. A Débora Mansini. Ela era linda. Eu queria ser como ela e admirava-a imenso. E comecei a tomar hormonas.
E fizeste esse processo sozinha?
Sim, automediquei-me.
Mas por isso ser perigoso tiveste acompanhamento depois…
Só comecei a ter acompanhamento quando o quis mudar o nome porque a minha identidade não era aquela. Foi aí que contactei o Manuel Damas [da extinta associação CASA] e foi ele que me ajudou. Mas o meu processo de mudança foi reprovado, porque no Porto só uma médica está na lista da Ordem dos Médicos que acompanham as transexuais para mudarem de identidade. Era algo que a lei pedia. No Porto só a Dra. Márcia Mota, do Hospital de S. João, tratava disto. Foi há seis anos.
Foi um processo de transição com sucesso.
Sim, fui a primeira transexual em Portugal a mudar de nome e de sexo no Registo Civil.
Para finalizar e voltando ao concurso: Sabes que na maioria dos leitores habituais do dezanove poderás, com certeza, encontrar apoio, mas nem todos os leitores em Portugal vivem nesta esfera e poderão surgir comentários menos positivos…
Eu estou preparada para esses tipos de comentários.
Que mensagem queres deixar para quem te vai ler? Pensa em quem te vai apoiar e eventualmente em quem não o vai fazer...
Em primeiro lugar quero dizer que o concurso em si é como qualquer outro concurso internacional, com desfile em vestido de gala e em biquíni. Mas tem representantes da comunidade trans.
A minha participação é feita com o intuito de haver um STOP na exclusão e discriminação das transexuais em Portugal. No fundo, nós somos uma comunidade que sofre muito. Para mim é muito importante defender esta causa.
Na verdade, quero contar com o apoio de todos. Não deixo de ser uma representante a defender as cores da bandeira do meu país. Já que Portugal tem vindo a ter boas qualificações a nível internacional, eu também farei de tudo para representar da melhor forma o meu país.
Quero também dizer que tenho família, tenho mãe, tenho pai, tenho irmão, tenho amigos… sou um ser humano como todos os outros. Ninguém está livre de ter um transexual, um gay, uma lésbica na família. Não têm de me aceitar, mas têm de me respeitar.
Entrevista de Paulo Monteiro