Diferentes identidades de género na Angola pré-colonial
Ao contrário da narrativa que muitos governos e autoridades africanas tentam promover, África está repleta de exemplos [pré-coloniais] de identidades de género diferentes, de aceitação da homossexualidade e de fluidez dentro do espectro que é a sexualidade humana.
Um dos exemplos que será mais importante trazer ao conhecimento dentro do mundo lusófono são os chibados, um terceiro género, de pessoas que nasceram do sexo masculino, mas que muitas vezes viviam como mulheres. Tinham um papel espiritual na tomada de decisões políticas e militares e também dirigiam enterros, então tinham um papel próximo ao de xamã. Os jesuítas portugueses descreveram pela primeira vez os chibados, notando como viviam como mulheres e podiam casar-se com outros homens sem julgamento social, aliás, tais casamentos até eram honrados e premiados. Formavam uma casta social separada e os mais velhos referiam-se a eles como "avó".
A famosa rainha Nzinga de Ndongo e Matamba chegou a ter cerca de cinquenta chibados na sua corte, e diz-se que eram usados como concubinas. A rainha Nzinga estabeleceu uma guarda pessoal feminina e ordenou que os guardas masculinos se vestissem de mulher e a tratassem como "rei". No final da sua vida aboliu a concubinagem e acabou por se casar com o seu concubino preferido numa cerimónia cristã. À medida que os portugueses foram consolidando o seu poder em Angola, as moras sociais e as leis coloniais reprimiram a sexualidade e aumentaram a homofobia.
Ilustração da rainha Nzinga Mbandi (mais tarde Ana Sousa, depois da sua cristianização)
Podemos ver exemplos de homossexualidade ou variação de género na África pré-colonial, o que vai contra o argumento de muitos políticos atuais que dizem que o movimento e as pessoas LGBT se estão a espalhar em África por importação ocidental. No Uganda do século XIX, o rei Mwanga II, tinha sexo regularmente com o seu pajem masculino. As mulheres no Lesotho envolviam-se a relações longas e eróticas com outras mulheres, chamadas motsoalle (amiga especial), e eram celebradas publicamente com um ritual festivo, embora as mulheres ainda tivessem papéis sociais a cumprir, como casar eventualmente com um homem. Também se registou homossexualidade praticada abertamente nos guerreiros do povo Azande do nordeste do Congo (Rep. Dem.) e no oásis de Siwa no Egipto, até ao século XIX. Em alguns povos do Quénia e o povo Igbo da Nigéria, ainda hoje algumas mulheres se podem casar com outras mulheres, mas apenas caso não tenham filhos ou fiquem viúvas, de modo que uma delas possa perpetuar a sua herança.
É, por isso, importante quebrar a retórica falsa de muitos líderes políticos em África, de que pessoas LGBTI+ são fruto de ideologias importadas do “Ocidente”.
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Rodrigo Pereira