Da Taylor Swift ao Brunch: Reflexões sobre Sair do Armário
Um dia perguntaram-me o que eu fazia socialmente e gostaria de parar, caso pudesse. Embora a minha mente viaje por uma panóplia de temas, nunca tinha pensado nisso. O que me irrita socialmente? Bem, há coisas: tocarem-me à campainha (aquele ruído é insuportável), ligarem-me no meio de um bridge da Taylor Swift, ou ter de explicar a minha brilhante referência Pop no meio de uma conversa de café.
Problemas de primeiro mundo, eu sei.
O que nos distingue dos primatas é o raciocínio lógico e não votar na extrema-direita. Assim, consciente do meu privilégio, resolvi levar o tema mais a sério.
Subitamente, ocorre-me que já há muito que não o faço, mas que durante muito tempo houve um tema que me desconcertava: sair do armário. Hoje em dia vou largando comentários em conversa, que deixam a situação clara, sem precisar de uma cerimónia solene onde recebo a Medalha de Ouro dos Jogos Olímpicos da Homossexualidade (as piadas que isto dava, mas sigamos em frente...). Ora, a não ser que estejamos a falar de um matulão de sorriso farto e olhos doces, sair do armário é algo impreterivelmente chato e, na maioria das vezes, desnecessário. Há momentos em que a sua necessidade é extremamente útil, mas, na esmagadora maioria das vezes, é apenas uma convenção social que nos sentimos obrigados a cumprir porque diz muito sobre a nossa identidade, sobre quem somos na nossa génese.
Ainda assim, acredito que o fazemos ora porque queremos testar o preconceito do receptor, ora para demonstrar que não somos uma ameaça e que somos “farinha do mesmo saco”, às vezes até para saber se realmente somos “farinha do mesmo saco”! Por vezes, é apenas para evitar questões mais aborrecidas ou até para fintar uma piadola que poderia ser mandada em jeito de quebra-gelo que, desconfortavelmente, se transforma numa lição de moral ou cidadania, que não era muito necessária se a pessoa soubesse ler uma sala em primeiro lugar.
Mas pensando bem, o conceito de “sair do armário” vai muito além do ato em si. É quase um ritual de passagem forçado que, para muitos, acontece de forma repetitiva ao longo da vida. Para alguns, é um evento único e marcante, carregado de nervosismo e alívio. Para outros, é um processo que nunca parece terminar. Em cada novo contexto — um novo emprego, um grupo de amigos, um almoço de família distante — há um momento em que decidimos: “Será que vale a pena partilhar isto aqui?”, “Será que é seguro partilhar isto aqui?”
E é exatamente aqui que está o cerne do desconforto. Por que é que temos de justificar ou clarificar a nossa existência? Por que é que uma pessoa cis-hétero nunca tem de começar uma conversa com: “Só para que saibas, eu sou heterossexual”? Sair do armário deveria ser algo opcional, mas, na realidade, a nossa sociedade ainda não é neutra o suficiente para que isso seja verdadeiramente uma escolha. Muitas vezes, sentimo-nos obrigados a fazê-lo para evitar mal-entendidos ou preconceitos, como se a nossa sexualidade fosse uma informação vital para qualquer relação interpessoal. Como se ser homossexual, bissexual ou trans me desse acesso a um cupão de descontos no IKEA Family ou um Brunch para dois à beira-rio. Deveria? Sim, obviamente, mas a verdade é que não o faz.
No entanto, será que o acto de sair do armário é sempre uma experiência negativa? Talvez não. Em alguns casos, esse momento pode ser libertador, um marco de autoconfiança e autenticidade. Pode também ser uma oportunidade para educar e abrir mentes, mesmo que o objetivo inicial não fosse esse.
Será que o acto de sair do armário é sempre uma experiência negativa? Talvez não. Em alguns casos, esse momento pode ser libertador, um marco de autoconfiança e autenticidade. Pode também ser uma oportunidade para educar e abrir mentes.
A maioria dos preconceitos nascem da ignorância, do desconhecimento, da falta de exposição. Nem todos conhecemos pessoas LGBTQIA+ na nossa vida, muitas vezes acabamos por ser a primeira pessoa LGBTQIA+ na vida de alguém. Quando eu olho para os direitos que tenho hoje, agradeço a todas pessoas que sofreram na pele, que deram de si para eu poder estar aqui a escrever isto, carregado do meu privilégio. Mas é exactamente por isso, que sinto que nunca poderei não sair do armário, não é por mim, é por todos aqueles e aquelas que ainda estão por vir. É pelos direitos de quem vem depois de mim, para que estes se possam manter ou até multiplicar. É pela equidade e inclusão do futuro.
Eu posso ser a exposição que falta na vida de muitas pessoas, posso normalizar, educar, simplificar e desmistificar. Não que todos tenhamos que assumir esse papel, mas quantos mais formos, cada vez menos necessário se torna fazê-lo.
Apesar de tudo, importa reconhecer que nem toda a gente tem o privilégio de sair do armário em segurança. Enquanto uns o fazem num ambiente de aceitação e apoio, outros arriscam ser rejeitados, discriminados, ou até mesmo violentados. Este é um dos maiores dilemas da comunidade LGBTQIA+: queremos normalizar as nossas vivências, mas a normalização só é possível num mundo onde a aceitação é a regra e não a exceção.
No balanço final, sair do armário é um processo que, muitas vezes, exige coragem e resiliência, mas também deixa um convite para que o mundo se torne um espaço onde esta coragem não seja necessária. Sair do armário deve ser uma viagem opcional, sem tempo definido ou obrigação de acontecer. Não deverá ser mandatório, nem precisa de envolver todos à nossa volta.
No balanço final, sair do armário é um processo que, muitas vezes, exige coragem e resiliência, mas também deixa um convite para que o mundo se torne um espaço onde esta coragem não seja necessária. Sair do armário deve ser uma viagem opcional, sem tempo definido ou obrigação de acontecer. Não deverá ser mandatório, nem precisa de envolver todos à nossa volta.
Sair do armário é, acima de tudo, um ato de autoconhecimento e aceitação pessoal. Quando e como acontece, deve ser uma escolha nossa, feita no nosso ritmo. E quem sabe, um dia, o mundo possa ser um lugar onde esta escolha nem sequer seja necessária e as pessoas não te liguem a meio do teu bridge e todos nos possamos encontrar no brunch.
Luís Miguel Cerqueira