Entrevista a Maria Mergulhão, uma artista reflexiva e inclusiva
A artista Maria Mergulhão expressa-se através da pintura e da poesia e já fez várias exposições individuais e colectivas, tanto em Portugal como no Reino Unido.
Maria Mergulhão afirma não esconder as suas experiências que acabam espelhadas nas suas obras, transmitindo intimidade, transparência e espiritualidade, seguindo o mote “o pessoal é também político.”
Tem como referências os artistas Kae Tempest, Tracey Emin, Kusama, Ary dos Santos, Maria Teresa Horta e Paula Rego e afirma que «todas as manifestações, protestos, celebrações contribuem para a concretização da obra.»
A sua próxima exposição acontecerá no início de 2022 e terá o título Oh Baby It’s Raining, baseada numa política de género anti-racista e anti-sexista, que promove diversos papéis femininos e desafia a heteronormatividade e o patriarcado. Terá lugar de 20 de Janeiro a 19 de Fevereiro, na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Podemos acompanhar Maria Mergulhão através da sua conta no Instagram, onde partilha os seus trabalhos, mantendo sempre um registo auto-reflexivo e confessional, em direcção à emancipação dos peões da sociedade moderna, através de uma arte imersiva que nos refresca e nos implode.
Qual o teu perfil e inspirações/referências para os quadros que fazes?
Sou artista, poetisa, mas tudo misturado dá uma bola de sabão que acaba por ser eu. Eu sou as minhas obras, e elas falam bem por si mesmas, onde a transparência e a confissão são as únicas regras: está tudo lá, a descrição é desnecessária, supérflua.
Gosto de tornar as minhas experiências relacionáveis a outras pessoas, por meio de contos de histórias, do uso da cultura popular (como letras de música) e da mobilização de emoções. Gosto da ideia de tornar a intimidade pública através da arte. Uso a minha prática como uma forma de rotina espiritual: confesso todas as minhas preocupações para a tela em tinta, e para meus poemas como se me fosse confessar a um padre. Não escondendo nada, todas as manifestações, protestos, celebrações e, às vezes até as banais, contribuem para a concretização da obra. Sempre volto ao famoso ditado: “o pessoal é também político”.
Uso a minha prática como uma forma de rotina espiritual.
Como referências artísticas admiro: o trabalho de Kae Tempest, Tracey Emin, Kusama, a poesia de Ary dos Santos e Maria Teresa Horta, e a pintora portuguesa Paula Rego.
Considero a minha prática artística como uma espécie de monstros que saem compulsivamente do meu ser mais profundo e que, quando revelados, ou seja, quando a obra está completa, não obstante a considerar minha filha emerge em mim a consciência de que já pouco mais posso fazer em relação ao que ela faz no mundo. Sinto-a como se fosse maior de idade, e eu já nada possa fazer por ela. Por muito que eu deseje o contrário, será ela a dona e senhora do seu destino. Poderei estar com ela, não poderei, todavia, ser por ela. O meu papel é a sua execução, a sua “educação”. Depois deste processo, ela é livre, aberta, e o processo criativo continua, não termina em mim. Considero, assim, que tenho um instinto maternal, mas desapegado face à minha arte, uma vez que ela irá, naturalmente, crescer e sofrer transformações ao longo do tempo.
Onde já expuseste e onde, num futuro próximo, vais expor o teu trabalho?
Já fiz várias exposições individuais e duas colectivas, tanto em Portugal como Reino Unido, e tenho prevista uma participação numa exposição no Brasil.
Uma das exposições foi uma performance de poemas escritos por mim em inglês, dos quais realço, por exemplo, este:
I am whole
compact
So I pose in objectivity
I am a standpoint of my back
And I am not my ass
That you are seeing
I am imprisoned in this mass
That masks my being
that is my bodyguard
And it might be hard
to be thrown by gravity
This in carnality
obeys my soul
Which has authority
Andit’s machinery
This aesthetic subjectivity
This organism that is my butt
and its extremities
Are a victim of policies and their parasitism
This corpse is half dressed
Half nude
So I protest
my ass
And its flesh
And can conclude
That its tactility
Is complex
It’san after effect of chronology
Its durability is mortal
But I, the being,
have sovereignty
This thing you might not be seeing
Is stuck in a chamber that is part of me
This architectural department
Which commands hand to hand but is free
It has potency just like me
And the image upfront
Is blunt and intimate
It ismine
my ass
And it’s a record of my past
Its textuality its exterior
And I can emphasize its comfort
When I sit
even if I don’t fit
It’s luscious and voluptuous
It is mine
this behind
I havedeep care for it
Its substantial formation is rigid
And it is also its opposite
So I pose
Cause I’m whole
Compact
I am not my ass
I am masked behind its being
But my skin is singing its stories
Its cries
its glories
So if you look even at my legs
They’ve stumped on rocks
they’ve stumped on eggs
So I protest my behind
It’s aligned cause it is signed by me
And I stand in my governance
Of my body with my stubbornness
To this analysis of my ass
Which you might harass
But this is a subtly brutally philosophy
Of property
Of which is mine:
A glossary of my behind
A próxima exposição será para breve, no início de 2022 e tem o título Oh Baby It’s Raining. Está particularmente baseada numa política de género que seja anti-racista, anti-sexista, que promova diversos papéis femininos e desafia a heteronormatividade e o patriarcado. Será de 20 de Janeiro a 19 de Fevereiro na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Coloco o titulo da exposicão com “OH BABY ITS RAINING” considerando necessária a abordagem de tabus e mitos urbanos sobre sexualidade, género e identidade, e que esperando oferecer uma perspectiva ao questionar os sistemas dominantes de crença.
