Denúncia de transfobia no Teatro Maria Vitória em Lisboa
Íris Redol, de 26 anos, foi despedida do Teatro Maria Vitória, em Lisboa, alegadamente por ser uma mulher trans. O caso levanta sérias questões sobre discriminação, direitos laborais e inclusão no meio artístico português.
Segundo declarações de Íris ao jornal Nascer do SOL: “Foi a primeira vez que me despediram e disseram realmente que o motivo era eu ser uma mulher trans”.
Com formação em design de moda, Íris afirma não ter dificuldades em conseguir entrevistas de emprego, mas nota uma mudança de atitude quando aparece.
“A partir do momento em que apareço é que começa o problema. (…) Às vezes as pessoas ficam desconfortáveis só pelo facto de eu existir.”
Começou a trabalhar como assistente de camarim no espectáculo “E Ninguém Vai Preso”, a 21 de Março, substituindo a amiga Camila, que já trabalhava no Teatro. Camila avisou a produção de que Íris era uma mulher trans, por conhecer o histórico de preconceito do dono, Hélder Costa.
A produção respondeu de forma positiva: “O que importa é ser uma boa profissional”.
A Íris esteve em formação durante três dias e fez cinco sessões, tendo a Camila a dar-lhe formação até ficar autónoma. Estava a correr tudo bem, até que entrou no camarim do actor Paulo Vasco para vesti-lo, como fez outras vezes e estava lá o dono do Teatro.
Tudo foi piorando, no dia seguinte, a Camila disse-lhe que já não era para ela ir, Hélder Costa “estava a bater o pé a dizer que não a queria lá”, e a amiga não sabia como contar à Íris que seria despedida injustamente.
A Íris foi contactada por um membro da produção que lhe deu a notícia:
“Disse-me mesmo que o dono não queria que eu trabalhasse ali por ser trans, que não aceitava que eu era uma mulher, que se recusava a tratar-me pelo nome”.
O mesmo membro pediu desculpa pela situação que não pensava o mesmo que o dono. Íris ficou sem resposta “As coisas estavam mesmo a correr bem, as pessoas estavam a gostar do meu trabalho, eu estava feliz por finalmente conseguir trabalhar na minha área. Tiraram-me o tapete.”
Marta Gil, uma das actrizes do elenco refere que “Nos poucos dias que lá esteve, a Íris foi supercompetente, não falhou em nada. Esteva sempre ali com um sorriso na cara e a querer aprender”. A actriz também defende que “Não se pode despedir alguém por discriminação. Nós podemos despedir uma pessoa porque é incompetente, não porque é transgénero”.
Quando contactado pelo Nascer do SOL, Hélder Costa refere que o despedimento da Íris foi por não o terem consultado sobre a contratação dela “O patrão só serve para pagar? Não! Tem de saber quem anda nos bastidores!”. Referente à primeira vez que viu a Íris “fui confrontado com uma pessoa nos camarins com voz de homem”.
Acrescenta “Um dia cheguei ao camarim do Paulo Vasco – director de cena – e vejo uma pessoa quase com dois metros de altura, forte (…) Entra assim uma pessoa, anda ali daquela forma? Isto é um teatro onde trabalham as maiores figuras do nosso país. Isto não é palhaçada. Se é homem tem de dizer que é homem, se é mulher tem de dizer que é mulher”. Está demonstrado um claro discurso discriminatório e transfóbico.
De acordo com o advogado Tiago Marques, o despedimento, se baseado na identidade de género, configura uma violação grave do Código do Trabalho. O artigo 24º, nº1, é claro ao proibir discriminação com base em identidade de género.
O caso poderá envolver um despedimento ilícito com direito à reintegração ou compensação, assédio laboral e contraordenação muito grave por parte da entidade patronal. Além das implicações legais, o caso reacende o debate sobre a inclusão no meio artístico português e a responsabilidade das instituições culturais em promover ambientes seguros e igualitários.
O caso de Íris Redol no Teatro Maria Vitória não é apenas uma história pessoal. É um reflexo de problemas estruturais de exclusão que ainda existem em Portugal. Tornar estes casos visíveis é o primeiro passo para a mudança — e para garantir que ninguém seja despedido, rejeitado ou humilhado por ser quem é.
Fonte: Nascer do SOL
Sara Gonçalves