Estivemos na maior festa fetichista de Londres
Imaginemos uma festa de Verão, como as de Ibiza, Sitges, Mykonos, Copacabana ou Telavive. Corpos bronzeados, musculados, bebendo refrescos coloridos e bem combinados com o sol, o calor e os seus mini-micro-nano calções. Imaginemos tal concentração de testosterona num ambiente luminoso e estival. Vamos agora para o cenário oposto.
Arcadas húmidas em tijolo, um parque de estacionamento abandonado, uma noite húmida e fria, armazéns fechados e muita chapa metálica enferrujada, combinada com as cercas em arame e ferrugem. Nesse canto meio escuro, algures na margem sul de Londres, decorreu uma festa gigantesca, escondida num beco.
A festa Hotwired London, no seu quinto ano de existência, teve lugar em Southwark, no passado dia 11 de Outubro. Reuniu cerca de dois mil participantes de toda a Europa, naquela que é a maior festa fetichista de Londres, num parceria com o site Manhunt, o clube RUT e várias marcas de vestuário e sex-shops. Ao contrário do cenário soalheiro das festas de Verão, o que se experimenta aqui é uma overdose visual entre uma combinação heterogénea de idades, tendências, fantasias e gostos, uniformizados pelos códigos e regras de acesso. Na indumentária a regra é implacável: cabedal ou borracha/látex. Cores permitidas são como o Ford T imaginado nos idos de 1908: “podem ser fabricados em todas as cores desde que em preto”. Não há lugar a sapatilhas coloridas, t-shirts ou logótipos. Não há regras a não ser as da porta de entrada. E no interior, cada qual, dentro dos milhares de participantes, sabe de si.
Em cada uma das arcadas, os típicos túneis de tijolo por baixo de viadutos ferroviários, existe um espaço distinto. Uma pista de dança, um bar, uma zona para fumadores e uma zona de trocas e WC ocupavam os quatro primeiros arcos. Nos seguintes, mais a meia luz, estão os parques de recreio: sling, uma pista de dança com batidas mais pesadas, labirintos, cabines, uma roulotte e até um automóvel. Sexo, baldes de preservativos e lubrificante e voyeurs mais ou menos interactivos circulam por entre os vários espaços, alternando entre a cerveja ao balcão e a sessão de fisting.
Nas centenas de membros em cada zona do evento, uma coerência estranha entre o dresscode e os comportamentos, na cordialidade e consenso entre quem faz o que lhe apetece sem temores ou julgamentos dos restantes. Podem ser super-heróis, cachorros submissos ou extra-terrestres. Simplesmente a viver as suas fantasias. E o curioso é, novamente, esse consenso, em que a idade não tem grande peso (talvez participantes dos 18 aos 81) e que o que conta é deixar o dia-a-dia à porta e gozar a noite. De preferência escura, industrial e húmida.
Manuel Rodrigues, em Londres