Encontro com a escritora Aurora no Festival da Língua e da Liberdade na Cidade - Felicidade
O Dia Mundial da Língua Portuguesa celebra-se todos os anos a 5 de Maio. Um dia que celebra a projecção da quarta língua mais falada no mundo. Com mais de 260 milhões de falantes a língua portuguesa é língua oficial em países como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
No ano em que se assinalam os 50 anos da Revolução dos Cravos, o Felicidade – Festival da Língua e da Liberdade na Cidade, que se realizou entre 4 e 5 de Maio na capital lisboeta, pretendeu promover a celebração e o questionamento da língua como casa, como um motor de mudança e de transformação, como modo de constituir comunidade.
Com um plano de actividades diverso, passando da literatura, à música e ao cinema, com um painel de participantes variado, damos destaque à apresentação da recém-criada obra da artista multifacetada Aurora. Do cinema e audiovisual; à música, teatro e dança, a artista apresenta “Blue Kida” com a com a presença dos artistas Paulo Pascoal e André e Teodósio.
O dezanove.pt esteve à conversa com a artista que nos fala mais sobre o seu trabalho artístico e sobre este festival.
dezanove: Poderias falar-nos mais deste projecto? O que pode esperar o/a leitor/a com Blue Kida?
Aurora: Há imenso tempo comecei a desenvolver este projecto. Inicialmente era para ser uma exposição audiovisual multimédia dividida em 3 actos que retratavam diferentes fases da minha vida. No fim acabei por pegar nesses 3 actos e transformar num livro. É, sem dúvida, dos objectos mais pessoais que alguma vez desenvolvi. Foi difícil fazer a selecção dos diversos diários gráficos que tenho, mais seleccionar fotografias, mas foi um ritual de passagem crucial para a aceitação do que fui, sou e tenciono ser. A ideia é que este arquivo fique intemporal. Um pedaço da minha história enquanto corpa queer, trans, não-binária e cyberpunk. Uma desforma de tomar posse da minha narrativa, da minha vida e deixar parte do meu legado na munda. Esta obra espelha a minha experiência enquanto corpa pluri-multi-meta transmutante que sobrevive na submunda.
O que destacarias do teu percurso profissional/artístico para o desencadear desta obra?
Desde miúda que tenho hábito de escrever os meus devaneios, pensamentos, vincular memórias e emoções nos meus diários gráficos. Sempre foi o escape para fugir à violência e traumas, uma forma de transformar violências em potências. Sou obcecada por biografias, tudo que seja documental e ao longo do meu percurso criei vários dispositivos desde fotografias, ilustrações, pinturas, poesia, músicas e textos. Sinto que a não-representatividade me permitiu criar este objecto. Destaco a necessidade e urgência de dialogarmos o futuro, o nosso futuro enquanto corpas dissidentes. Enquanto putas revolucionárias permanecerão vivas!!!
Sinto que a não-representatividade me permitiu criar este objecto. Destaco a necessidade e urgência de dialogarmos o futuro, o nosso futuro enquanto corpas dissidentes. Enquanto putas revolucionárias permanecerão vivas!!!
Que reacções esperas desencadear no público com esta obra?
Sinceramente cheguei a um ponto que já não espero nada e espero tudo putzz!!!. É um sentimento agridoce porque o alcance será sempre escasso. Talvez daqui a 100 anos este livro seja considerado urgente e importante para as corpas que revolucionaram a munda e submunda. Espero que seja um grito visceral que radicalize a mudança histórica das corpas não-cis das próximas gerações.
O porquê da sua estreia no Felicidade – Festival da Língua e da Liberdade na Cidade?
Infelizmente nós nunca tivemos acesso a estes espaços, foi a primeira vez que apresentei um objecto meu no CCB. A oportunidade surgiu porque fui programada pela curadoria do André e. Teodósio period! Yah assim estreei o livro BLUE KIDA lançado pela editora Sistema Solar e pelos Teatro Praga, no festival Felicidade – Festival da Língua e da Liberdade na Cidade, no espaço CCB.
Entrevista de Daniel Santos Morais e Mariana Vilhena Henriques
Fotos Aurora: Look por Alex Simões