Eva Perón FF: O mito e o grotesco em cena no TEC
O Teatro Experimental de Cascais (TEC) apresenta Eva Perón, de Copi, numa encenação de Rodrigo Aleixo que promete desafiar convenções e provocar reflexão. O espectáculo, que assinala os 60 anos do TEC, os 50 anos da proibição da peça em Portugal e os 20 anos de carreira de FF, que interpreta de forma intensa a figura mítica de Eva Perón, a mulher de Juan Perón, que se tornou um ícone político na Argentina.
Além de FF no papel de Eva Perón, o elenco conta com João Lagarto, João Nunes Monteiro, Rodrigo Tomás, Sérgio Silva, Afonso Jerónimo e Tomás Garcez. A cenografia e figurinos são de Fernando Alvarez, e a música original foi composta por Paulo Furtado, The Legendary Tigerman.
Os instantes da morte de Evita e o culto da Imagem
A peça centra-se nos momentos finais de Eva Perón, que, agonizando de cancro, está cercada por um círculo de personagens que ignoram o seu sofrimento. Figuras como A Mãe, Perón, A Enfermeira, Fanny, Ibiza e suas amigas estão absorvidas pelos seus próprios interesses e tensões. Eva Perón questiona o peso da opressão do poder, o silêncio e a alienação em torno das figuras mitificadas.
O encenador da peça, Rodrigo Aleixo, que trabalhou com Carlos Avilez, sublinha que a peça foi originalmente descrita por Copi como uma comédia de humor negro, mas que a encenação actual intensifica a sua carga política:
“O mito de Eva Perón e o seu cancro funcionam como parábolas para assinalar o culto da imagem.”
A encenação reforça o travestismo como instrumento de desconstrução do mito e da idolatria política, sem ligação à transexualidade, como esclarece Aleixo:
“A peça não tem nada a ver com transexualidade, mas sim com travestismo. Tem a ver com a destruição do culto da imagem.”
A personagem de Juan Perón foi transformada numa presença estática, como explica o encenador: “Tinha falas que nós cortámos, tornando-o uma estátua, e deixando as outras personagens como condutoras da marioneta.”
FF: Entre o pânico e o entusiasmo
No papel de Eva Perón, FF mergulha numa interpretação visceral e perturbadora. Para o actor, aceitar este desafio foi um acto de loucura comparável ao da própria Eva:
“Diria que na balança a loucura dela está na mesma medida da loucura que tive para aceitar fazer esta personagem.”
FF descreve a peça como um espectáculo impressionista, psicótico e grotesco, assumidamente travesti:
“Estas personagens e a peça são extremamente grotescas, assumidamente travestis, e isso adiciona várias camadas ao espetáculo.”
Foto: Ricardo Rodrigues
O caso de Eva Perón, que se tornou maior do que o próprio marido e deu origem ao peronismo, um movimento que persiste até hoje na Argentina, é um dos exemplos mais extremos desta lógica. Fisicamente e emocionalmente, a experiência da interpretação de Eva Perón tem sido exigente:
“Estou a viver um misto de pânico e entusiasmo. Fisicamente e emocionalmente muito duro”, refere o actor que no final do ensaio de imprensa.
Com uma abordagem provocadora e uma proposta estética ousada, Eva Perón promete ser um dos espectáculos mais marcantes do ano, tanto pela carga simbólica e histórica como pela energia dos seus intérpretes e criadores. Para ver a partir de 21 de Fevereiro no Teatro Mirita Casimiro, no Estoril. À saída tenho receio que o espectador vai ficar com as imagens e o som da peça por muitos instantes na sua cabeça.
André Castro Soares