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Entrevista a Peter Pina: "A última carta ao meu pai" (com passatempo)

Peter Pina

A última carta ao meu pai é a mais recente criação teatral de Peter Pina. Com estreia marcada para dia 8 de Maio, no Auditório Carlos Paredes, em Lisboa, a peça promete abordar temas transversais a todas as pessoas queer. O dezanove.pt foi conversar com o autor.

 

dezanove: Para quem não te conhece, quem é o Peter Pina e qual o teu percurso no teatro?

Peter Pina: Eu nasci na neve, numa Alemanha ainda dividida por dois muros. Durante muitos anos, isto teve um peso muito grande na minha vida. Além de ser uma criança muito tímida e introvertida, entre alemães eu era português, e entre portugueses, eu era alemão. Eu sempre senti que não fazia parte. O que mais tarde se tornou num trunfo, na infância era um defeito, quase como que uma incapacidade. Vim para Portugal com 5 anos. Vivi até aos 14 anos numa pequena vila desenhada na Beira Alta. Estávamos nos anos 80 e eu não percebia que era uma criança diferente, muitos menos, percebia em que é que consistia essa diferença. Sofri de bullying, como a maioria das crianças queer. Hoje em dia, ouço muitas vezes dizer, em vozes da minha geração: no nosso tempo não existia bulliyng. Sim, existia. Ainda não tinha um nome. Mas deixa-nos marcas na pele e na existência. A maioria das minhas crónicas, falam sobre isso, assim como este espectáculo. Aos 14 anos fui estudar para Coimbra, para casa de uma tia minha. Os liceus em Coimbra eram mais exigentes, dizia eu. Mas na verdade eu queria fugir do bullying. Queria recomeçar a minha vida. Sei que no meio do meu caos interior, fui um privilegiado, não existem muitos adolescentes queer que o possam fazer. Aos 18 fui viver para o Porto e aos 25 para Lisboa. Nunca considerei a minha vida interessante, até um dia, sentado com a psicóloga com a qual eu fazia terapia, olhar para trás e perceber a quantidade de sítios onde eu já tinha vivido e a quantidade de coisas que já tinha feito. Por vezes temos de fazer esse exercício de olharmos para nós e nos darmos os parabéns. Estudei Design de Moda, fui Designer em dois ateliers, Estudei Teatro, fiz animação de rua, andei montado em cima de umas andas de 2 metros, participei num filme para o Fantasporto, fiz “As três Irmãs” do Tchekhov, encenado pelo falecido Rogério de Carvalho, fiz a “Ópera do Malandro” encenada pelo António Pires, e percebi que já fazia teatro desde 1998. Então, em 2004 nasceu a companhia Teatro.ponto.al, criada por mim e colegas do curso da ACT, como a actriz Susana Oliveira, onde comecei por desenvolver alguns projectos experimentais. Nessa altura aprendi um dos meus lemas de vida: não existem problemas, existem diferentes soluções. Nós tínhamos partido um banco de madeira e estávamos quase a estrear, aquilo era um problema. De repente com uma luz por baixo, aquilo tornou-se numa das partes mais bonitas do espectáculo. Nada acontece por acaso. É importante saber transformar e tirar partido, daquilo que podia ter sido um problema. No Teatro.ponto.al, uns anos mais tarde, comecei a escrever para Teatro. Assim, com a actriz Margarida Moreira criei o “Abraça-me”, “A Culpa” e “O Amor”, três espectáculos que me fizeram crescer imenso como criador, mas sobretudo como pessoa. Agora nasceu a 365.Teatro e este é assumidamente o seu primeiro espectáculo.   


De onde nasceu a necessidade de levar a cena "A última carta ao meu pai"?
Eu estava a ler “A Carta ao Pai” do Kafka, de quem sou extremamente fã, sou obcecado pela “Metamorfose”, e algumas daquelas palavras eram minhas. Então decidi escrever a minha própria carta. Estávamos no final de 2019, eu tinha feito parte do “Projecto Casa Assombrada” do Michel Simeão, o meu pai ainda era vivo e eu tinha algumas coisas para lhe dizer, que não conseguia fazer pessoalmente. Durante toda a minha vida, o meu pai sempre foi uma espécie de herói e de monstro, que eu nunca tinha conseguido resolver. Esta relação conturbada com a figura paterna é frequente em filhos queer. Se por um lado, eu sempre tive coisas para dizer, e por isso comecei a escrever, este era dos temas mais importantes da minha vida. Eu precisava de confrontar o meu Pai, de o perceber e de fazer as pazes com ele. Ainda que tudo isso fosse feito dentro de mim. Que na verdade é o sítio certo. O verdadeiro perdão é interior. O meu Pai sempre foi muito duro, austero e nunca me aceitou como eu sou: artista e gay. Para ele eram dois defeitos. Nós já não falávamos há muitos anos. Todos os anos eu tinha a intenção de, um dia ir à casa onde ele vivia, bater-lhe à porta e dar-lhe um abraço, em silêncio. Em 2020 a primeira versão do texto já estava escrita. Tinha por base uma história que não é a minha, mas desenvolvida com todas as minhas vivências. A meio de 2020 tive de o rescrever. Já não fazia sentido assim, tinha de ser moldado, principalmente devido ao final do texto. O meu Pai tinha decidido partir e com ele morreu a minha oportunidade de um dia lhe ir bater à porta e lhe dar um abraço em silêncio. Rescrevi o texto durante 5 anos. Aprendi muito sobre o meu Pai e sobre mim. Tornou-se numa pesquisa, uma homenagem, uma despedida. Era importante tornar esta despedida em Arte.

 

Pelo que me contas, a peça tem um cariz bastante autobiográfico. Em que medida a história que levas agora a palco te moldou enquanto pessoa queer?

Esta, no fundo é a minha história de vida, apesar de partir da ficção para a realidade. Na minha experiência, existe um estigma ligado às pessoas queer, que as diminui interiormente e como participantes da sociedade. Este texto tem uma outra componente filosófica, baseada na Teoria do Labirinto. Uma teoria que eu emprestei ao personagem deste texto. Está relacionada acima de tudo com a Liberdade. Fechados no Labirinto, somos apenas Peões. Cada vida é uma cópia desbotada da outra. O Labirinto tem regras e as regras não foram feitas para serem questionadas. E se não for assim? Podemos perceber que a vida é um jogo, que está viciado, mas do qual podemos sair. Vivemos tempos muito perigosos. Os ultra conversadores de direita saíram das tocas e querem retroceder na história, sem terem aprendido nada com ela. Não podemos deixar que a história se repita. A comunidade queer demorou muito tempo a conquistar direitos de igualdade, já não vivemos nos anos 80, já não nos voltam a fechar no armário. Perguntam-me muitas vezes: mas o que é que vocês querem? Aquilo que eu quero é viver. Apenas isso. Quero viver, sem que a minha vida seja um tema, uma questão, e principalmente sem que me perguntem: mas o que é que vocês querem? Este texto fez-me perceber que cada um de nós tem o seu poder nas suas mãos. E ao contrário do que se passou no passado, o poder de cada um não pode ser entregue aos outros, de olhos vendados. É importante perceber que somos capazes, que temos voz, que existimos. Este texto não é apenas uma carta de despedida. É também um grito. Eu existo. Eu existo. Eu existo. 

 

Esta, no fundo é a minha história de vida, apesar de partir da ficção para a realidade. Na minha experiência, existe um estigma ligado às pessoas queer, que as diminui interiormente e como participantes da sociedade. 

 

Tu e eu somos de uma geração que teve de lutar para se afirmar enquanto pessoa queer quer na sociedade, quer na família. Como achas que "A última carta ao meu pai" poderá servir como ponto de reflexão para pais e filhos, numa época em que vemos os direitos humanos e LGBTQ+ retrocederem décadas?

