Cuidado com as víboras na sopa de letras
O caminho para o Inferno está calcetado com boas intenções. Poder absoluto corrompe absolutamente. E as pessoas que tendem a ocupar posições de poder e sucesso tendem a demonstrar atitudes ou tendências sócio-psicopatas. Estas são todas frases e dizeres que todos já ouvimos. E, por experiência própria, posso comentar nas suas veracidades.
A comunidade LGBTIQ+ subsiste com o trabalho contínuo de organizações e grupos que lutam pelos direitos de minorias sexuais, muitas vezes integrando minorias de género e étnicas na mistura. E até aí estou completamente a favor. Interseccionalidade (o conceito de que uma única pessoa pode ser discriminada por várias frentes, tornando-se assim fulcral ver a discriminação de uma forma que inclua tudo e todos, não apenas uma minoria especificamente) é uma teoria social da qual não posso discordar e não vejo argumentos substantivos contra. E, falando de teorias, a minha é a que organizações e grupos podem ter caras, podem ter líderes, mas nunca podem ter um mestre.
Falo por mim. Mas não falo de ninguém. Falo de onde me encontro (na Madeira, se isso for relevante), mas não falo de onde as encontrei. Falo de víboras na sopa de letras.
“Sopa de letras”, para quem não sabe, é uma frase intencionada a ser diminutiva para descrever a sempre crescente lista de letras adicionadas no + do acrónimo LGBTQI+. Uso essa expressão por melhor se relacionar com o que pretendo discutir. Deixarei a Máfia do Alfabeto (expressão já nossa) para outra discussão. Eu já vi, e de fora se nota, demasiadas víboras na nossa sopa. Pessoas cujo intuito, ao criarem progresso, não é o progresso em si. Não desminto que o trabalho é feito, mal ou bem, que não custa, muito ou pouco, que não produz frutos, bons ou maus. Desminto que não existe quem sempre tenta ser o mestre das cerimónias ao ou à qual o resto dos membros da organização ou grupo fazem vénia e guardam a língua na boca quando de algo não concordam. Por ficar bem? Por simpatia? Por aquele individuo ser mais creditado? Porque ir contra não vale o esforço? Porque fazer activismo é mais fácil quando te dizem o que fazer? Não sei.
Lamento. Soa-me até a mim que estou a ser demasiado agressive. Passivo-agressive de facto. E talvez esteja a ser. Acho que tenho esse direito. Acho que é devido no meu caso em particular. Acho que demasiados “isto é uma palhaçada” vindos de dentro e de fora da comunidade, dos envolvidos nos eventos, de até organizadores, até de mim, pesam na minha consciência. E, em parte, falo por eles. Falo pelos que, com razão, desprezam trabalhos feitos em nome do progresso que, com um pouco de jeito, puxam para trás esse progresso. Falo pelos que se sentiram traídos por quem lhes disse que os iria representar. Falo por quem tomou a decisão de nunca mais voltar a trabalhar com quem dos quais estou falando, pelos tratamentos, pelas falhas, pelos desrespeitos, pela má comunicação, organização, divisão de tarefas, horários trocados e perdidos, autorizações pedidas e por pedir, falo interseccionalmente de todas as problemáticas de haver víboras na sopa que não deixam ninguém mais comê-la. E isso vem com um amontoado de frustrações das quais não me posso desligar. Tenho alguma responsabilidade, tenho a minha marca nestas histórias. E sinto o peso.
Este artigo é um apelo. Um apelo a todos os que se encontram em organizações ou grupos em que uma pessoa lidera a conversa em desprezo das preocupações dos que lutam por igualdade, ou a quem quer que seja que planeie se envolver em activismo, de qualquer vertente, que não quer criar ondas. Por favor, chupem o veneno. Tirem estas víboras da nossa sopa. A sopa é nossa, de todos, não de alguns! A tua voz tem de ser ouvida e tem de falar por todos! Não permitas, como aqui aconteceu, e receio voltar a acontecer, que alguém fale só dos interesses que a si lhe preocupam, que não incluem todas as letras da sopa, que não faz por todos! Muitos se calam, alguns desistem, alguns são destruídos, mas precisamos de pessoas que sabem o significado de activismo interseccional. Eu não tive força quando devia. E por isso, deixo-vos com esta última declaração:
Este artigo é um apelo. Um apelo a todos os que se encontram em organizações ou grupos em que uma pessoa lidera a conversa em desprezo das preocupações dos que lutam por igualdade, ou a quem quer que seja que planeie se envolver em activismo, de qualquer vertente, que não quer criar ondas. Por favor, chupem o veneno. Tirem estas víboras da nossa sopa. A sopa é nossa, de todos, não de alguns! A tua voz tem de ser ouvida e tem de falar por todos!
Aqui estendo o meu sincero pedido de desculpas a todos que realmente têm uma causa que inclui todos e eu não juntei a minha voz. Perdão a todas as minorias que, depois, ouvi não se sentirem incluídas. Lamento sinceramente a minha falta de garra ao lutar por pessoas que considero família, artistas, amigos e quem nunca vou conhecer. Vocês me pesam sempre que me lembro do que disseram. E eu prometo, sendo eu víbora de primeira, que usarei o meu veneno para quem não luta por vocês. Começo aqui. Acabo…
Summy Luís, activista