Através de processos históricos de protesto no meu trabalho, como a tinta spray graffitie o texto, para transmitir esteticamente uma espécie de manifesto. As cores são muito brilhantes para transmitir urgência e pastéis ou cintilantes para reapropriar uma forma de arte geralmente associada à masculinidade e ao anonimato, numa paleta de cores pop e “barbie” de confissões íntimas.
Através de processos históricos de protesto no meu trabalho, como a tinta spray graffitie o texto, para transmitir esteticamente uma espécie de manifesto. As cores são muito brilhantes para transmitir urgência e pastéis ou cintilantes para reapropriar uma forma de arte geralmente associada à masculinidade e ao anonimato, numa paleta de cores pop e “barbie” de confissões íntimas.
O meu trabalho é principalmente auto-reflexivo e confessional, aplica uma variedade de meios como nós: pintura, escultura, escrita (poesia) e instalação; em direcção a uma espécie de emancipação e compreensão de dela própria - dentro de nossa sociedade contemporânea.
A arte para mim é como se fosse um diário. A mente, sexualidade, política, a sociedade e a indústria, são as narrativas dominantes do seu trabalho e nesta exposição, tanto na história pessoal da artista como quanto ao seu, corpo constituem o impulso da sua prática.
Como é que a temática LGBTI é incluída/inspira no/o teu trabalho?
Se me perguntassem o que queria fazer com a minha arte, responderia com um excerto do musical Chicago: “Come on babe why don´t we paint the town? And All that jazz!”. Gostaria de contribuir na “pintura” da cidade, explorando temáticas relevantes no desenvolvimento do ser humano, não apenas ao nível da sua dimensão social e ética, mas também ao nível dos valores indispensáveis à construção de uma cidade mais colorida, mais confiante na riqueza que envolve a diferença, mais empática, mais desperta e pronta a dar voz aos que continuam sem voz, ou se sentem silenciados por algo maior que os esmaga.
Gostava de ser uma propaganda da “The Lavender Song” de Ute Lemper:
“What makes them think they have the right
To say what God considers vice?
What makes them think they have the right
To keep us out of Paradise?
They make our lives hell here on earth
Poisoning us with guilt and shame
If we resist, prison awaits
So our love dares not speak its name
The crime is when love must hide
From now on we'll love with pride!”
Ou mesmo deste excerto do Mika:
“I could be brown, I could be blue, I could be violet sky
I could be hurtful, I could be purple, I could be anything you like
Gotta be green, gotta be mean, gotta be everything more
Why don't you like me?
Why don't you like me? Why don't you walk out the door!
Getting angry doesn't solve anything!”
Gostaria de contribuir na “pintura” da cidade, explorando temáticas relevantes no desenvolvimento do ser humano, não apenas ao nível da sua dimensão social e ética, mas também ao nível dos valores indispensáveis à construção de uma cidade mais colorida, mais confiante na riqueza que envolve a diferença, mais empática, mais desperta e pronta a dar voz aos que continuam sem voz, ou se sentem silenciados por algo maior que os esmaga.
Que projectos tens para o futuro?
Desejo continuar a tornar a minha arte algo que também possa contribuir para as pessoas como um manifesto político, social e artístico. Não por o dizer, mas por estar lá para quem o quiser ler, observar, ver.
Tenho o projecto de editar um livro de poesia chamado "Entornei-me em Papel".
Tenciono fazer mais exposições em Portugal e no estrangeiro, e incluir obras de arte digital. Possivelmente fazer uma edição limitada de lenços de seda coloridos e continuar a passar a palavra, não como profeta, mas como artista. Por exemplo, tornar o cor-de-rosa uma cor não associada naturalmente ao sexo feminino, mas sim a todos os sexos.
E apoiarei o movimento #IAMNOTYOURTOY.
Que objectivos tens para a tua vida profissional?
Continuar a ser quem sou, artista e poetisa, e expressar o meu Ser através daí. Pretendo expandir a produção artística em escala arquitectónica e instalação imersiva, utilizando os materiais e meios mais diversos que poderão incluir formas sensoriais como o som, o tacto, o cheiro e o paladar, permitindo uma fruição/experiência profundamente sensorial das obras.
O que é que falta fazer, em Portugal, para que a arte possa ser mais valorizada?
Os artistas nunca deixarem de o querer ser, nunca desistirem. E todos nós, todos vós, pessoas, instituições, empresas, Estado, saberem, reconhecerem que a actividade artística é, sempre foi, o pulsar de uma sociedade, de uma civilização, e a capacidade e retratar a sua existência mas também projectar o seu futuro com os anseios, angústias, dor, e igualmente esperança e alegria que cada uma das obras artísticas que são constituídas/produzidas/arrancadas do nosso peito e do nosso Ser representam e clamam!
Entrevista de Márcia Lima Soares