Filipe Branco: “A minha história termina bem e é essa mensagem positiva que quero passar” (com excerto do livro "Deixa-me ser")
O jovem escritor Filipe Branco está prestes a publicar o seu segundo livro. “Deixa-me ser” conta toda a “complicada história” do seu coming out, mas este livro autobiográfico será também uma oportunidade de reflexão sobre questões LGBTI. O dezanove.pt falou com o escritor e dá-te a conhecer um excerto do livro que chegará em Outubro às bancas online e fisicamente. Para já estão previstas apresentações públicas do livro em Lisboa, Leiria, Covilhã e Porto.
Aquando da divulgação do primeiro livro de Filipe Branco, “O dia em que nasci”, o escritor admitiu publicamente a sua homossexualidade revelando que sente como dever “ser absolutamente sincero” naquilo que transmite aos leitores. Na altura o escritor firmou ainda como dever “ajudar outras pessoas LGBTI”, o que o motivou a ser voluntário em acções de associações LGBT.
Agora com “Deixa-me ser”, Filipe explica que havia uma história sobre si a ser contada. O livro baseia-se na reacção extremamente má que o pai de Filipe teve, quando este assumiu ser homossexual junto da família aos 20 anos de idade. O livro retrata o que ambos percorreram juntos até ao ponto em que o pai conheceu o seu namorado e o passou a aceitar completamente. Pelo meio ficam tentativas de suicídio, violência e ódio, mas também afecto e aceitação. “Este é o conto de como a homofobia pode matar” diz-nos o autor. O livro autobiográfco condensa oito anos num testemunho de que “tudo pode realmente melhorar”. “A minha história termina bem e é essa mensagem positiva que quero passar” declara ao dezanove.pt.
O jovem autor deixa ainda algumas críticas. Apesar de ver uma juventude mais livre, com mais direitos conquistados e rodeada de informações nos media que não existiam há alguns anos, jovens mais à vontade consigo próprios e com menos medo de fazerem o seu coming out, Filipe constata “alguma falta de vontade por continuar a lutar por todas estas causas”. “A homofobia ainda existe a muitos níveis, como no bullying, e penso que é necessário consciencializar esta juventude de que se deve continuar a lutar, porque hoje podemos ter o acesso ao casamento e à adopção, mas para além de existirem outros direitos por conquistar, nada nos garante também que estas conquistas são eternas. É preciso estar alerta e haver alguma pro-actividade da parte de quem viverá o futuro” remata.
Lê aqui, em primeira mão, um excerto do livro:
“A discoteca estava cheia, a música electrificante e os nossos corpos levados pelo álcool, quando ele decidiu beijar-me à frente de todas as pessoas à nossa volta, incluíndo outros amigos seus. Fê-lo sem qualquer aviso prévio de que de um momento para o outro a nossa relação passaria a ser pública para todos os que não suspeitariam sequer da sua orientação sexual. Mais do que isso, aquele beijo teve um significado muito mais forte ao ter sido dado num local não lgbt. Por muito preconceituoso que afirmar isto possa parecer, é inegável o peso positivamente desafiador que te dá um arriscar destes.
Inicialmente parecia uma daquelas cenas de um videoclip, em que o tempo abrandou e tudo aconteceu mais devagar, fazendo-me sentir todas as cores das luzes que piscavam a iluminar o acontecimento, aumentando o gozo de ter os seus lábios suavamente encostados aos meus, potenciando o calor do seu corpo fundindo-se em mim. Era um instante raro e digno de ser filmado para a eternidade... até que um rapaz, que ia passar, parou ao nosso lado e gritou: “Paneleiros de merda!”.
Rosnou assim o seu ódio, como se fôssemos algum empecilho à sua passagem, quebrando de imediato aquela sensação de que estava a viver num mundo perfeito. Por breves momentos a tensão elevou-se, aqueles olhos de repulsa brilharam vermelhos, caíndo sobre nós, julgando-nos inferiores. Em mim cresceu só a ira por sentir toda a injustiça das fobias do mundo. Mas o agressor homofóbico decidiu avançar, deixando-nos para trás envoltos na sua aversão. Tentanto não dar demasiado valor, brinquei com a situação, afastando-me contra a parede e dizendo por entre o som estridente: «Não estamos no Trumps!». E tão depresa quanto disse essas palavras, tão fulminante como as nossas gargalhadas conjuntas, senti que tudo estava a escapar-me: o equilíbrio, o chão, o meu corpo. A noite tinha começado com muitos excessos. Os amigos dele tinham-nos oferecido uma droga qualquer, que tinha aceite sem questionar, só porque era leve.
Mas um peso bem pesado foi o que senti quando acordámos no banco de trás do carro, os dois completamente apagados, apenas despertados por um Sol que já brilhava bem forte. Do lado de fora da viatura estava um homem a olhar-nos com um ar muito curioso, que não me admirou nada. Por instinto, só consegui colocar uma mão sobre os olhos, para tapar a luz e a minha pouca vergonha. E ainda ri, sozinho, por achar perfeitamente normal que aquilo fôssemos nós: um rasto de destruição a caminho da séria violência. E esta estava quase, quase a chegar. E eu nada, nada preparado.
Mas foi mesmo por isso que no dia seguinte me deixei comover no banco de trás do mesmo carro quando relatei aquele incidente à amiga a quem chamava irmã e ela nos disse assim com a sua maneira única de tocar o coração de alguém:
"Vocês têm todo o direito de serem felizes e ninguém devia julgar um rapaz por amar outro rapaz."