Este texto é também uma carta aberta a todas as famílias queer. Todos os direitos que nós não tínhamos, como o simples gesto de andar a passear na rua, de mão dada, com o meu namorado, foram conquistados com muita luta. Não ter vergonha de existir no molde e cor que existo, demorou-me muito tempo. Este texto é para todas as crianças queer que um dia se sentiram sozinhas. Este texto é para todos os pais, tios, avós, que como os meus pais, tiveram uma criança queer. O texto diz que eu não sou esquisito, nem anormal, nem uma doença, nem um crime. O texto diz que, no meu caso, somos apenas homens que um dia vão gostar de homens, mas isso não nos faz menos homens, menos filhos, nem menos seres humanos. O personagem diz ao Pai, que é seu filho, apenas isso, e isso devia chegar-lhe. O ser humano, como animal, tem naturalmente medo do desconhecido e ataca para se defender. A maioria de nós está ainda num estado muito primário da sua evolução. O caminho é naturalmente duro. Mas, se cada família tornar mais leve a experiência de se existir como pessoa queer, a mochila não fica tão pesada. Dividir esse peso com aqueles que nos deram a vida, receber deles força, apoio e sobretudo amor incondicional acende muitas luzes no nosso percurso. No final do dia, aquilo que importa é estarmos com as nossas pessoas. No final do dia o importante é o amor, e isso devia chegar. 

Este texto é também uma carta aberta a todas as famílias queer.

 

Em "A última carta ao meu pai" abordas temas complexos como família, identidade, bullying, discurso de ódio e suicídio. Que mensagem desejas deixar a todos aqueles, espero que sejam muitos, que irão assistir à tua peça?

O texto diz que uma aranha demora 20 a 30 minutos a tecer uma teia, esta pode durar de 1hora a uma semana. Depois da teia destruída, a aranha começa novamente a tecer uma nova teia. É preciso destruir para reconstruir. É preciso reflectir e procurar uma verdade interior para evoluir. Eu não sou vítima do meu passado. Faz parte de mim. O medo, o bullying, o suicídio do meu Pai e outras situações muito marcantes, das quais não quero falar, não me definem. Durante muito tempo achei que foi o meu passado que me trouxe aqui. Não é verdade. Aquilo que me trouxe aqui, foi uma necessidade de uma busca constante de mim. Eu li dezenas de livros de auto cura, estudei Budismo, fiz terapia, hipnose, reflecti sobre dezenas de teorias, estudei tarot e continuo à minha procura. Encontrei muitas versões minhas. Esta é uma versão bastante aprimorada, longe da versão em bruto do menino assustado que se escondia no seu esconderijo no sótão, mas ainda tenho um grande percurso para fazer. Todos temos. O importante é não desistirmos de nós. Todos erramos. E todos, em determinada altura da nossa vida, fizemos algo do qual não nos orgulhamos, mas isso não nos define. O que nos define é a nossa essência, o nosso sonho, a nossa vontade, a nossa paixão. Eu perdi duas pessoas muito importantes na minha vida, das quais não fui a tempo de me despedir. A vida é hoje. Quando eu era criança, uma tia minha dizia-me “querer é poder”. Eu acreditava que aquilo não era para mim. Mas hoje, todos os dias eu posso tornar a minha vida, naquilo que eu quero.

 

Entrevista de Ricardo Falcato

 

A Última Carta ao meu Pai - cartaz

Passatempo

O dezanove.pt tem 2 bilhetes duplos para oferecer para a noite de estreia no Auditório Carlos Paredes, em Lisboa, no dia 8 de Maio pelas 21h30.

Como participar?

Basta subscreveres a nova newsletter do dezanove.pt e enviares um email para: dezanovept@gmail.com com o teu nome completo e o nome da peça “A última carta ao meu pai" .

Os vencedores serão informados por email até dia 5 de Maio.  Fica com atenção ao teu email e não participes caso não tenhas a certeza que possas ir! Depois de atribuídos os convites não podemos alterar nomes.

 

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