Miguel foi uma das 50 pessoas detidas nesse dia pelos mais de 60 mil agentes destacados para manter a ordem nas ruas. À distância de três semanas e meia Miguel contou num testemunho emotivo o que foi sobreviver depois de ter sido preso aleaoriamente no meio da rua por "parecer gay" e por alguém ter entendido que ele estaria associado aos protestos da marcha do orgulho. Miguel é gay, mas nem sabia que havia uma marcha do orgulho marcada para esse dia.
Miguel estava a fazer turismo em Istambul e quando saiu à rua pediu informações a um polícia sobre um bairro turístico onde se ia encontrar com um amigo. No entanto, em vez de receber ajuda foi rapidamente rotulado como um alvo a deter. Perguntaram-lhe para onde estava a ir e Miguel respondeu para Balat (bairro turístico). Imediatamente um dos polícias disse para o Miguel ser preso. Estavam oito polícias à sua volta. Levaram-no para dentro de uma carrinha, algemaram-no e espancaram-no. Miguel, que também tem nacionalidade sul-africana, ficou durante horas na carrinha, sem água e sem comida. Sofreu ameaças de morte, violência e de violação nas cadeias turcas onde esteve em condições precárias.
A polícia ignorava os seus pedidos de ajuda sistematicamente, fingindo não entender inglês. Só depois Miguel Pereira ficou a saber que estava a decorrer a marcha e que como esta era considerado um evento ilegal e ele foi percepcionado como gay o detiveram pensando que faria parte do protesto. E não foi o único. Junto com ele, estavam um iraniano e um russo que passaram por toda esta tortura ao longo de três semanas nas prisões turcas.
Miguel esteve em quatro lugares diferentes. Primeiro, depois de várias horas dentro da carrinha foi para uma esquadra de polícia em Istambul para prestar um depoimento. No dia seguinte, segunda-feira, 26 de Junho, por volta das 8h da manhã e ainda sem dormir, Miguel foi levado para o departamento de polícia no centro da cidade e colocado na cadeia junto com criminosos, espalhados no chão. Ali, pediram-lhe para assinar um papel e que o libertariam. Nesse momento, um dos novos amigos de Miguel, também preso, alertou-o para não assinar pois o documento dizia algo como "assine este papel se você cometeu um crime". Foram mais 24 horas de prisão sem descansar.
Foi novamente algemado e enviado numa carrinha para Tusla a cerca de uma hora de Istambul. De acordo com Miguel, estavam neste local cerca de 20.000 pessoas "enfiadas em quartos". O dele era para 6 pessoas com beliches, fezes nos lençóis e urina por todo o lado. Miguel diz não ter recebido comida ou água durante este tempo todo. Já por volta da meia-noite de segunda para terça-feira, Miguel juntamente com outras pessoas detidas pelas mesmas "razões" foram colocados noutra carrinha e levados até Sanliurfa, um complexo prisional na fronteira com a Síria. Foram 17 horas de viagem, sem comida, sem água e sem poder ir à casa de banho. Só no fim da tarde de terça-feira, Miguel recebeu um copo pequeno de água. Em Sanliurfa, Miguel foi colocado numa sala com cerca de 30 pessoas que, segundo ele, eram traficantes, toxicodependentes e criminosos de vários países, muitos deles homofóbicos e que o ameaçaram de morte e violação.
Sem acesso ao telemóvel, Miguel só conseguiu fazer o primeiro telefonema passados nove dias e apenas durante dois minutos.
Durante o tempo que esteve lá, quase não dormiu, com medo de que os homofóbicos o matassem. Por sorte alguns presos estavam a ajudá-los porque os guardas não faziam nada para os manter a salvo.
Miguel Pereira desabafa: "foi a pior experiência da minha vida. Ainda não me parece verdade que fui preso por estar na rua. O meu conselho para qualquer pessoa gay ou não é: não vá à Turquia. É absolutamente terrível. Eles não têm respeito pelos direitos humanos!"
Depois de 19 dias, na quinta-feira passada (13 de Julho), Miguel foi deportado para Portugal e impedido de entrar na Turquia por 3 anos e já seguiu viagem para o Rio de Janeiro onde mora. Durante o período em que esteve detido duas entidades procuraram advogados para defendê-lo: a Alta Comissão para Refugiados das Nações Unidas (UNHCR) e a entidade beneficente que organiza a Istambul Pride e luta pelos direitos da comunidade. Miguel só conseguiu sair da Turquia porque uma ONG de defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ o ajudou e pagou o voo de volta a Portugal e do seu amigo para a Rússia. Miguel quer envolver o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos neste caso e lembra que o outro amigo do Irão que esteve preso com eles ainda ficou na Turquia.
O dezanove.pt esteve em contacto com o Miguel devido a este caso que já está a chamar a atenção internacional. Assiste aos testemunhos que Miguel deixou nas redes sociais: