Entretenimento sim, mas uma melhor representação em ficção também
Num recente episódio da nova série de televisão, Água de Mar, que passa em horário nobre na estação pública, retrata-se, com substancial gozo, a vivência não convencional de uma das suas personagens.
Eis a cena em questão: Uma das personagens femininas que trabalha numa loja de vestuário tem uma secreta paixoneta pelo seu patrão, paixoneta esta que não é retribuída.
Ela está tão apaixonada, que recorre a todos os meios possíveis e imagináveis para ser correspondida. Não lhe importa, de todo, recorrer aos meios mais estapafúrdios que se lhe apresentarem, incluindo a bruxaria. Chega-lhe aos ouvidos, um feitiço que envolve o sacrifício de uma galinha. Por maior aflição que tal lhe possa causar, vale tudo por amor. Divertido sim, o arranjar da galinha, como também o ocultar da mesma. Até envolveu uma perseguição dentro da loja de roupa. O feitiço em si, foi o mais divertido, já que envolvia, como em qualquer boa representação de vodoo, a ingestão de alguns volumes de espíritos. A razão para tal personagem não ser correspondida no amor, é o objecto de tal amor. O objecto em questão é homossexual... E, o feitiço, tinha o único objectivo de o curar de tal. Representa questões de índole moral, ou de ética. Ou, talvez, de escrita.
Será justo sacrificar a ética de escrita, em detrimento do entretenimento? Ou será o entretenimento, valor mais alto que o ridículo? O ridículo, aqui, contém vários volumes:
Do ponto de vista da personagem, será o amor, o fim último. Mas, de quem observa a cena de fora, o fim último será a humilhação do objecto do deu amor. O objecto do seu amor terá que se reformar, corresponder à norma. Quem sabe, corresponder mais de acordo com o fim para o qual foi criado.
Esta outra personagem, convém frisar, é acessória, entra em fim de plano na maioria das cenas. Serve somente à oportunidade de comicidade de guião. Não tem profundidade, talvez não tenha vontade própria, já que, pouco se sabe sobre ela, para além da sua homossexualidade.
Aqui, não existe qualquer cliché habitual quanto à forma, mas existe sim, quanto ao que se espera de tal personagem. O feitiço,sabe-se mais tarde, falha, segundo o guião, quando esta personagem recebe um convite para ir para as ilhas gregas com uma antiga paixão. Cliché dos clichés, na forma como é apresentado, como também, do ponto de vista situacional.
Personagens não convencionais mereceriam tratamento mais digno, especialmente em horário nobre. Quem sabe, se não se faria, um melhor serviço público?
Ben Nevins
Assiste ao episódio completo aqui.